Mobilidade

Você já parou para pensar sobre isso?

Um novo brinquedo está chegando ao nosso mercado! Constatamos uma certa euforia com a chegada dos carros elétricos em terras brasileiras

Um novo brinquedo!
Quando criança vivíamos nos encantando com as novidades! Um novo brinquedo com luzes ou sons diferentes, outras cores, ou qualquer coisa que agregasse algum tipo de brilho aleatório, nos fascinava e aguçava nossos desejos em substituir o que antes nos enchia de orgulho, alegria e prazer. Afinal, crescemos! Entretanto, magia e encantamento continuam nos envolvendo em nossos relacionamentos com pessoas e mercadorias. Uma velha tendência de trocar o que nos atende e funciona bem pela promessa do que supostamente funcionará melhor nos instiga e persiste, quase sempre sem uma criteriosa análise de custos, benefícios e riscos. Por isso, amiúde, damos com os burros n’água!

Um novo brinquedo está chegando ao nosso mercado! Constatamos uma certa euforia com a chegada dos carros elétricos em terras brasileiras. Com uma tecnologia embarcada de deixar a todos boquiabertos, ingrediente perfeito para a magia e o encantamento, dia após dia vêm conquistando pedacinhos do mercado, sem esconder o tamanho da sua ambição. A tecnologia no interior dos veículos nos faz lembrar um smartphone de última geração, aqueles que nos hipnotizam a comprá-los sem termos ideia de como funciona pelo menos a metade das suas funções e quais suas aplicações práticas em nosso cotidiano.

A proposta dos fabricantes é um transporte inteligente, limpo, econômico e sustentável. Passaremos, então, a esmiuçar os impactos sociais e ambientais impostos à sociedade, ou seja, uma avaliação socioambiental. Muitas vezes, temos dificuldade em relacionar um produto ou tecnologia com as realidades socioambientais das regiões em que se pretende incorporar suas aplicações. No nosso caso, avaliaremos três regiões desiguais: China, Noruega e Brasil. O porquê da escolha dessas três diferentes dimensões de poder político, econômico, social e energético ficará claro em nossa exposição a seguir. Vamos, então, aos fatos!

Começamos pela China. A indústria mundial dos veículos elétricos surgiu e sobrevive única e exclusivamente na base de altos subsídios públicos, sem dinheiro do governo ela não se sustentaria. Para se ter uma ideia, entre 2016 e 2022, o governo chinês gastou mais de US$ 57 bilhões para estimular o surgimento local de uma indústria de carros elétricos. Hoje, a China concentra 60% de toda a frota elétrica do planeta. Foi uma opção pelo elétrico. Agora, os cemitérios de carros elétricos começaram a aparecer em vídeos e fotos na internet.

Milhares de carros abandonados, baterias de lítio — com seus componentes altamente tóxicos — em fase de decomposição. Esse cenário é visto atualmente em um cemitério de Hangzhou, perto de Xangai, na China. Aquilo que deveria ser uma “referência” do transporte limpo se transformou em fantástico desperdício e grande potencial ofensivo para uma tragédia ambiental. Os motivos de abandono desses carros com pouco tempo de uso se deve à falência dos fabricantes, obsolescência muito rápida, falta de peças, baixa autonomia, entre outras.

É claro que, com a vontade política do governo chinês, muitos bilhões de dólares em infraestrutura e pesquisas tecnológicas, as soluções, irão aparecendo. Mas a metáfora do brinquedo novo se aplica também lá e cada vez mais baterias de lítio serão descartadas e contaminarão ainda mais nosso planeta. Em síntese, os problemas socioambientais nessa região são: poluição por metais pesados, condições precárias de trabalho, guerra de preços, subsídios insustentáveis, abandonos, falhas de fabricação, etc.

Chegamos agora à Noruega. Líder mundial em eletromobilidade, com uma adesão impressionante aos veículos elétricos. Em agosto, 94,3% dos novos carros registrados eram totalmente elétricos. Esse número é resultado de uma combinação de incentivos governamentais (isenção de impostos, pedágios gratuitos, estações de recarga públicas), infraestrutura de recarga em expansão e uma conscientização ambiental elevada entre os noruegueses. Está começando a introduzir as estradas com carregamentos sem fio para tentar superar um dos maiores obstáculos à adoção em massa: a ansiedade de autonomia.

Apesar do grande potencial das estradas de carregamento sem fio, há desafios a serem superados. O principal deles é o custo elevado da tecnologia, ainda em estágio inicial de desenvolvimento. Além disso, a adaptação dos veículos existentes com o equipamento necessário pode ser financeiramente inviável para maioria dos consumidores. Outros problemas que preocupam os consumidores são: peso do carro, exigindo pneus especiais, mais caros e com menor durabilidade, além de causarem mais atritos com as pistas e produzirem mais partículas pesadas, que poluem a atmosfera; a eficiência da bateria; o uso do ar-condicionado, a topografia do percurso e, principalmente, as condições climáticas podem afetar significantemente o desempenho do veículo.

De volta ao Brasil. Aqui, se colocarmos os custos e benefícios do carro elétrico na ponta do lápis é evidente que a conta não fecha. São muito mais caros que os tradicionais e os custos adicionais são maiores. Os carros serão para poucos privilegiados na sociedade. Quem pagará a infraestrutura? Serão milhares de pontos de carregamentos espalhados pelas cidades e rodovias. Há também a possibilidade de escassez de lítio, além de cobalto, níquel e outros metais. Um recente estudo, feito pela Stellantis, dona das marcas Fiat, Jeep, Peugeot e Citroën, mostrou que carros movidos a etanol no Brasil poluem menos que os modelos elétricos. Ela chegou a declarar que não precisamos de carro elétrico.

O etanol, pelo que se apresenta, parece ser a solução verde do Brasil. A matriz energética é vegetal, e, portanto, renovável, ao contrário dos veículos elétricos. O Brasil é líder mundial em tecnologia para processamento, aplicação e utilização do etanol. É bom lembrar, também, que ainda produzimos, com a mesma competência, o biodiesel, feito a partir de óleos vegetais (soja, algodão e girassol). O que está faltando mesmo ao Brasil é uma robusta política de apoio às nossas indústrias, para que possamos ter as condições básicas para desenvolvermos a plenitude de nossas potencialidades. Assim como é feito lá fora.

Bem, aí estão os fatos, cabe agora à sociedade organizada debatê-los e decidir o que deveremos adotar de melhor para o nosso país.

Fernando Repinaldo

Fernando Repinaldo

Especialista em Administração Pública, Gestão de Projetos e Engenharia de Tráfego

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