Como funcionava a fraude contra aposentados e pensionistas do INSS

Aposentados e pensionistas do INSS sofreram descontos indevidos em seus benefícios
Por Juliet Manfrin/Rose Amantéa/Wesley Oliveira
A fraude bilionária contra aposentados e pensionistas do INSS, apurada em investigação da Polícia Federal e da Controladoria-Geral da União, consistia no desconto, sem autorização, de parte do benefício pago a aposentados do INSS. Em vários casos noticiados pela Gazeta do Povo e por outros veículos ainda em 2024, os valores eram próximos de R$ 70 por mês, mas muitos segurados sofreram descontos maiores.
O dinheiro era repassado a associações que supostamente prestavam serviços aos aposentados — assistência jurídica, financeira e de saúde, entre outros. Nos casos investigados, os aposentados pelo INSS não eram de fato filiados a tais associações, nem haviam autorizado qualquer desconto. As entidades conveniadas ao INSS, porém, afirmavam ao instituto que tais segurados eram seus associados. E, com isso, conseguiam que o órgão fizesse o desconto em folha e repassasse o valor a elas.
A maioria dos beneficiários percebia a irregularidade ao notar que seu pagamento mensal do INSS estava vindo menor do que deveria. Ao checar o holerite, o aposentado ou pensionista notava descontos em favor de associações que desconhecia. No ano passado, o instituto já acumulava 130 mil denúncias sobre descontos não autorizados de segurados da Previdência. O número equivale a 2% do total de 6,5 milhões de associados a entidades vinculadas ao INSS.
Descontos indevidos eram repassados a empresas conveniadas ao INSS
As fraudes tiveram origem em Acordos de Cooperação Técnica (ACTs) firmados pelo INSS com entidades para a prestação de serviços aos aposentados. Tais associações têm acesso a informações de contato dos segurados. As entidades oferecem assistência jurídica, financeira e de saúde, além de benefícios como descontos em redes de farmácias, cobertura para exames médicos, serviços residenciais e auxílio-funeral.
A mensalidade, no entanto, só poderia ser descontada diretamente da folha de salário se a filiação for aceita pelo beneficiário. Ou seja, se ele de fato for associado à entidade. Nem sempre é o que acontece. Frequentemente, adesões são feitas sem autorização ou mesmo conhecimento do segurado do INSS.
Muitos aposentados alegam não ter aceitado a cobrança e estar sendo descontados. Outros dizem que contrataram algum serviço e, em meio aos documentos assinados, acabaram autorizando o desconto sem perceber.
Segundo o ministro da Controladoria-Geral da União (CGU), Vinicius Marques Carvalho, as entidades investigadas não tinham estrutura para prestar os serviços declarados, e 72% nem sequer entregaram ao INSS documentação necessária para renovação de seus convênios em 2023, primeiro ano do governo Lula.
Essa documentação é fundamental para que mantivessem seu funcionamento, mas mesmo assim continuaram operando e recebendo o dinheiro descontado dos aposentados. Mesmo que estivessem regularizadas, o desconto em folha só poderia ter ocorrido com a concordância do beneficiário, o que não ocorreu na maioria dos casos.
Onze entidades foram alvo de medidas judiciais [nesta operação]. Somente uma delas assinou acordo em 2023 com o INSS, as demais tinham convênio antes de 2023”, disse Carvalho.
Participando da mesma entrevista coletiva, o ministro da Justiça, Lewandowski não quis detalhar a quais crimes os servidores do INSS afastados e alvos da operação devem responder. Ele justificou com o segredo de justiça sobre a investigação e disse que esse será um passo a ser dado a partir de agora para identificar o “modus operandi” de cada operador na organização.

Segundo Carvalho, os convênios com todas as associações e sindicatos com recebimento desses valores, independente de suspeita ou não de irregularidades, serão encerrados por uma decisão administrativa da CGU, “para um freio de arrumação e reorganizar o sistema”.
Na tentativa de evitar novas fraudes, o INSS ainda vai implantar um sistema de biometria com assinatura eletrônica para confirmar adesão a esses convênios, mas não foi confirmado quando o sistema estará operando. Segundo o diretor da PF, Andrei Rodrigues, a operação não é o desfecho, mas um “passo importante e inicial” em uma investigação que está apenas no começo. “Estamos atuando em três eixos: das entidades e dos operadores; dos diretores e operadores financeiros; e dos servidores alcançados pela investigação”, disse.
Em 2024, auditoria do INSS apontou irregularidades em 55% dos casos
No ano passado, o ministro da Previdência Social, Carlos Lupi, havia prometido que o INSS iria “agir duro contra fraudes e irregularidades”. Uma portaria, publicada em 15 de março, criou novas regras para filiação às entidades para dificultar as transferências indevidas. Mas ficou longe de ter resultado efetivo e as denúncias continuaram.
A repercussão na mídia no ano passado levou Stefanutto a solicitar a auditoria em maio. A investigação confirmou as cobranças indevidas. Com base em uma amostra, a auditoria estimou que pouco mais da metade das filiações a essas associações foi feita de modo irregular. De 603 filiações, 332 não tinham documentos necessários para autorizar os descontos em folha de pagamento dos aposentados.
Foram constatadas imprecisões em assinaturas dos aposentados para suas filiações ou mesmo a ausência delas, além do uso de “laranjas” (pessoas ou entidades de fachada) de empresários para a celebração dos contratos. O documento completo, enviado como base para investigações da PF e da CGU, indicou que o total das entidades com acordos de cooperação técnica faturou cerca de R$ 2 bilhões com contribuições descontadas diretamente da folha de pagamento. As associações acusadas nos processos judiciais de descontos indevidos, diz o relatório final, aumentaram de R$ 85 milhões para R$ 250 milhões seus rendimentos mensais em apenas um ano.
Na conclusão de sua auditoria, o INSS admitiu que o total de descontos poderia ser ainda maior que o calculado. “Considerando os descontos identificados, a regularidade da consignação não foi comprovada quanto à apresentação dos documentos para 55% da amostra”, afirmou o documento da auditoria. Ficava assim, explícito que a diretoria de benefícios do INSS foi negligente na obrigação de fiscalizar entidades conveniadas, aceitando novos ACTs com associações acusadas de fraude. Mesmo assim, as entidades identificadas não foram descredenciadas e seguiram autorizadas a descontar as mensalidades dos beneficiários.
Fonte: Gazeta do Povo