Política

1984 e a ideologia de George Orwell

As Origens do Totalitarismo foi a primeira obra de grande relevância escrita por Hannah Arendt, na qual ela descreve e analisa o Nacional Socialismo e o Stalinismo como os grandes movimentos totalitários da primeira metade do século XX. As definições brilhantes de Arendt jamais chegam ao nível distópico de 1984 que, como dito pelo personagem O’Brien, na página 276, “Nós tornamos o cérebro perfeito antes de explodi-lo. A ordem dos antigos déspotas era ‘Tu não hás de’. A ordem dos totalitários era ‘Tu hás de’. A nossa é ‘Tu és’”.
Orwell conseguiu levar o controle a um patamar jamais visto no mundo real, nem em seus governos mais tirânicos. Ter o poder de controlar a história e a mente das pessoas sempre foi o grande trunfo que nenhum líder jamais conseguiu obter, mas nessa obra não é apenas possível, é inevitável.

O livro
A obra é dividida em três partes. Na primeira, ela começa lentamente demonstrando a rotina de Winston Smith, um homem de trinta e nove anos, das margens do Partido, que trabalha falsificando artigos de jornais para mudar a verdade conforme a necessidade do regime, sejam dados sobre produção e até mesmo sobre a existência de pessoas. Aprende-se sobre as doutrinas do socialismo inglês, ou INGSOC, em novidioma — língua criada pelo regime com a função de excluir tudo aquilo que não é essencial da comunicação — como a negação da verdade, a guerra constante — ora sempre havia sido contra a Eurásia e ora sempre contra a Lestásia — e o duplopensar, que seria a capacidade de aceitar e acreditar em fatos contraditórios.

Outras bizarrices são apresentadas para acostumar o leitor nesse mundo sem individualidade controlados pelas teletelas — aparelhos que vigiam e escutam todos os membros do Partido, em qualquer local — a degeneração do sistema familiar com as crianças sendo espiãs capazes de delatar os próprios pais para a polícia do pensamento e a canalização da tensão sexual — afinal em Oceania era proibido ter prazer nos atos sexuais — para o ódio contra os estrangeiros e traidores são exemplos de medidas consideradas absurdas para qualquer habitante de uma democracia livre.

Fica claro logo na primeira parte que Smith sente desprezo pelo partido e seus ideais e anseia que o trabalho de acordar a população para a revolta viria com as gerações. Algo que destaca o pensamento de Winston é que ele tem uma crença de que os proletas — 85% da população — serão a força inabalável que mudará o sistema, através de sua clássica frase de efeito “Se existe alguma esperança, ela está nos proletas”.

O autor
Embora gostasse de provocar desafiando o status quo, Orwell era um tradicionalista com um certo amor pelos velhos valores ingleses. Sua carreira política começou com um artigo num jornal comunista onde criticava a censura britânica da época em peças e romances.

Orwell descreveu o governo colonial na Burma em Índia da seguinte maneira no Le Progrès Civique: “O governo de todas as províncias britânicas sob o controle do Império Britânico é necessariamente despótico, pois apenas com ameaças de força se pode subjugar uma população de vários milhões de súditos. Porém, esse despotismo é latente. Se esconde atrás de uma democracia mascarada… Se toma cuidado para evitar treinamento técnico e industrial. Essa regra, observada por toda a Índia, serve para impedir a colônia de virar um poder industrial capaz de competir com a Inglaterra… Concorrência estrangeira é prevenida por uma barreira insuperável de taxas de consume proibitivas. E então os donos ingleses de fábricas, com nada a temer, controlam totalmente o mercado e lucram extraordinariamente”.

A Guerra Civil Espanhola desempenhou o papel mais importante em definir o socialismo de Orwell. Em 8 de junho de 1937, ele escreve de Barcelone para Cyril Connolly “Eu vi coisas maravilhosas e finalmente eu acredito no socialismo, algo que eu nunca fiz antes”. Tendo presenciado o sucesso das comunidades anarcossindicalistas, como na Catalunha Anárquica, e a subsequente supressão dos mesmos, os partidos comunistas anti-Stalin e os revolucionários que tinham apoio da União Soviética, ele voltou da Catalunha como um anti-stalinista convicto e se juntou ao Partido Trabalhista Independente. Mesmo nunca tendo sido um trotskista, ele foi fortemente influenciado pelas críticas trotskistas e anarquistas ao regime soviético e pela ênfase na liberdade individual dos anarquistas.

Na parte dois do The Road to Wigan Pier, publicado pelo Clube do Livro Esquerdista, Orwell declarou que “um socialista de verdade é aquele que deseja (não apenas concebe como desejável, mas realmente deseja) ver a tirania derrotada”. Ele declara também em Why I Write “Todas as linhas de trabalhos sérios que eu venho escrito desde 1936, vem sido escritas, direta ou indiretamente, contra o totalitarismo e em favor do socialismo democrático, como eu o entendo”. A concepção de Orwell de socialismo era uma economia planificada junto à democracia, a qual era a noção padrão de socialismo do início até a metade do século XX. Inicialmente, a ênfase de Orwell em democracia era uma forte ênfase nas liberdades civis numa economia socialista e oposta a governos majoritários, embora ele não fosse necessariamente oposto a governos majoritários. Orwell propôs uma Federação Socialista Europeia em um ensaio na Partisan Review em 1947 chamado de Rumo à Unidade Europeia.

Um fervoroso opositor ao rearmamento da Alemanha Nazista, Orwell assinou o manifesto Se a guerra vier, devemos resistir na época do Acordo de Munique, apesar de ter mudado sua opinião após o Pacto de Molotov-Ribbentrop, tendo deixado seu partido por ter tomado uma posição antiguerra e adotado uma posição de patriotismo revolucionário. Orwell escreveu na Tribuna em dezembro de 1940: “Nós estamos num período estranho da história no qual um revolucionário deve ser patriota e um patriota deve ser um revolucionário”. Ele era crítico a ideia de que a aliança anglo-soviética seria a base para o período de paz e prosperidade no pós-guerra.

Dado o exposto, é possível afirmar que a experiência direta de Orwell com a Guerra Civil Espanhola, além de ter vivenciado as duas Guerras Mundiais e ter tido contato com as tradições políticas e culturais britânicas, contribuíram para a escrita de 1984, que figura até hoje como uma das melhores obras já escritas e como a mais conhecida ficção distópica no mundo.

Erik Zannon

Erik Zannon

Erik Zannon Mestrando em Ciências Políticas pela Universidad Europea del Atlántico; Graduado em Relações Internacionais e Graduando em História pela Multivix

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