Economia Política

Economia explica por que insatisfação com Lula “transbordou” da classe média para a baixa

Lula da Silva amarga desaprovação nas classes média e baixa

Por Rose Amantéa

As últimas pesquisas revelaram que a desaprovação ao governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), já registrada anteriormente entre eleitores de classe média, transbordou para a população de baixa renda, que ganha menos de dois salários mínimos. A piora da avaliação foi verificada, inclusive, nos estados do Nordeste, reduto histórico do partido do petista.
A combinação de fatores que resultou no desgaste tem relação estreita com a gestão da economia. Inclui o descontrole das contas públicas, seus impactos na alta da inflação, a crise de confiança junto ao mercado financeiro e os erros de comunicação do Planalto.

Neste cenário, um episódio conseguiu catalisar a insatisfação popular e configurar o turning point da popularidade de Lula: a crise do Pix, provocada pelo anúncio do monitoramento de transações acima de R$ 5 mil pela Receita Federal. Depois dela, pela primeira vez a avaliação negativa do governo superou a positiva.

A crise do Pix sintetizou talvez todo o problema do governo, que é o foco na arrecadação e um descompromisso com a economia popular, com o empreendedorismo”, diz o cientista político Fernando Schüler, professor do Insper. “Ele conseguiu atingir o mecanismo de pagamento mais bem-sucedido da história do país e misturou isso, digamos assim, com a propensão arrecadatória do governo, que é notória”.

Brasil virou economia de empreendedorismo, mas esquerda vive “em outro universo”
Para Schüler, o Brasil se tornou uma grande economia de empreendedorismo popular, formal e informal. A desconexão do governo Lula em relação ao empreendedorismo formal já foi constatada há algum tempo, desde a revolução tecnológica que modernizou e flexibilizou as leis do trabalho.

A ideia [de empreendedorismo] vem de uma economia cada vez mais ligada a serviços, de um país cada vez mais urbano, da economia dos aplicativos, da sharing economy, dos modelos de compartilhamento”, afirma. “Mas a esquerda, que não entende como esse mundo do empreendedorismo funciona, tem outra ideia de relação capital-trabalho. Estão falando em retomar o financiamento de sindicatos, endurecer de novo as regras trabalhistas. Quer dizer, estão vivendo um outro universo”.

Além disso, a medida da Receita Federal atingia parte substancial da mão de obra que trabalha no empreendedorismo informal. “Pouco mais de 40% dos trabalhadores do país estão na informalidade”, afirma. “É natural que as pessoas busquem outras formas de renda. Você ainda tem boa parte dos beneficiários Bolsa Família que fazem complementação dos rendimentos. São mais de 15 milhões de pessoas no que eu chamo de semiformalização do trabalho, um fenômeno no país. Todas essas pessoas se sentiram atingidas pela medida do Pix”.

Crise do Pix trouxe à tona insatisfação com poder de compra
Para o economista Bruno Imaizumi, da LCA Consultores, a crise do Pix trouxe à tona uma insatisfação que tem como pano de fundo a alta da inflação. “A crise foi um episódio catastrófico em todos os sentidos, no mérito e na comunicação, já que o Pix é universalizado no Brasil, quase toda a população tem uma chave que facilita muito as transações até de negócios informais”, diz. “Mas foi um catalisador de uma percepção de encolhimento de renda que já vinha acontecendo”.

O economista destaca, sobretudo, a inflação de alimentos, que tem corroído o poder de compra da população. O IPCA geral aumentou quase 5% em 2024, enquanto alimentos e bebidas ficaram quase 8% mais caros, na média, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Num estudo recém-publicado sobre o tema, que cruza o custo da cesta básica com a evolução do salário mínimo e do rendimento médio do trabalho, Imaizumi observou que o aumento da renda proporcionado pelo reajuste do piso salarial acima da inflação, em vigor na gestão Lula, não é observado pelo consumidor. “Eles não conseguem ver uma recuperação do seu poder de compra que foi perdido desde a pandemia”, afirma. “Aí a razão de as coisas não irem muito bem para o governo”.

Imaizumi mostra no levantamento que, antes da pandemia, um salário mínimo conseguia comprar 2,07 cestas básicas em São Paulo na média de 2010 a 2019. Essa relação baixou após a pandemia de covid-19, chegando a 1,51 em abril de 2022, no governo Jair Bolsonaro (PL). Até dezembro de 2025, o estudo estima que um salário mínimo conseguirá comprar perto de 1,7 cesta básica. O mesmo número deve se repetir no ano eleitoral de 2026, demonstrando estagnação do poder de compra.

