Economia

Dívida do governo não para de crescer, mas Lula quer licença para gastar mais

Dívida do governo está crescendo, mas Lula já fala em aumentar o limite de gastos que acaba de entrar em vigor

Por Rose Amantéa

O crescimento da arrecadação de impostos em janeiro, festejado pela equipe econômica, está longe de sinalizar um equilíbrio das contas do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Ao contrário. O temor do mercado é de que o breve fôlego propiciado pela receita extra, vinda de eventos não recorrentes, seja visto pelo atual governo como uma “licença para gastar”, agravando ainda mais a trajetória da dívida pública, considerada preocupante pelos especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo.
E, de fato, bastou o resultado do primeiro mês do ano para Lula começar a falar em “aumentar o limite de gastos” — limite este definido pelo chamado arcabouço fiscal, que recém começou a vigorar.

A perspectiva geral não é boa. Quando olhamos o indicador mais importante para a solvência do governo no médio e longo prazo, a dívida pública sobre o PIB [Produto Interno Bruto], vemos que ela não para de crescer”, alerta Cristiane Schmidt, professora da Fundação da Getúlio Vargas (FGV-RJ) e do Instituto Millenium e consultora sênior para o Banco Mundial.

Depois de dois anos em queda, a trajetória da dívida pública do País se inverteu em 2023 e subiu quase três pontos percentuais em um ano, passando de 71,7% do PIB em dezembro 2022 para 74,3% do PIB 12 meses depois. Os últimos dados do Banco Central revelam que em janeiro de 2024 a dívida subiu mais um pouco e atingiu 75% do PIB, o maior nível desde julho de 2022.

Dívida vai continuar crescendo, segundo projeções do mercado
Conforme o BC, o resultado primário de janeiro do setor público consolidado — que inclui os governos das três esferas e estatais — ficou negativo em R$ 246 bilhões, no acumulado de 12 meses. O rombo é apenas ligeiramente menor que o acumulado até o mês anterior — R$ 249,1 bilhões, o pior resultado desde 2020, quando os gastos aumentaram com o combate à pandemia de covid-19.
Mas o resultado primário não reflete os gastos financeiros com a dívida. E eles nunca foram tão altos. Em um ano, os juros consumiram R$ 746 bilhões, segundo o dado de janeiro — o maior valor da história para um acumulado de 12 meses, equivalente a quatro anos de Bolsa Família. Como acontece quase sem trégua desde 2014, todos os juros foram pagos com emissão de novas dívidas, uma vez que o governo não está poupando dinheiro.

Na soma do déficit primário com os juros, o chamado resultado nominal do setor público foi de um rombo acumulado de quase R$ 1 trilhão em 12 meses. O resultado só foi pior que isso em alguns meses entre 2020 e 2021. A perspectiva da corretora XP, a se manter o ritmo atual, é de que a dívida pública atinja 77% do PIB ao fim de 2024, 79% em 2025 e 81,4% em 2026. A expectativa mediana de pouco mais de 30 bancos, corretoras e consultorias consultados pelo Banco Central é ligeiramente pior: nesse cálculo, a dívida ao fim dos mesmos três anos seria de 77,8%, 80% e 82,5% do PIB, respectivamente.

A dívida é uma variável importante que a gente tem que monitorar, porque representa um risco que tem impactos tanto em atividade econômica, afetando o crescimento, quanto em inflação”, afirma o economista Tiago Sbardelotto, da XP Macro Watch.

Pagamento de juros impulsiona a dívida pública
A relação dívida pública/PIB é afetada basicamente pela combinação de taxa de juros, resultado primário e crescimento econômico. Durante a pandemia, o que pressionou a dívida — que bateu em 87,7% do PIB em outubro de 2020 — foi alto déficit primário, impulsionado pelos gastos com saúde. As despesas com juros, graças à Selic mais baixa na época, foram menores.

Hoje os gastos com juros são bem maiores. Apesar da trajetória de queda na taxa básica (a Selic), ela ainda está em 11,25% ao ano, uma das maiores do mundo. O piso estimado pelo mercado para a Selic é de 9% até o fim do ano. A política monetária do BC tem sido rígida em boa parte das últimas décadas a fim de controlar a inflação, fruto do desajuste estrutural das contas do governo.

A gente vê que, de fato, os juros foram um componente importante do crescimento da dívida em 2023, mas eles devem se reduzir nos próximos anos, à medida que o BC reduzir a Selic. Devem caminhar para ter uma participação bem menor do que tiveram no passado”, prevê Sbardelotto.

