Banco privado, risco público: negócios ousados do Master põem sistema bancário em alerta

O presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, tem se reunido com banqueiros para discutir a situação do Master
Por Fernando Mendonça
O Banco Master está no centro das atenções do mercado financeiro e do Banco Central. No fim de março, o Banco de Brasília (BRB) anunciou a aquisição de 58% da instituição por R$ 2 bilhões, desencadeando uma série de críticas, principalmente de grandes bancos privados, que chegaram a qualificar a transação como “indigesta” por diversos motivos.
A começar pelo fato de um banco público de médio porte — no qual o governo do Distrito Federal detém 96% das ações ordinárias — adquirir um banco privado, também de médio porte, conhecido por captar recursos há anos por meio de títulos considerados de alto risco.
O temor se justifica pela hipótese de que, se a compra do Banco Master trouxer prejuízos, o impacto pode recair sobre os cofres públicos. Ou seja, indiretamente sobre os contribuintes, o que resultaria em um efeito contrário ao princípio de que riscos do setor privado devem ser arcados por seus próprios acionistas.
Incomodou também que, mesmo adquirindo 58% do capital total do Banco Master, o BRB não terá o controle acionário. Pelo desenho do negócio, o atual controlador do Master, Daniel Vorcaro, manterá a maioria das ações com poder de voto. Essa configuração motiva dúvidas sobre a governança e a real influência que o BRB terá nas decisões estratégicas do Master. Embora já tenha sido anunciada, a compra do Master pelo BRB ainda depende de aprovação do Banco Central e do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).
Mas as incertezas da operação vão além das questões financeiras e regulatórias. A aquisição do Banco Master pelo BRB também gera preocupações políticas, uma vez que o BRB pertence ao governo de Brasília. A negociação pode estar beneficiando apenas interesses de grupos específicos, em vez do banco e da população do Distrito Federal.
Outro aspecto apontado pelos especialistas é a forma rápida e sem grande detalhamento sobre os critérios usados para justificar a compra, o que dá origem a desconfianças sobre possíveis interesses políticos ou falta de uma análise de risco mais rigorosa. Entre elas está a troca no comando do comitê de auditoria do BRB três dias antes de o conselho de administração do banco estatal aprovar a operação com o Master e o negócio ser divulgado ao mercado. A substituição às vésperas de tudo acontecer foi interpretada pelos agentes financeiros como mais política do que técnica.
Chama atenção, ainda, o comprometimento de quase metade dos recursos do Fundo Garantidor de Crédito (FGC) para cobrir uma eventual quebra do Master. O Master atrai investidores a suas aplicações — que oferecem remuneração muito superior à média do mercado — com o argumento de que são cobertas pelo fundo. Criado em meados dos anos 1990, quando bancos privados foram à lona após o Plano Real, o FGC serve para ressarcir poupadores em caso de falência de instituições financeiras.
Galípolo, do BC, discute caso do Master com banqueiros
Não demorou para que os temores chegassem ao alto escalão do Banco Central. A semana seguinte à do anúncio começou com uma reunião do presidente do BC, Gabriel Galípolo, com o presidente do BRB, Paulo Henrique Costa, e o CEO do Master, Daniel Vorcaro, para “tomar pé” da situação. A semana foi esticada até o último sábado (5), quando Galípolo chamou para conversar os dirigentes dos maiores bancos privados do Brasil (Itaú-Unibanco, Bradesco, Santander e BTG Pactual). O presidente do BC busca interessados na parte dos ativos — de alto risco e baixa liquidez — do Master que foi apartada da venda ao BRB. Esperam-se novas rodadas de encontros nesta semana para discutir sobre o assunto.
“A primeira característica que sempre chamou a atenção do mercado é que, mesmo sendo bastante jovem, o Master apresentou um crescimento muito rápido”, diz o professor de Finanças Rafael Schiozer, da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (FGV Eaesp), especializado em estudos sobre estabilidade, gestão de riscos e crises financeiras.
De acordo com o professor, o mercado há tempos acompanha de perto os movimentos do Banco Master, cujas operações estiveram sempre sob alerta e eram consideradas insustentáveis no longo prazo. “Quando surge a notícia de que um banco público está absorvendo outro privado de tamanho similar, fica evidente que houve a necessidade de uma solução de mercado”, afirma Schiozer.
Banco tinha estratégia agressiva para captar dinheiro
O Master tornou-se conhecido por oferecer Certificados de Depósito Bancário (CDBs) com rendimentos pós-fixados de até 140% do CDI, muito superiores à média praticada por bancos de menor porte, que é de 110% a 120% do CDI. Os CDBs emitidos por qualquer banco estão cobertos pelo Fundo Garantidor de Crédito.
No caso do Master, entretanto, há um compromisso financeiro substancial para quitar os CDBs no vencimento. Diante dessa conjuntura, a instituição depende fortemente do FGC caso não consiga cumprir a obrigação, o que pode representar um risco a todo o sistema financeiro.
O FGC é financiado pelos próprios bancos, que realizam contribuições regulares para constituir o fundo de garantia, destinado a proteger investidores em caso de falência ou intervenção de uma instituição financeira. Atualmente, o FGC assegura a devolução de até R$ 250 mil por CPF ou CNPJ. Amparado por essa garantia, o Banco Master captou no mercado cerca de R$ 51 bilhões dentro do limite de cobertura do FGC. O montante corresponde a cerca de 47% do patrimônio total do fundo, de R$ 107,8 bilhões, segundo divulgado em junho de 2024. Se o Master quebra, quase metade do FGC vai para seus investidores.