Não à toa, estão procurando medidas para tentar diminuir de maneira artificial os preços de alimentos”, afirma.

Governo Lula quer usar comunicação para resolver economia e reverter desaprovação
Não foi por acaso que o governo pôs a agenda econômica no centro das prioridades junto ao Congresso, sob nova liderança. Também está apostando na comunicação, a cargo do novo ministro da Secretaria de Comunicação, o publicitário Sidônio Palmeira. Seu primeiro teste foi justamente o episódio do Pix e não surtiu o efeito esperado. O vídeo de Lula fazendo uma transação pelo celular para desmentir a taxação não arrefeceu a crise, já que o problema era o aumento da fiscalização.

O governo tem se comunicado muito mal nos últimos grandes eventos econômicos”, diz Imaizumi. “Antes do Pix, já tinha pegado muito mal o anúncio do pacote de gastos com o pronunciamento do [ministro da Fazenda, Fernando] Haddad, que juntou a questão da isenção do Imposto de Renda”. Desde então, o desgaste do ministro só aumentou.

Numa pesquisa Genial/Quaest divulgada nesta segunda-feira (3), o ministro da Fazenda aparece com a maior desaprovação entre os nomes testados: 56% dos entrevistados responderam que o conhecem, mas não votariam nele. A Quaest ouviu 4,5 mil pessoas entre os dias 23 e 26 de janeiro. A margem de erro é de 1 ponto percentual e grau de confiança de 95%.

O economista também pontua os ruídos de comunicação com o mercado financeiro, que provocaram a escalada do dólar desde novembro. O mês de dezembro foi marcado por cotações recordes da moeda, que só recuou após a posse do republicano Donald Trump na presidência dos Estados Unidos. “O valor da moeda impacta a inflação, especialmente a de alimentos, porque grande parte das commodities é cotada em dólar, e afeta diretamente o termômetro da popularidade do petista”, observa o economista da LCA.

Raiz do problema econômico é o descontrole fiscal
Schüler destaca que, embora seja “óbvio” que há problemas, a tentativa do governo de reduzir a queda de popularidade a uma falha de comunicação é “ingenuidade”. “Também é ingenuidade imaginar que vai se resolver isso com comunicação”, diz. “A questão central do governo é a perda do controle da situação fiscal, que se traduz em inflação e na sensação de encolhimento da renda relativa, inversa à que se teve no ano passado”.

Embora o descontrole fiscal pareça um tema apenas para investidores, mercado e tal, na verdade ele gera uma enorme insegurança econômica no país”, acrescenta. “E essa percepção vai se irradiando na sociedade. Todo mundo vai percebendo que a fotografia pode ser boa, mas o filme não é bom”.

Imaizumi diz que as pessoas percebem o governo “tentando fingir que está compromissado com a trajetória de médio e longo prazo das contas públicas, mas, na verdade, só tem procurado algumas medidas via arrecadação”. “Ele esquece que também pode estar olhando para os outros lados, principalmente para as despesas”, diz. “Porque aqui no Brasil a gente gasta muito e gasta muito mal”.

O que esperar até as eleições
Para os analistas, daqui para frente até as eleições, o que se verá na prática é um governo tentando compensar todas as suas deficiências reais com uma comunicação mais engajada. “Eles [o governo] não têm a mesma pegada de comunicação que seus futuros adversários políticos têm”, diz Imaizumi. “Sabem que acabam perdendo um pouco nisso”.

Schüler também acredita que o Planalto enxerga “que a direita ganhou, ou tem ganhado sistematicamente, o jogo nas redes sociais e vai tentar reverter isso”. “[O governo] vai tentar criar instrumentos, financiar influenciadores digitais, adaptar a sua linguagem e fazer uma comunicação muito mais agressiva”, diz.

Vai apostar na polarização, vai retomar essa ideia de risco à democracia, ressuscitar os fantasmas todos, da extrema-direita, da invasão do 8 de janeiro, de não sei o quê, do fascismo, da destruição do Brasil. O ministro Sidônio tem uma filosofia de que o discurso da radicalização é bom para o Lula”, acrescenta.

O cenário de incertezas na economia, no entanto, impede previsões mais precisas. O panorama político também é intricado, com uma direita “fragmentada e acuada”, segundo Schüler.

Apesar de a direita viver um ótimo momento global, das pesquisas mostrarem que a receptividade das ideias mais à direita é muito maior, a equação política interna ainda não apareceu”, afirma. “Quer dizer, quem é que vai liderar isso? Qual coalizão que vai produzir isso? Ainda não apareceu”.

Fonte: Gazeta do Povo

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