Cultura

A conversa

Em um passeio em família, pai e filha precisavam expor suas verdades. A matriarca não estava presente, pois, as suas escolhas estavam mais focadas em suas necessidades do que em qualquer outra coisa. Ela sempre se dedicou muito mais do que suportava, mas a sua dedicação não foi suficiente para que as decepções não mudassem a sua essência. Em uma praça em frente ao mar, oportunidades surgiram para que as verdades fossem ditas com respeito.
— Pai o que o senhor espera de um relacionamento após tantos perdões?
— Filha eu só espero ter paz para compreender tudo o que aconteceu, eu falhei muito com a sua mãe, até hoje ainda acho que não mereço o perdão dela.
— Nunca compreendi o seu amor diante de tantas traições, será que o que sente é realmente amor?
— Talvez eu não saiba o que realmente significa amar. Filha, será que alguém sabe?
— Ótima questão, sabendo ou não, temos que viver e dizer amar sem atitudes coerentes, sem mudanças significativas não altera o que foi feito. A sua mudança precisa ser genuína, precisa provar a ela que é merecedor, que o seu amor é verdadeiro, pois, a cada decepção o amor se quebra de alguma forma e mesmo após o perdão ele não volta a ser o mesmo, cria cicatrizes para sempre.

— Filha, fui um boêmio irresponsável, mas sempre a amei e nunca tive a mínima intenção de viver longe dela, esse foi o juramento que fiz há 25 anos, contudo, a minha fraqueza me sabotou, eu me prejudiquei através dos vícios, da bebida e por tantas outras desculpas inúteis. Compreendo o que me diz, decepções não se curam facilmente.
— Pai, precisamos compreender melhor o todo, estou feliz por nossa família estar unida novamente.
— Unida, sim, mas estamos marcados por minha culpa, como disse, cicatrizes.
— Não se preocupe, todos temos, menores ou maiores. Tudo se torna aprendizado, por exemplo, eu estou casada recentemente e não reconheço o nosso amor, como o amor de vocês. Não sinto que o meu casamento possua a mesma força e base, não sei explicar, mesmo sem as tantas decepções, ele me parece ser superficial.

— Filha, vocês são duas crianças, precisam amadurecer em tudo na vida, na verdade, o seu marido precisa bem mais do que você, no entanto, quem sou eu para opinar.
— Eu sei disso pai, sabemos que não existe a perfeição, porém, percebo as diferenças.
— Filha se o amor de vocês for real, tudo vai ficar bem, mas se não for o castelo vai desmoronar conforme o avanço do mar. Neste instante ambos olharam para o mar calmo e misterioso.

— Compreendo e acho que estou me preparando para isso. Pai eu não sei se perdoaria uma traição, como mamãe perdoou? Não sou tão boa quanto ela é.
— O perdão precisa de um coração forte, um que carregue mais amor do que a própria dor. A sua mãe consegue ser assim.
— Então, o meu coração está longe de ser forte, não consigo. Sei o quanto ela te magoou ao mudar de religião.

— Nem me lembra, posso não ser perfeito, mas sempre fui um homem de fé. Aceitar outra doutrina, novos hábitos dentro da nossa casa, foi bem difícil, eu confesso! O que eu posso fazer? Só aceitar e respeitar a vontade dela. Gosto de todos, mas dizer que irei me converter para agradá-la, isso vai além da minha força.
— Pai, Deus não me tocou para seguir o que ela acredita. Eu até me esforcei, o senhor sabe disso. Não é para mim.

— Essa mudança não é para nós filha e não devemos nos punir por isso, vamos apoiá-la, mas vamos manter aquilo que nos faz feliz, eu posso não ter estudo como você, mas eu sinto que o que realmente nos aproxima de Deus é o nosso coração e não a religião. A filha olhou para o pai e o abraçou amorosamente.
— Obrigada, pai, ouvir isso é um alívio. Eu me sinto tão presa as imposições sociais, no casamento, na religião e no trabalho, estou começando a acreditar que a liberdade e o amor são conquistados de dentro para fora. As imposições externas são pesadas, as expectativas dos outros me entristecem.

— O meu trabalho me isola socialmente e muitas vezes é isso que me traz paz. Não se culpe e não queira agradar a sua mãe ou a todos, isso é um fardo que poucos conseguem carregar. Cultive o bem no seu coração, temos que ser verdadeiros. A salvação é algo particular entre cada um de nós e o nosso Deus.
A filha que buscava um entendimento referente aos erros do pai, compreendeu que cada um, carrega as suas lutas e entre erros e acertos, a vida se molda conforme as próprias escolhas.

Autora: Silvia Vanderss
Conto: A conversa
Inédito
Palavras:
783

Silvia Vanderss

Silvia Vanderss

Autora capixaba, com formação em Administração e Letras Seis obras publicadas que abrangem os gêneros, romance, suspense e poesia Blog literário: www.silviavanderss.com.br

Related Posts

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

EnglishPortugueseSpanish