O que a música pode causar no nosso corpo?

Do útero até a vida adulta, a música acompanha e modula nossas emoções e pode até ajudar a reduzir dores
Por Isabella Bisordi
Você se lembra do primeiro som que ouviu? Não conscientemente, mas provavelmente foi o som do coração da sua mãe. Por volta da 18.ª semana de gestação, a audição do bebê começa a se desenvolver, dando início a uma conexão profunda com os sons do mundo e, entre eles, a música. Desde então, nossa relação com sons e melodias se mostra poderosa. Algumas vozes nos acalmam, outras músicas nos arrepiam ou nos fazem chorar. E, como mostram estudos recentes, certas canções podem até diminuir a percepção da dor.
A música vai muito além de entretenimento. Ela pode evocar memórias, relaxar, gerar prazer e, em alguns casos, causar desconforto. Essa conexão emocional com a música tem base biológica: ouvir sons harmoniosos estimula a liberação de hormônios como dopamina, serotonina e endorfina, substâncias associadas ao bem-estar. Até mesmo a ocitocina, responsável pela liberação do leite materno, pode ser estimulada pelo som do choro do bebê.
Cientistas da Universidade McGill, no Canadá, investigaram como a música pode ajudar a aliviar a dor. O estudo contou com 60 participantes, que foram expostos a estímulos de calor no antebraço enquanto ouviam diferentes tipos de música — algumas ajustadas ao ritmo natural de cada um.
Descobriu-se esse “ritmo natural” ao pedirem que os voluntários cantassem Brilha, Brilha Estrelinha. A forma como cada pessoa conduz a música (mais lenta ou mais acelerada) está ligada ao seu ritmo biológico, conhecido como ciclo circadiano, aquele que regula nosso sono e vigília. Os resultados mostraram que percebeu-se a dor como menos intensa quando os participantes ouviam músicas em sintonia com o próprio ritmo. O efeito foi menor com músicas mais lentas ou mais rápidas.
Importante destacar que a pesquisa avaliou estímulos térmicos, cuja transmissão pelo sistema nervoso é mais lenta. Já dores de origem mecânica, como bater o dedo mindinho no sofá, são transmitidas mais rapidamente e de forma mais intensa (sendo difíceis de ignorar, mesmo com sua playlist preferida tocando). Outro ponto de atenção: o estudo avaliou a percepção da dor autorrelatada, ou seja, o quanto a pessoa acredita sentir. Ainda não se sabe ao certo como os circuitos cerebrais reagem à dor real durante a exposição musical.
O futuro do tratamento com música
Próximos estudos, com apoio de exames de imagem cerebral, podem revelar mais sobre como a música interfere nas rotas neurais da dor. A ideia é que, no futuro, terapias musicais sejam personalizadas não apenas pelo gosto musical, mas também pelo ritmo biológico de cada um. Afinal, cada pessoa tem seu compasso. E talvez o segredo para aliviar a dor esteja em encontrar a batida que embale seu corpo e sua mente.
Fonte: Bons Fluidos