Crianças desenvolvem preconceito desde cedo
Estudo holandês detectou nitidamente o fenômeno no país, que hoje apresenta grande diversidade racial
As crianças na Holanda desenvolvem preconceitos com base na etnia desde tenra idade. A pesquisadora Ymke de Bruijn chegou a essa conclusão em sua dissertação “Preconceito interétnico infantil na Holanda: aprendizagem social de pais e livros ilustrados”. Para seu projeto de doutorado, apresentado em janeiro na Universidade de Leiden (Holanda), ela se concentrou nos comportamentos e ideologias a que as crianças são expostas por seus pais e através de livros ilustrados entre seis e 10 anos de idade.
O estudo de De Bruijn faz parte de um projeto de pesquisa maior conduzido pela Universidade de Leiden sob a supervisão da professora Judi Mesman: “Kids: Kinderen in de Samenleving” (Crianças na Sociedade). Como as crianças percebem a diversidade na sociedade? Eles têm contra pessoas de várias origens étnicas? “Tenho formação em ciências comportamentais e acho muito interessante e importante observar a maneira como as crianças desenvolvem preconceito e como isso é abordado”, disse De Bruijn. “Minha pesquisa mostra que não é verdade que as crianças não distinguem entre pessoas de várias origens étnicas”.
De acordo com De Bruijn, é importante cortar o desenvolvimento do preconceito pela raiz o mais cedo possível. Foi isso que motivou sua pesquisa. “Quase nenhuma pesquisa foi feita sobre isso na Holanda, enquanto ela ocorreu em outros países. Eu queria entender como o preconceito se manifesta nas crianças na Holanda. O que seus pais ou livros ilustrados ensinam sobre esse assunto e como isso contribui — tanto no sentido positivo quanto no negativo — para um possível preconceito?”.
Empreendimento maciço de recrutamento
O projeto de pesquisa começou em 2017. Encontrar pais e filhos dispostos a participar foi um grande empreendimento. Pais e filhos foram recrutados por meio das mídias sociais e em eventos infantis, mercados e playgrounds cobertos. Ao final, quase 300 crianças e seus pais foram visitados em casa e responderam a perguntas em entrevistas, jogos e tarefas de computador.
“Antes do coronavírus, visitávamos as pessoas em casa, mas depois tivemos que fazer tudo digitalmente”, afirmou De Bruin. “Isso foi diferente do esperado e levou algum tempo para nos acostumarmos a nós e às crianças e seus pais”.
Quem você gostaria de convidar para o seu aniversário?
As crianças viram fotos de crianças de diferentes etnias: brancas, negras e com aparência do Oriente Médio. As crianças brancas geralmente selecionavam as crianças brancas nas fotos em resposta a perguntas formuladas positivamente, como: com quem você gostaria de brincar, quem você gostaria de convidar para o seu aniversário e com quem você gostaria de se sentar? “Quando formulamos essas perguntas negativamente, as crianças brancas foram selecionadas com menos frequência do que as outras crianças. Os resultados mostram que as crianças brancas na Holanda desenvolvem certas preferências em tenra idade”, explicou De Bruin.
Ela examinou várias ideologias de diversidade e descobriu que crianças cujos pais se inclinam fortemente para uma ideologia multicultural eram menos preconceituosas, enquanto uma ideologia “daltônica” não teve um efeito positivo. Múltiplas conclusões sobre a influência dos pais podem ser tiradas aqui. “Simplesmente não discutindo, a ‘paternidade daltônica’ tem um efeito contraproducente e não é uma ideia muito boa. A criança vai começar a se sentir desconfortável se você não falar, porque elas percebem as diferenças e podem vir a vê-los como assustadores ou negativos”. De acordo com De Bruijn, os pais devem ser incentivados a discutir etnia e racismo com seus filhos.
Conscientização de editores e usuários de livros
De Bruijn concluiu que continua sendo importante para as editoras de livros infantis prestar atenção à diversidade. “Parece que a diversidade nos livros não acontecerá automaticamente da noite para o dia. Os editores não devem apenas pensar ‘com que frequência um personagem de cor aparece no meu livro’, mas também ‘como esses personagens são retratados?’”. Para os usuários de livros, De Bruijn aconselha que se tornem mais conscientes das escolhas que você faz como, por exemplo, pai ou professor. “Se você não está prestando atenção ativamente, é provável que não esteja oferecendo diversidade suficiente”.
A pesquisadora espera que seu estudo forneça dicas práticas para os pais sobre como iniciar conversas sobre etnia com seus filhos. “Demos um primeiro passo importante com esta pesquisa, mas para alguns pais ainda é muito difícil colocar isso em prática. O que eles devem ou não dizer e qual é o efeito resultante? Esse seria um bom próximo passo”, afirmou De Bruijn.
Fonte: Revista Planeta