Professor tem de se tornar um mediador de conflitos de interesses
Para especialista, educador não deve lançar mão de “fogos de artifício”, estratégias didáticas muito chamativas que explodem e logo se apagam
Com o aumento da adoção de metodologias que colocam o aluno no centro do processo de ensino-aprendizado, existe um ponto de tensão em sala de aula, sobretudo a partir do segundo ciclo do fundamental, que precisa ser abordado: raros são os alunos naturalmente interessados nos assuntos escolares. Portanto, a primeira função do professor passa a ser cultivar os interesses, defende Nilson Machado, professor na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP).
“Eu nunca tive um aluno desinteressado. Os alunos se interessam por muitas coisas, mas não as relacionadas aos conteúdos. Esse interesse natural na escola existe aqui e ali; não é a regra. Isso põe outra tarefa para o professor, a de criar o interesse”, disse ele durante o 1º Congresso Brasileiro de Metodologias Ativas na Educação, uma iniciativa do Núcleo de Pesquisas em Novas Arquiteturas Pedagógicas da Universidade de São Paulo (NAP/USP), da Association of Problem-Based Learning and Active Learning Methodologies (PANPBL), e do Instituto iungo.
Em nome de despertar esse interesse, contudo, Machado diz que os professores não devem lançar mão de “fogos de artifício”, estratégias didáticas muito chamativas, que “explodem”, mas logo se apagam, criando um interesse apenas passageiro. Assim, ele aponta que trabalhar com projetos, problemas, narrativas, gamificação, ou outras metodologias ativas traz a responsabilidade de não cair no fácil, em algo que dispense o esforço, enquanto mantém aceso um interesse constante nos alunos.
Machado ressalta que o papel do professor vai além de ser um mediador em sala de aula, ele deve ser um mediador de conflitos.
“O professor precisa ser mediador de conflitos de interesses, porque o interesse dos alunos é divergente dos da escola. Sem mediar esse conflito, não há boa metodologia. Não adianta propor a resolução de um problema que seja um problema do professor, e não um problema do aluno”, afirmou.
Ao se propor a ser mediador de conflitos, o docente deve abrir mão do uso da autoridade, porque a mediação deve se dar pelo convencimento, não pela imposição, explica Machado. “Não dá para impingir atividade a alguém, porque fazer ativo é fazer com consciência”.
Claro que o professor, por ter mais experiência e conhecimentos específicos, tem, sim, orientações para dar aos alunos, como um “cartógrafo de relevâncias”. Como no mundo hoje as coisas se misturam muito, há links e informações por todos os lados. Nesse contexto, o docente deve indicar o que é mais importante, o que não importa, o que deve ser cultivado, o que precisa ser combatido. Portanto, não usa autoridade na mediação dos conflitos, mas de certa forma a mantém na construção de conhecimento na sala de aula.
Machado garante que o conhecimento fundamental não é muita coisa. O que for fundamental deve ser trazido para a escola para compor um elenco, e não apenas um conjunto, sem articulação. “Tem que ser como um time de futebol, uma novela. Não se pode ter duas pessoas no mesmo papel”, disse.
Sem lançar “fogos de artifício”, nem impor o que deveria interessar aos alunos, a saída do docente deve ser ter foco e buscar prender a atenção do aluno apenas ao que é de fato fundamental.
“Não existe a possibilidade de ensinar tudo a todos — e nem é necessário. Não é possível nem necessário eu ler todos os livros que são publicados por ano. Tenho que ter um projeto e ter o discernimento de ir atrás do que for pertinente para esse projeto. É uma tarefa crítica discernir”, afirmou Machado.
Essa tarefa de fazer uma curadoria crítica não é nada trivial, porque lida com um volume imenso de conhecimento acumulado, como lembrou Luís Carlos de Menezes, também professor da USP. “Você tem alguns anos para explicar cinco séculos de ciências e cultura. O que é uma aprendizagem ativa nesse contexto, fazer de novo ou informar sobre ela? Esse é um belíssimo desafio”, disse durante o evento. Para ele, não basta só ação, nem só exposição; as estratégias precisam se somar.
Com muitos anos de experiência em formação de docentes na área de ciências, Menezes garante que não se trata de desenvolver novamente tudo o que já foi criado. Um caminho melhor é fazer os estudantes se apropriarem das grandes ideias, como a teoria da relatividade de Einstein ou a da evolução de Darwin, para resolver desafios. “Costumo apresentar desafios a grupos de estudantes. Primeiro, eles têm de ser validados: os alunos têm de querer. Ao final, cada grupo apresenta suas propostas ao plenário da classe”, contou.
Para evitar que os conceitos científicos virem uma mera “decoreba”, tem que se fazer uso do conhecimento para enfrentar um problema. Assim, é possível aprender a teoria na prática. “A fórmula do Einstein serve até para vender pasta de dente. Mas o que ele me resolve? Numa aprendizagem ativa, eu pergunto: por que o sol pode brilhar tanto sem precisar trocar de bateria? Como sai tanta energia dessa estrela? Então dou uma dica: deem uma olhada na [fórmula] e=mc². O alunos está sendo desafiado, não ensinado. É função do formador achar qual é o essencial e o problema que vai dar”, resumiu.
Fonte: Porvir