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Uma mulher na Casaca!

A casaca é um instrumento feito de madeira que, a partir do atrito com uma vareta, emite um ruído. Este som deu nome ao instrumento musical conhecido como reco-reco, muito comum na execução de melodias de samba, pagode ou congo

Nosso Café Coado de hoje vai visitar um cantinho muito especial no município da Serra. Lá no pequeno povoado de Pitanga, cercado de fazendas por todos os lados, encontramos uma artesã que tem dedicado parte de sua vida à confecção de casacas.
Nesta semana, eu tive a oportunidade de tomar um Café Coado com a Chrisley, que estava acompanhada de seu esposo Marcos. Ela me contou uma linda história e eu vou compartilhar com vocês por aqui. Inspirada e instruída por Mestre Domingos, Chrisley Conceição Vieira da Silva se tornou uma artesã especializada na produção de casacas.

Para quem não sabe, a casaca é um instrumento feito de madeira que, a partir do atrito com uma vareta, emite um ruído. Este som deu nome ao instrumento musical conhecido como reco-reco, muito comum na execução de melodias de samba, pagode ou congo.

Aqui no Espírito Santo, o reco-reco, além da representação na arte musical, recebe o carinho de artesãos para transformar-se em um instrumento das artes visuais e vetor de divulgação da nossa cultura. Herdamos esse instrumento dos povos trazidos da África. Ao reco-reco foi adicionada uma cabeça envolvida num capuz, dando origem ao nome Casaca. O raspar repetido da vareta nos sulcos, que representam as costelas dos senhores de engenho, carrega a revolta contida na crueldade da escravização.

Do grito contido nasceu esse instrumento de percussão que foi considerado o primeiro patrimônio imaterial Capixaba. E, nosso serrano, Mestre Domingos, recebeu, na instrução de seus ancestrais, a técnica, a arte e o respeito aos sons originais. Além de confeccionar esse instrumento de percussão que acompanha e embala a mais importante manifestação cultural do Estado — o Congo — Mestre Domingos se dedica a ensinar sua arte e ofício a outras pessoas, eternizando nosso patrimônio cultural, histórico e artístico.

Mas se você pensa que esse é um trabalho apenas para os homens, está muito enganado ou enganada. Mestre Domingos também quis trazer as mulheres para esse universo tão carregado de memórias. Foi assim que ele convidou aquela menina lá de Pitanga.

Chrisley nos contou que quando recebeu o convite de Mestre Domingos foi logo rejeitando. Achava que o talhar da madeira era um trabalho para ser realizado por homens. Muito habilidoso, Mestre Domingos, retrucou: “Vem cá, menina! Eu vou mostrar a você que não é bem assim”.

E seguida, Mestre Domingos começou a talhar uma vara de Tagibubuia que se transformou numa pequena casaca. Os olhos de nossa querida Chrisley se encheram de lágrimas e, ali, ela reconheceu o seu chamado! O chamado da arte que carrega a história e a dor de um povo. O chamado da mulher que, mesmo se dedicando ao cuidado da casa e da família, vai para os espaços antes ocupados apenas por homens.

(Foto: Arquivo Pessoal)

De lá para cá, em seu ateliê localizado no pacato patrimônio de Pitanga, na Serra, Chrisley confecciona casacas que são expostas em todo o Espírito Santo. Muitas delas são levadas para outros estados e até para o exterior. O trabalho é cuidadoso, requer paciência e muito amor. Ela nunca se esqueceu da lição de seu Mestre Domingos: mais que um adorno, um objeto de decoração ou um instrumento sonoro, a Casaca deve reproduzir os sons primitivos. Ali está, como na composição de Mauro Duarte e Paulo César Pinheiro, “o soluçar de dor, o canto de revolta pelos ares, o canto do trabalhador que ecoa noite e dia”. Ali está o Canto das Três Raças, o Canto do Brasil.

Que a história de Chrisley inspire, nos inspire, para que possamos, cada vez mais, conhecer nossas histórias, revisitar nossas raízes, mergulhar em nossa arte. E não precisamos ir muito longe. Está tudo muito pertinho. Que tal visitar o pacato povoado de Pitanga para conhecer outras tantas histórias interessantes sobre a nossa gente. E o café de lá? É maravilhoso! Eu recomendo.

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Gracimeri Gaviorno

Gracimeri Gaviorno

Delegada de polícia; mestre e doutora em direitos fundamentais; professora; Instrutora e mentora profissional para lideranças E-mail: colunacafecoado@gmail.com

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