“Sem dúvida, uma liquidação do Master causaria uma enorme descapitalização do FGC, de alguma maneira tornaria o sistema como um todo bem mais fraco”, diz Schiozer. “Seria um baque bem grande, mesmo que depois o fundo recuperasse parte do patrimônio perdido com a liquidação dos ativos do banco”.
Agora, com a evidência dos riscos representados pela atuação do Master, grandes bancos fazem pressão para rever as regras do Fundo Garatidor, de modo a evitar que instituições médias se amparem nesse seguro para manter políticas agressivas de captação de recursos.
Master investiu pesado em precatórios
Também despertou questionamentos a grande concentração de ativos do Banco Master em precatórios — dívidas que a União, Estados ou municípios precisam pagar após perderem processos judiciais encerrados. Esses títulos podem ser negociados no mercado, geralmente com desconto, permitindo que investidores ou instituições financeiras os comprem para lucrar quando o governo quita a dívida.
Funciona assim: o banco compra precatórios de credores (pessoas físicas ou jurídicas) com um desconto significativo sobre o valor de face. Como os precatórios podem demorar anos para serem pagos, muitas pessoas preferem vender por um valor menor e receber logo o dinheiro. Quando o governo finalmente paga o precatório, o banco que o comprou recebe o valor total atualizado, incluindo eventuais juros e correções monetárias.
O Banco Master comprou precatórios a preços reduzidos, apostando no recebimento do valor integral quando o governo realizar o pagamento. De acordo com dados divulgados em 2024, o banco detinha aproximadamente R$ 6,93 bilhões em precatórios federais, R$ 94,5 milhões em precatórios estaduais e R$ 58 milhões em precatórios municipais.
Agentes do mercado consideram esse montante elevado para a carteira de uma instituição bancária jovem e de médio porte. Como os precatórios podem levar anos para serem pagos e dependem de disponibilidade orçamentária dos governos, há um alto risco de atraso ou até mesmo de inadimplência parcial. Chegou a circular no meio financeiro a informação de que o BTG Pactual teria demonstrado interesse na carteira de precatórios do Master, mas, na última quarta-feira (2), a instituição emitiu um comunicado oficial negando ter feito qualquer proposta para negociação de ativos ou participação no capital social do Banco Master.
Master lucrou R$ 1 bi, mas tem de vender ativos para pagar CDBs
Na véspera do comunicado do BTG, o Banco Master divulgou seu balanço 2024, no qual apresentou os seguintes resultados:
🔹 Lucro líquido: R$ 1,068 bilhão (+100% / 2023)
🔹 Patrimônio líquido: R$ 4,74 bilhões (+104% / 2023)
🔹 Total de ativos: R$ 63 bilhões (+75% / 2023)
🔹 Carteira de crédito: R$ 40,31 bilhões (+64,5% / 2023)
“O avanço registrado em 2024 reflete nosso compromisso com a excelência e a sustentabilidade do negócio. Seguimos investindo em tecnologia, governança e capital humano para garantir uma operação cada vez mais eficiente e alinhada às demandas do mercado”, declarou em nota o controlador do Banco Master, Daniel Vorcaro.
Mas, segundo analistas que esquadrinharam o balanço, para honrar seus compromissos até o fim deste ano, entre eles R$ 5,35 bilhões em CDBs, o Banco Master teria que vender grande parte dos seus ativos. “O Master encontra-se bastante vulnerável, qualquer ‘soluço’ pode, sim, levar o banco a ter problemas de solvência”, alerta o professor da FGV Eaesp.
Para embasar sua análise, ele cita o Índice de Basileia, indicador financeiro que mede a solvência de um banco, isto é, a sua capacidade de absorver perdas e continuar operando sem comprometer os depósitos dos clientes. No Brasil, o BC exige um índice mínimo de 10,5% — o do Master é de 11,5%. “Outros bancos, como Bradesco e Itaú, têm o índice acima de 15%”, diz Schiozer.
Se o Índice de Basileia de uma instituição financeira ficar abaixo de 10,5%, o BC pode exigir medidas para reforçar o capital, como aporte dos acionistas, venda de ativos e restrição ao crédito. Caso a situação não seja regularizada, o BC pode intervir com um Regime de Administração Especial Temporária (Raet) e, em último caso, determinar a liquidação extrajudicial se o banco se tornar insolvente.
Para o especialista da FGV Eaesp, é improvável o cenário de quebra do Banco Master. Segundo ele, algo será feito antes de chegar a esse ponto. “Se a transação com o BRB não sair, uma redução de risco ou uma capitalização de recursos ou até mesmo uma outra parceria deve acontecer”, afirma o professor. “Eu acredito que com o banco ainda solvente, como é o caso do Master, é mais fácil encontrar uma solução”.
História do Banco Master
O Banco Master nasceu em 1974 como Máxima Corretora de Títulos e Valores Mobiliários. No início da década de 1990, a corretora obteve aprovação para atuar como instituição financeira, dando origem ao Banco Máxima. Em 2018, o empresário Daniel Vorcaro assumiu o controle acionário do Banco Máxima. Sob sua liderança, a instituição passou por reestruturação que incluiu a capitalização de R$ 400 milhões e a diversificação de sua carteira de produtos.
Em 2020, quando ainda se chamava Banco Máxima, a instituição adquiriu o banco de investimento Vipal, expandindo sua atuação em operações estruturadas e diversificando sua carteira de ativos. Em 2021, adotou o nome Banco Master e, três anos depois, anunciou a compra do banco Voiter (antigo Indusval) e do Will Bank.
Fonte: Gazeta do Povo