Cientistas brasileiros transformam substância do ipê-roxo em tratamento contra câncer

Pesquisa é promissora, mas ainda está em fase inicial; em testes com animais, a redução do câncer foi de 43%
Por Gabriel Andrade

Pesquisadores da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) estão desenvolvendo uma reação química para transformar uma substância extraída de um ipê-roxo em um remédio para o câncer. Segundo a instituição, a pesquisa ainda está em fase inicial, mas os primeiros resultados são promissores.
Realizado no Laboratório de Catálise Biomimética (Lacbio) em parceria com instituições da Inglaterra, de Portugal e da Espanha, o trabalho fez parte da tese de doutorado de Gean Michel Dal Forno no Programa de Pós-Graduação em Química sob orientação do professor Josiel Barbosa Domingos. Nele, os pesquisadores criaram uma nova metodologia de ativação de uma molécula chamada β-lapachona, encontrada no ipê-roxo. A principal vantagem é que a substância tem baixo custo de extração e conhecidas propriedades anticancerígenas. No entanto, não pode ser usada em sua forma natural.
Em um comunicado, Gean explicou a razão: “Por que a β-lapachona nunca avançou em testes? Porque ela não ataca só a célula do câncer. Ela também ataca outras células do corpo humano, fazendo com que se tenha efeitos colaterais muito graves. Então não vale a pena usar ela como um fármaco”.

Entenda a pesquisa
Para encontrar uma maneira de fazer com que a β-lapachona afetasse somente as células do câncer, o primeiro passo foi desativar a molécula, transformando-a em um pró-fármaco, uma substância que entra no corpo de forma inativa, para ser ativada depois, em condições específicas — no caso dessa pesquisa, somente quando em contato com o tumor.

O que a gente faz é pegar essa molécula e fazer uma transformação química. Então, no laboratório, a gente desenvolve uma reação que vai fazer uma pequena alteração na estrutura e faz com que essa molécula deixe de ser um fármaco. Nesse caso, eu tenho pró-fármaco, que é um fármaco que foi modificado para perder sua atividade contra o alvo”, resumiu o pesquisador.

A principal inovação do estudo de Gean é o método para ativar o pró-fármaco nas células cancerígenas. O desenvolvimento usou nanopartículas de paládio e técnicas de química bio-ortogonal, área que foi tema do prêmio Nobel de Química em 2022. Basicamente, a química bio-ortogonal trata de reações que ocorrem em organismos vivos sem alterar as características e os processos naturais daqueles organismos.

Em teste com animais, a redução do câncer foi de 43%
A metodologia passou por testes em células de câncer de mama e de leucemia cultivadas em laboratório e em embriões de peixe-zebra.
Nós enxertamos uma célula do câncer nesse embrião, e junto com essa célula foram também enxertadas essas nanopartículas, que são os nossos catalisadores. Então, quando a molécula que não é ativa chega lá, ela encontra o catalisador e é liberada. Isso faz com que eu só a tenha dentro do tumor, e não afete o resto dos órgãos do modelo animal”, explicou o cientista.

Além disso, os experimentos indicaram um significativo efeito antitumoral. Nos peixes, por exemplo, a redução do câncer foi de 43%, e não registrou danos em outras células dos animais. Com resultados promissores, o processo de ativação teve um pedido de patente depositado pelos pesquisadores, mas ainda são necessárias muitas etapas antes de se chegar aos testes com humanos.

É um estudo que ainda está numa fase muito inicial. A primeira coisa é que conseguimos descobrir essa nova reação química para liberar esse composto, e conseguimos mostrar que ela já funciona em algum tipo de modelo mais complexo”, completou Gean.

Fonte: Giz Brasil