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De Frente para o Crime!

Atualmente, nossos jovens têm dificuldade em relação aos documentos básicos de cidadania e, ao finalizarem o ensino médio, mal conhecem os seus direitos e deveres

“Tá lá o corpo estendido no chão
Em vez de rosto, uma foto de um gol
Em vez de reza, uma praga de alguém
E um silêncio servindo de amém”

A música “De Frente para o Crime, cuja composição de João Bosco e Adir Blanc remonta ao ano de 1975, ainda é muito atual. E é com ela que começo nossa reflexão semanal. Uma música que trata da indiferença social diante de uma tragédia que toma nosso cotidiano, infelizmente, de forma rotineira.

Dou um conselho para todos os pais: prestem muita atenção com quem seus filhos andam, com quem eles se envolvem, porque a dor que estou sentindo eu não desejo para ninguém”. Essa foi a fala do pai que perdeu seu terceiro e último filho assassinado próximo à BR 101, esta semana.

O Conselho, apesar de também ser bem antigo, é válido para os dias de hoje. Dias difíceis de criar nossos filhos. Com uma jornada de trabalho intensa, pais e mães “se viram nos 30” — ou nas 44 horas semanais somadas a mais três de deslocamentos — para tentar trazer alimentos, pagar as contas de água, luz, aluguel e outras despesas comuns às famílias.
A estratégia federal de implantar escolas em tempo integral avançou um pouco, mas ainda está longe de atender às necessidades sociais. É bem verdade que a escola não é creche. E arrumar vagas em creches públicas, até mesmo para meio horário, é outro desafio que têm enfrentado as famílias.

Por outro lado, a gravidez na adolescência tem tirado nossas meninas da escola. E, muitas vezes, assistimos a crianças cuidando de outras crianças. Planejamento familiar, saúde reprodutiva, métodos anticoncepcionais acessíveis, democratização do uso do DIU, educação orientada para as responsabilidades da maternidade e paternidade, autonomia financeira e cidadania digna são questões que devem entrar de forma permanente na agenda pública.

Essas prematuras e imaturas mães — e também prematuros e imaturos pais — além de ter que lidar com as suas próprias emoções, tornam-se responsáveis por educar um novo ser que se apresenta na sociedade cheio de necessidades. Não podemos nos esquecer de que, no Brasil, menores de 18 anos não podem ser contratados como empregados. Fora da escola, essas jovens não podem estagiar e a escassez de oportunidades se apresenta ainda mais gravosa para nossos jovens pais e mães adolescentes. Sem poder estagiar ou trabalhar com carteira assinada, deles subtraímos vários direitos trabalhistas.

Como enfrentar essas questões? Como lidar com essa problemática? Não podemos jogar para baixo do tapete e fingir que isso não está acontecendo no Brasil. Precisamos pensar em políticas públicas que alcancem a população que mais necessita.

Apesar da discussão a respeito do chamado Auxílio Brasil, Bolsa Família ou qualquer outro nome que venha ter um programa de transferência de renda, sabemos que os valores transferidos são insuficientes para atender às necessidades de uma mãe e seu bebê como alimentação e custos não contabilizados de higiene, saúde, limpeza e outros serviços básicos como energia e água.

As famílias precisam alcançar autonomia financeira para suprir suas necessidades. Precisamos trabalhar a inclusão produtiva como estratégia para permitir às pessoas viverem sua vida com dignidade! Não tenho dúvida de que o melhor programa social é a geração de emprego e renda. Para isso, precisamos investir em educação orientada para o trabalho.

Houve um tempo no Brasil que nossos jovens tinham, já no ensino fundamental II, matérias que desenvolviam a educação financeira. No ensino médio, a regra era uma educação técnica alinhada com a vocação econômica das regiões. Nesse mesmo período, tínhamos educação sobre direitos constitucionais e trabalhistas. Atualmente, nossos jovens têm dificuldade em relação aos documentos básicos de cidadania e, ao finalizarem o ensino médio, mal conhecem os seus direitos e deveres.

Não creio que a estratégia de retirar do ensino médio a formação técnica tenha sido a mais adequada. O mercado reclama que não encontra pessoas qualificadas para empregar e as pessoas, sem qualificação, reclamam que não encontram oportunidades de trabalho. Precisamos conectar essas duas necessidades: a do empregador que procura por trabalhadores qualificados e a da população, principalmente jovem, que procura por trabalho digno.

A educação técnica, que no passado era predominantemente pública, tornou-se predominantemente privada. Não apenas porque é ofertada por entidades privadas, mas porque também não são oferecidas vagas para as pessoas que mais dependem de serviços públicos. O Governo pode e deve ofertar essas vagas, ainda podendo, inclusive, adquiri-las junto à iniciativa privada, se for a opção em que o custo-benefício se mostre mais vantajosa.

Mas quero voltar aos nossos jovens, cuja realidade nossos legisladores e executivos não querem enxergar. Por isso eles passam invisíveis aos olhos de muitos, que acreditam não existir solução para o problema. A solução existe. Pode ser complexa, mas seu enfrentamento é necessário, ainda que possa gerar debates acalorados. Mas é preciso coragem para enxergar e apresentar o problema, discutir o assunto com vistas a encontrar soluções integradas. Não podemos nos esquecer de que o agente público ou político que não acredita em soluções para os desafios sociais, não tem vocação para exercer a função a que se propõe.

Se repetimos diuturnamente que o caminho passa pela educação, precisamos levar esse tema a sério. Creches e escolas em horário integral, educação orientada para a vida e para o trabalho, formação em cidadania.

Sonho com um tempo em que teremos uma sociedade que presta atenção em suas crianças e jovens, que fortalece os valores de cidadania de pais, mães e filhos e, por isso, nossas famílias seguem realizadas e felizes. Sonho com uma sociedade que pais e mães não chorem a morte prematura de seus filhos, perdidos para a criminalidade.

Isso é utopia? Não creio. Creio que alcançar esse cenário exige coragem para fazer o que deve ser feito. Estabelecer prioridades. Se eu quero uma cidade enfeitada? Claro que quero! Mas quero que nossas famílias, verdadeiramente felizes, possam desfrutar dessa cidade. Uma cidade estrategicamente enfeitada gera emprego, renda e prosperidade. Essa trilogia passa pela educação estratégica, erradica a morte precoce e é sinônimo de vida plena!

Podemos fechar as janelas dos olhos e colher os mesmos resultados. Mas não consigo seguir resignada, prefiro provocar aqui uma reflexão de que é possível mudar, mas a mudança exige ação. E como vamos seguir?
Finalizo por aqui este Café Coado chamando a atenção para com outro trecho da música De Frente para o Crime:

“Sem pressa, foi cada um pro seu lado
Pensando numa mulher ou no time
Olhei o corpo no chão e fechei
Minha janela de frente pro crime”.

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Gracimeri Gaviorno

Gracimeri Gaviorno

Delegada de polícia; mestre e doutora em direitos fundamentais; professora; Instrutora e mentora profissional para lideranças E-mail: colunacafecoado@gmail.com

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