Governo deixa quase três milhões de pessoas fora do Bolsa Família e pressiona municípios

Atualmente, 2,8 milhões de pessoas estão na fila de espera para receber os benefícios do Bolsa Família
Por Roberta Ribeiro
Uma das principais políticas sociais do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o Bolsa Família não tem atendido à demanda nacional por seus benefícios. Em fevereiro deste ano, 2,8 milhões de pessoas — ou 1,9 milhão de famílias — cumpriam os requisitos, mas estavam na lista de espera para serem atendidas.
Além disso, o governo tem feito cortes no programa que acabam por pressionar a gestão municipal. São exemplos disso a redução no orçamento do programa para 2025, de R$ 9,5 bilhões, e no valor dos repasses federais para triagem e cadastramento de famílias.
Os dados são de um levantamento feito pela Confederação Nacional dos Municípios (CNM), ao qual a Gazeta do Povo teve acesso com exclusividade. Segundo o estudo, em 2024 o Ministério do Desenvolvimento Social (MDS) reduziu o valor do Índice de Gestão Descentralizada do Programa Bolsa Família e Cadastro Único (IGD-PBF), de R$ 4 para R$ 3,25 por cadastro.
O recurso, de acordo com a CNM, é um apoio financeiro da União para que os municípios desenvolvam as ações de gestão do programa e do Cadastro Único, como busca ativa, atualização e averiguação cadastral. Segundo a entidade, ao reduzir esse repasse, “a União desconsidera suas responsabilidades e as transfere para os municípios, desprezando os elementos relacionados à demanda, como a capacidade de atendimento e a inflação”.
A CNM afirma que, se fosse considerado o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA — que mede a inflação) para reajustar o cofinanciamento federal para o IGD-PBF, o valor repassado aos municípios deveria ser de ao menos R$ 8,76 por beneficiário.
O levantamento realizado pela entidade ainda mostra que, atualmente, 53,8 milhões de pessoas recebem os benefícios do Bolsa Família, o equivalente a 20,5 milhões de famílias. O número é superior aos 51,8 milhões de beneficiários em dezembro de 2022, no fim do governo Bolsonaro, mas inferior aos 55,2 milhões de pessoas atendidos em dezembro de 2023.
O biênio 2022-2023 foi o período recente em que o programa apresentou maior crescimento, saltando de 14,5 milhões de famílias em janeiro de 2022 para 21,3 milhões em dezembro de 2023. Segundo o levantamento da CNM, o aumento naqueles anos deveu-se a dois fatores principais: o crescimento da população em situação de vulnerabilidade social e o incremento de 73% nas famílias unipessoais (de um único integrante) inscritas no CadÚnico.
Limite à participação de famílias unipessoais no Bolsa Família
O ano de 2023 também foi o ápice recente da demanda reprimida — o termo designa as pessoas/famílias elegíveis para receber o benefício, mas que não são atendidas pelo programa. Naquele ano, 3,4 milhões de pessoas estavam na lista de espera.
Devido à alta no cadastro de famílias unipessoais participando do programa, o Ministério do Desenvolvimento Social editou, ainda em 2023, uma norma para conter essa expansão, limitando a 16% o número de lares dessa natureza beneficiados. Também foram implementadas medidas administrativas para atualização cadastral. Como resultado, quase um milhão de famílias deixaram de receber o benefício. Essa redução permitiu que famílias na lista de espera ingressassem no programa, fazendo com que a demanda reprimida chegasse ao patamar atual de 2,8 milhões de pessoas (1,9 milhão de famílias).
Estados do Sudeste e Bahia lideram a fila de espera
São Paulo e Rio de Janeiro são os dois estados com maior demanda reprimida, com 551,5 mil e 549,2 mil pessoas, respectivamente. Em seguida, vem a Bahia, com 197,6 mil pessoas na fila de espera. Na análise por região, o Sudeste lidera o ranking de demanda reprimida, com 45% das pessoas na fila, seguido pelo Nordeste (25%), Norte (11%), Sul (10%) e Centro-Oeste (9%).
Segundo estimativas da CNM, considerando o repasse médio do PBF, de R$ 668,65 por família/mês, seriam necessários R$ 15,5 bilhões por ano para atender à demanda reprimida atual, de 1,9 milhão de famílias. O valor corresponde a um aumento de 9,1% no orçamento aprovado em 2024. No entanto, neste ano, ao invés de acréscimo, como nos anos anteriores, houve corte de R$ 9,5 bilhões no montante destinado ao Bolsa Família pelo governo federal.
Redução de repasses do governo para o programa em 2025
O corte ocorreu após ampla expansão orçamentária do programa. De acordo com a CNM, em 2023, devido à PEC fura-teto (ou da transição), os repasses foram acrescidos em 46% na comparação com 2022, chegando a R$ 166,7 bilhões.
Em 2024, o aumento no orçamento do programa foi bem menor, de 1%, para R$ 169 bilhões. Para 2025, a peça orçamentária previu um corte de 6%, ou R$ 9,5 bilhões. Até o momento, dos R$ 159,5 bilhões previstos para o custeio do Bolsa Família neste ano, 25% já foram pagos — o equivalente a R$ 41,3 bilhões.
Governo revê norma para desligamento do Bolsa Família
Nesta quinta-feira (15), o governo federal atualizou a regra de proteção do programa. A norma rege o desligamento das famílias que ultrapassaram o patamar máximo de renda permitido para o recebimento dos benefícios.
Atualmente, o limite de renda para entrada no Bolsa Família é de R$ 218 por pessoa da família. Enquanto estão no programa, as famílias que ultrapassarem esse valor, mas não excederem meio salário mínimo por pessoa (R$ 706), entram na regra de proteção.
Antes da portaria editada nesta semana, a regra de proteção permitia que elas continuassem no programa por mais 24 meses, recebendo 50% do benefício a que tinham direito. Com a atualização, o tempo de permanência foi reduzido pela metade, para 12 meses.
A nova norma afeta as famílias que entrarem na regra de proteção a partir de junho. As que já estavam nessa condição seguem com o período anterior para o desligamento (24 meses). Caso a renda volte a cair, mesmo que a família já tenha sido desligada do Bolsa Família, é possível que ela volte a receber o benefício, pelo mecanismo de retorno garantido, vigente por 36 meses.
De forma sutil, esses cortes e restrições podem indicar possíveis limites fiscais para o programa. Com a aproximação das eleições em 2026, a necessidade de cumprir as metas e, sendo o Bolsa Família uma das bandeiras do governo, é improvável que ele queira arcar sozinho com essa conta, compartilhando-a com os municípios.
Fonte: Gazeta do Povo