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Viciados em “o quê?”, órfãos de “por quê?”

Por Francisco Neto

As ferramentas de qualidade disponíveis são muito úteis para resolver problemas e falhas dentro de qualquer processo empresarial, mas elas exigem muita técnica e responsabilidade de quem as usa. Como o intuito destes recursos é identificar a causa raiz dos problemas, exige-se do analista imparcialidade e objetividade para retirar qualquer autopreservação. Do contrário, teremos uma exposição de competências e resultados que continua mascarando a causa raiz dos desvios que inadvertidamente trarão recorrência do problema.

E isso se aplica a QUALQUER PROCESSO. Vejam:

  1. De acordo com a Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (Fecomercio-SP), o número de empresas inadimplentes, bem como de pedidos de recuperação judicial, teve aumento de 61% em 2024.
  2. Por outro lado, na mesma janela de tempo, dados do Ministério da Previdência Social revelam que licenças médicas concedidas aumentaram 68% em relação ao ano anterior.
  3. Já no futebol, desde 2022 assiste-se ao pior ciclo de Copa do Mundo de uma seleção brasileira. Só analisando as Eliminatórias e sendo breve, o Brasil ficou na sua pior colocação na história (5.°), sofreu a primeira derrota em casa e registrou uma série inédita de três derrotas consecutivas.
Vini Jr (Foto: IMAGO)

E daí, certo? Uma análise “contaminada” é conduzida para mostrar aquilo que se quer previamente confirmar um entendimento anterior, sem base nos fatos registrados. Um dos efeitos mais nocivos deste viés de confirmação é direcionar superficialmente sua conclusão para embasar somente naquela causa fácil, acessível, aparente. Assim, a ferramenta de qualidade vira um mero adereço. Produz-se uma solução rasa com aroma de sofisticação. Um diagnóstico precário viciado em falar “o quê” ocorreu (como se ninguém soubesse) e como este será corrigido, sem entender seus motivos. Resultado prático péssimo, mas slides da apresentação excelentes. Números no painel ruins, mas justificativa dos mesmos impecavelmente formatada.

Torna-se, então, muito conveniente atribuir resultados ruins a fatores externos abstratos (“governo”, “mercado”, “crise”), a elementos humanos inerentes à espécie (lidar com pressão, doenças) ou a individualidades que fazem parte do coletivo (“treinador”, “jogador”).

É necessário esclarecer que todas as causas acima podem ser as raízes dos problemas, mas a tendência é elencá-las antes de qualquer avaliação de materialidade. Existe uma maneira melhor de se confortar na dificuldade a partir da completa alienação do que realmente é importante para resolver “o que” gera problema?

(Foto: iStock)

Qual é a real dificuldade em buscar incessantemente o “por quê” dos eventos? Por que, diante de um evento, evita-se abordar os pontos decisivos, os momentos chaves de análise? Normalmente se faz porque o ganho é maior, conscientemente ou não. Afinal, ao fazer uma análise de cenário profunda e concreta, se baseando em fatos e dados, a chance de encontrar algo que te desafie (direta ou indiretamente) enquanto pessoa, profissional, pai, mãe ou algo do tipo é enorme. E persistir nessa análise é a virada de chave para, efetivamente, corrigir esse problema.

Portanto, é claro que a empresa inadimplente pode ser o reflexo de uma política governamental equivocada, mas SEMPRE? Como foi a evolução de captação de clientes dos últimos três anos? Quais são as contas que estão gerando o maior prejuízo anual? Está sendo contabilizada a depreciação dos ativos nesta análise?

(Foto: Freepik)

Passar por uma doença mental é muito triste, e se resultar em afastamento é gravíssimo. Como está sendo levada a relação com o trabalho e com meu entorno familiar? Estou priorizando as coisas certas para mim? O que tenho feito para criar uma zona de acolhimento e buscar o apoio necessário, onde eu possa conversar abertamente sobre minhas dificuldades?

Jogador perde gol feito e treinador escala errado, com certeza. Mas não é normal ter quatro treinadores em três anos de trabalho de uma seleção nacional, por que isso ocorreu? Quais foram os resultados de scout da comissão técnica? Os resultados das categorias de base mostram algo que corrobore o trabalho que tem sido realizado como um todo?

Ser órfão de “por quês” é um subaproveitamento da análise de qualidade que joga fora todo o potencial de uma conclusão que efetivamente pode ser base para uma mudança efetiva. Não adianta elencar conhecimento de ferramentas de qualidade (FMEA, 5 Por Quês, Ishikawa) sem ter interesse (ou coragem, ou vontade) genuíno em construir algo mais que castelos de areias.

Francisco Neto
Engenheiro eletricista, CEO da Conexa Engenharia
Especialista em gestão de projetos, empreendedorismo e inovação
@eng.fneto

Luzimara Fernandes

Luzimara Fernandes

Jornalista MTB 2358-ES

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