O desempenho da economia, outro fator que pesa no cálculo da dívida/PIB, é insuficiente. O País cresceu 2,9% em 2023, acima do previsto pelo mercado, mas abaixo do necessário para compensar o elevado déficit primário. “O que a gente viu no ano passado e o que a gente está vendo para os próximos anos é uma forte contribuição do resultado primário negativo para o aumento da dívida”, explica Sbardelotto. Por isso, segundo ele, o equilíbrio entre despesas e receitas para melhorar os resultados primários é o único caminho para a gestão da dívida.

O gasto público é a única variável que o governo tem controle. Só com ajuste de despesas e receitas haveria alguma capacidade de reduzir o rombo”, diz. “Mas isso não parece fazer parte da estratégia que o governo escolheu, de fazer o ajuste só por meio do aumento da receita e não do corte de despesas”.

O governo anunciou no ano passado uma política de revisão de gastos e tem um grupo no Ministério do Planejamento para tratar do assunto. A ministra Simone Tebet sinalizou que há coisas a serem anunciadas dentro de uma “cultura de planejamento”. Mas essa agenda está lenta — nada de impacto foi anunciado até agora — e há muito ceticismo. “Eu quero ver isso acontecer de fato, porque a gente já teve outras tentativas”, diz Cristiane Schmidt.

Arrecadação aumentou, mas não aliviou a dívida do governo
Em janeiro, graças aos projetos de arrecadação negociados pelo ministro Fernando Haddad, da Fazenda, junto ao Congresso Nacional, a soma de impostos, contribuições e outras receitas federais chegou a R$ 280,6 bilhões, um aumento real (acima da inflação) de 6,7% ante o mesmo período de 2023.
Parte do resultado, o melhor resultado da série histórica, se deveu à tributação de aplicações dos chamados “super-ricos” e a reoneração dos combustíveis. Nem isso impediu, no entanto, o aumento da dívida pública no mês. Para os analistas, embora a alta da receita dê ao governo alguma margem de manobra na gestão do Orçamento de 2024, será difícil zerar o déficit neste ano, como prevê o arcabouço fiscal.

O resultado fiscal deu um respiro ao governo, que não vai precisar fazer já em março o contingenciamento necessário para manter a meta”, afirma Schmidt. “Mas está longe de ser uma licença para gastar. Mais de 60% dos valores se devem a tributos não recorrentes, que vêm uma vez e vão embora. É o caso dos fundos offshore e exclusivos”.

Neste mês será divulgado o primeiro relatório de receitas e despesas do ano, atendendo exigência da Lei de Responsabilidade Fiscal. Até pouco tempo atrás, havia a percepção de que o governo seria obrigado a mudar a meta fiscal caso não quisesse fazer um grande bloqueio de recursos já em março; com os resultados fiscais mais recentes, a necessidade de mudança parece ter sido postergada.

Para a economista do Millenium, mesmo que Haddad consiga viabilizar junto ao Congresso toda a pauta econômica do governo, seria difícil manter a arrecadação elevada ao longo do ano para somar os R$ 68 bilhões extras necessários para zerar o rombo.

Precisaria bater recorde de arrecadação todos os meses”, afirma. “Eu tenho muito medo do Lula e dos seus ministros falarem ‘bom, temos dinheiro suficiente, podemos gastar e vamos gastar’. Já estamos vendo concursos sendo abertos”, observa.

Mercado espera novos déficits nos próximos anos
Embora o governo deva insistir até onde for possível na meta prevista pelo arcabouço fiscal, a estimativa da XP é de um déficit primário de 0,8% do PIB este ano, 1,2% no ano que vem e 1% em 2026. Sbardelotto destaca que os próximos anos de déficits continuarão a empurrar a dívida pública para níveis mais altos. Para poder controlar a dívida, o governo precisaria gerar um superávit de 1,8% do PIB, calcula o economista.

A gente vê o governo brigando para fazer resultado zero, e sabe que já é algo bem difícil. Quem dirá, então, pra chegar nesses 1,8% de superávit, que é o necessário para estabilizar a dívida”, diz.

Na avaliação de Reginaldo Nogueira, diretor sênior do Ibmec, o mercado monitora a trajetória da dívida, mas não se preocupa com uma explosão ou um calote no curto prazo porque vê no arcabouço fiscal, embora mais frágil que o teto de gastos, um sinalizador de alguma contenção.

O fiscal acaba tendo mais reflexo nos juros de longo prazo”, avalia. “Mas alguma sinalização de ajuste para conter a dívida pública vai ter que ser dado pelo governo até o fim do ano”, prevê.

Fonte: Gazeta do Povo

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