Zé Alfaiate, o ex-escravo dono de escravos

Um dos maiores traficantes de escravos no Brasil era um homem negro
Por @prof.alencar27
O ano era 1846, e José Francisco dos Santos, o Zé Alfaiate, já era um homem rico. Seu apelido deve-se ao fato de que, ainda na adolescência, aprendeu a trabalhar com couro, costurando belas peças e encantando seus clientes. Deixou seu ofício para comercializar africanos quando se casou a com filha de Francisco Félix de Souza, à época o maior comerciante de escravos da África.
Quando morreu, aos 94 anos, Zé Alfaiate era considerado um dos homens mais ricos do mundo. Deixou uma fortuna avaliada, na época, em mais de US$ 120 milhões de dólares. Havia expandido seus negócios para a exportação de ouro, azeite de dendê e óleo de palma, sendo pioneiro nesse comércio. Deixou 53 viúvas, 80 filhos e 12 mil escravos. Zé Alfaiate possuía um harém digno de qualquer sultão.
A história de Zé Alfaiate foi retratada no livro “O vice-rei de Udá”, de Bruce Chatwin, e em um longa-metragem alemão de 1987, dirigido por Werner Herzog, intitulado “Cobra verde”. Mas, a maioria das pessoas questiona: “por que nunca ouvi falar deste sujeito?”. A resposta é muito simples: a quase totalidade dos historiadores tenta desesperadamente apagar a existência de Zé Alfaiate da História porque ele foi um escravo. Isso mesmo: Zé Alfaiate foi escravo e devido à sua destreza na confecção de peças de couro ganhou a simpatia de brancos ricos, que compraram sua carta de alforria, ou seja, sua liberdade, e tornaram-se seus clientes. Na Europa e nos EUA, o respeito das elites financeiras por Zé Alfaiate era total. Dizia-se que, nos negócios com ele, bastava apenas e simplesmente a palavra.
Zé Alfaiate não foi o único escravo liberto que se tornou rico e passou a escravizar seus semelhantes. Fazia negócios em cidades como Rio de Janeiro, Salvador, Marselha (França), Havana (Cuba) e Bristol (Inglaterra). Porém, a partir de 1845, os traficantes de escravos passaram a enfrentar um inimigo poderoso, a Marinha Britânica, os ingleses sabiam que milhares de escravos partiam todos anos do Porto de Ajuda, e estavam prontos para perseguir e apreender os navios negreiros assim que partissem da África.
A perseguição dos ingleses atrapalhou os negócios de Zé Alfaiate, que escreveu em carta para seu sogro: “não vale a pena se arriscar em negócios aqui por causa dos ingleses. Ontem perdi um carga de 400 escravos”. Em 1849, o capitão inglês Frederick Forbes visitou a propriedade de Zé Alfaiate. “Apesar de ser um traficante de escravos, também é um comprador de óleo de palma em grande medida”, escreveu o capitão em suas memórias. “Chegou aqui sem um centavo e agora já tem um estabelecimento imenso, apesar de, acredito eu, pouco capital; de fato, dizem que tem dívidas, por causa da incerteza do negócio”.
Além da plantação de dendezeiros, Forbes conheceu na casa de Zé Alfaiate, um pátio cheio de comerciantes, “alguns com apenas um galão, outros com escravos carregados de grandes cabaças de óleo; enquanto dezenas de seus próprios escravos estavam contando cauris para pagar os produtores”. Zé Alfaiate manteve relação com o Brasil até o fim da vida. Procurava ficar a par do que acontecia na política brasileira, como numa mensagem de fevereiro de 1869, em que pergunta a um parceiro comercial sobre o desenrolar da Guerra do Paraguai. “Gostaria de comemorar as ações de nossos bravos compatriotas que castigam a ousadia do tirano Solano López”.
Atualmente seus descendentes pertencem à influente comunidade dos “Agudás”, descendentes dos antigos escravos do Brasil que retornaram à África durante o século XIX.
Fonte: saberhistoria.oficial