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Passado elétrico: em 1900, elétricos eram 38% dos veículos vendidos; entenda o que deu errado

O frisson em torno da transição elétrica nos últimos tempos soa ainda para o senso comum como um modismo da indústria automotiva. O que pouco se aborda, no entanto, é o fato de os modelos movidos a bateria já terem sido vistos como um tipo padrão de transporte urbano — e até um sonho de consumo. Isso se deu 120 anos atrás, na década de 1900, quando os carros elétricos disputavam o mercado mano a mano com os veículos a gasolina, especialmente como alternativas de luxo para a classe alta, táxis e vans de entrega na cidade.
A descoberta da propulsão elétrica remonta ao início do século 19, quando o padre e médico húngaro Anyos Jedlik construiu uma unidade que já continha componentes básicos de um motor a bateria (estator, rotor e comutador). Mais para o fim do século, precisamente no ano de 1881, o inventor francês Gustave Trouvé apresentou o primeiro carro elétrico completo no Congresso Internacional de Eletricidade, em Paris. A partir daí, foram surgindo as primeiras marcas especializadas na Europa e, por conseguinte, nos Estados Unidos.

Mobilidade para alta classe e incursão nas Olimpíadas

Primeiro carro elétrico da história, feito em 1881 por Gustave Trouvé (Foto: Wikimedia/CC)

Nos anos 1900, os carros elétricos já tinham se tornado uma das formas de propulsão mais populares no planeta. Nova York, por exemplo, abrigava uma frota inteira de táxis movidos a bateria, com os elétricos compondo um terço de todo o efetivo na cidade. Eram carros fáceis de se operar, não precisavam de uma manivela para dar partida e, de quebra, não exigiam destreza para a troca de marchas como num modelo a gasolina.
Tornaram-se ainda, como supracitado, modelos de luxo para mulheres da burguesia, pelo fato de não produzirem ruído e excesso de vibrações.
No início do século 20, 40% dos automóveis nos Estados Unidos eram movidos a vapor, 38% a eletricidade e 22% por motor a combustão. O primeiro carro inclusive a exceder a barra de 100 km/h foi um modelo elétrico, o Jamais Contente, projetado pelo belga Camille Jenatzy em 1899.
Para se ter uma ideia, o carro elétrico se tornou tão grande na indústria automotiva que, em uma das poucas vezes que o esporte a motor entrou nos Jogos Olímpicos, em Paris-1900, havia categorias específicas para modelos movidos a bateria — detalhadamente, provas de 300 km para táxis e vans de entrega.

Pioneiros da era

Em 1899, o Jamais Contente foi o primeiro carro na história a alcançar a marca de 100 km/h, pilotado pelo belga Camille Jenatzky (Foto: Wikimedia/CC)

Antes da ascensão dos modelos a combustão nos anos 1920, vários veículos a bateria detiveram recordes de velocidade e distância. Já citamos aqui o caso de Camille Jenatzky com o Jamais Contente, mas há o exemplo do carro híbrido-elétrico feito por Ferdinand Porsche, o Lohner-Porsche, que teve (à época) ótima performance em testes de velocidade, chegando a 56 cavalos de potência no dinamômetro.
Nos Estados Unidos, tornou-se célebre a jornada de Oliver P. Fritchle (1874-1951), um químico e engenheiro elétrico que disse ter projetado um dos carros com maior autonomia da época: 160 km. Para provar seu feito, o inventor empreendeu uma longa viagem de Lincoln, no Nebraska, Meio-Oeste dos EUA, a Nova York, em seu modelo Victoria Phaeton de dois lugares.
A jornada, que levou 20 dias, transformou Fritchle numa espécie de pioneiro nacional, permitindo posteriormente que ele abrisse até uma loja na 5ª Avenida, em Nova York. Por volta dos anos 1910, o boom dos carros elétricos, no entanto, começou a minguar e o inventor acabou fechando sua empresa pouco depois do fim da 1ª Guerra Mundial (1914-17).

Declínio

A produção de carros elétricos nos Estados Unidos teve seu auge em 1912. No entanto, conforme a tecnologia de combustão interna no início do século foi avançando, pouco a pouco, a gasolina ganhou terreno. No mesmo ano do pico de produção dos modelos a bateria, Charles Kettering, futuro diretor de pesquisa da General Motors, inventou o motor de arranque, que, aposentando a incômoda manivela, deixou os carros a combustão mais interessantes para o público — além de serem mais baratos.
Após a 1ª Guerra Mundial, o sistema rodoviário dos EUA melhorou e os motoristas preferiram carros com maior autonomia, apesar de todos os feitos de Kettering. A descoberta de petróleo bruto no Texas também reduziu o preço da gasolina e, já no início dos anos 1920, o boom dos carros elétricos da década de 1900 se tornara uma coisa do passado.
E um fator menos racional entrou na equação: mulheres preferiam os elétricos. Não precisava se sujar, nem exigia força na manivela. Os elétricos acabaram ganhando fama de “carro de mulher” e o marketing dos carros a combustão começou a ressaltar o aspecto “másculo” de dirigir, como faz até hoje. Os consumidores compraram a ideia, e elétricos ficaram no passado.
A crise do petróleo nos anos 1970 e o crescente movimento climático na virada dos anos 1990 para 2000 retomou a possibilidade da indústria desenvolver modelos elétricos e híbridos, mas ainda assim o ceticismo era grande. Somente nos últimos anos a eletrificação se tornou ponto-chave na discussão sobre o futuro da indústria automotiva e, agora, fundamental para sua sobrevivência.

Foto de capa: Carro elétrico produzido em 1900 por René Legros e Albert Meynier (Raminagrobis/Wikimedia/CC)

Fonte: Olhar Digital

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