Autoridade sem autoritarismo: entenda o que é parentalidade gentil


Talvez você ainda não tenha ouvido falar nesse termo, mas a parentalidade gentil tem ganhado espaço nas redes sociais e rodas de conversas nos últimos anos. Profissionais avaliam esse novo momento na maneira de educar a criança como a base para uma educação respeitosa e com afeto. Para eles, a chave do conceito é mostrar autoridade sem autoritarismo.
“A proposta é que o afeto conduza todas as ações dos pais, pois, quando damos afeto, tiramos qualquer ponto de violência na relação. Conduzir o comportamento da criança com firmeza, assertividade e respeito é mostrar autoridade sem autoritarismo”, explica Flávia Freitas, psicóloga especialista em terapia cognitivo-comportamental pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Segundo Freitas, o desempenho futuro de uma criança, tanto na vida social quanto na profissional, é influenciado pelas experiências iniciais de vida. Desta forma, a importância dessa abordagem para o desenvolvimento está em propiciar um ambiente rico para que comportamentos, qualidades e esforços sistêmicos, que são formados nessa fase, tenham uma base positiva.
“Autonomia, autoestima alta, autoanálise, respeito e valorização dos sentimentos, empatia e comunicação afetiva serão construídos de forma positiva e pautada no afeto, e não na violência ou tirania”, aponta.

A parentalidade gentil é uma abordagem educacional que rejeita tanto a punição quanto a permissividade. De acordo com a psicóloga, é pautada no princípio de que a criança pode ter certa autonomia, condizente com o desenvolvimento cognitivo da sua idade, contexto familiar e, assim, participar da tomada de algumas decisões.
Para Odilo Queiroz, pediatra pela Faculdade de Medicina de Juazeiro do Norte (FMJ), a principal vantagem da parentalidade gentil é o fato de que a criança crescerá em um ambiente com baixos níveis de estresse. Ela ainda terá liberdade para se expressar e experimentar sensações novas, sabendo que haverá a segurança dos pais e cuidadores que não o deixarão passar por situações de risco.

“Já existem evidências científicas de que situações de estresse intenso e constante afetam a neuromaturação da criança e do adolescente, enquanto estímulos e reforços positivos proporcionam um crescimento e desenvolvimento mais saudáveis”, ressalta.

De onde vem a parentalidade gentil
Queiroz explica que a ideia surgiu da necessidade de haver uma forma de criação dos filhos intermediária entre a criação baseada em punições e a criação permissiva.
“Desta forma, é possível que a criança tenha compreensão de alguns limites, que são necessários para a sua idade e determinados pelos pais e cuidadores, mas sem punições, castigos e podendo errar e até participar da formação desses limites, sempre de forma consciente e respeitando os limites intrínsecos da idade”, diz o pediatra.
Para Raquel Franzim, diretora de educação do Instituto Alana, organização que promove o direito e o desenvolvimento integral da criança, a lapidação da autoridade é, talvez, um dos pontos mais vantajosos da parentalidade gentil.

“Limites são importantíssimos, mas violência não é educação. Palmada pedagógica não existe. A parentalidade gentil pressupõe limites e que os adultos tenham, sim, autoridade e orientação sobre crianças. Porém, de que natureza de autoridade que estamos conversando? Não é tirar autoridade, é entender que tipo de autoridade é essa”, diz.

Segundo Franzim, o conceito se torna ainda mais benéfico por reconhecer que a criança necessita de proteção, cuidado, liderança e orientação.
Ideia errada de permissividade total
De acordo com os especialistas, muitos pais acabam se confundindo ao comparar a educação gentil com permissividade total. “É o mito da educação em que o filho faz o que quer. A parentalidade gentil pressupõe os limites sociais da vida, exerce o limite sem agressão física e sem agressão psicológica. Não existe parentalidade perfeita, ela é sempre aprendida. Sempre é possível aprender a ter relações melhores”, diz Franzim.

Psicóloga pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Aline Mayra Lima Bezerra, da Telavita, healthtech de saúde mental no Rio Grande do Norte, explica que a ideia de poder total à criança é um dos maiores equívocos quando o assunto vem à tona e reforça a necessidade de limites proposta pela parentalidade gentil.
“A criança ainda está em desenvolvimento, ela não tem todas as ferramentas para tomar todas as decisões acerca de sua vida. Crianças sem limites podem encontrar muitas frustrações em outros meios, como na escola, pois o mundo tem e necessita de regras. Os pais precisam orientar seus filhos, mas a diferença é a forma como essa orientação é feita. É possível, por exemplo, dizer ‘não’ de uma forma não violenta”, diz Bezerra.

As várias formas de se dizer não
Uma das ferramentas mais poderosas dentro da parentalidade gentil é o “não” saudável, como explica Franzim. É fazer a criança entender que determinada atitude ou determinada situação, naquele momento, é inviável. “É o ‘não’ que não contém agressão psicológica e física, o ‘não’ que ensina, o ‘não’ que reconhece. Muitas vezes, é o ‘não’ que fala ‘não é tudo que a gente pode querer'”, afirma.
Segundo Bezerra, aprendendo dessa maneira, a criança tem mais chances de reproduzir uma forma de se comunicar e conviver mais respeitosa, mesmo quando as opiniões dos envolvidos forem divergentes.

“Quando a criança recebe a oportunidade, ela passa a compartilhar com a família seus sentimentos, tanto os positivos quanto os considerados negativos. Isso fortalece o vínculo entre pais e filhos, algo que é desejado em todas as fases da vida. Quando os pais são muito autoritários ou não validam os sentimentos das crianças, o resultado mais provável é o distanciamento da família. Isso é compreensível, pois ninguém se sente à vontade para ouvir críticas e broncas constantemente”.

Validação de sentimentos é ponto-chave
Na parentalidade gentil, outro ponto extremamente importante é a validação de sentimentos. O não querer é levado a sério, e não tratado como birra. E pais e cuidadores são os principais responsáveis em notar os mais diversos tipos de comportamentos que surgem à medida que a criança se desenvolve.
“O primeiro passo é buscar observar e compreender os sentimentos dessa criança e que ela não possui a nossa maturidade para lidar com eles. O que parece banal para nós pode representar um desconforto muito grande para nossos filhos, o que geralmente chamamos de birras”, diz Queiroz.
Segundo ele, é essa empatia que precisa acontecer para darmos os primeiros passos em direção à parentalidade gentil. “Entender e deixar claro que você compreende seus sentimentos, mesmo nos momentos que a frustração vier, porque a criança quer ultrapassar algum limite por não compreender tão bem por que não pode. Ela será acolhida, não cedida”, ressalta o pediatra.
As formas de correção dentro da parentalidade gentil são sempre mais educativas, como explica Freitas.

“Os pais tentam corrigir uma atitude errada da criança com conversa. O ideal é que haja um esforço para levar a criança a entender o motivo pelo qual elas estão sendo repreendidas e que haja um aprendizado com essa repreensão”.
Fonte: UOL