Usina nuclear em Aracruz: valeria a pena?

Por Robson Valle

Um fato pouco conhecido da população capixaba aconteceu nos anos 70: a possibilidade de instalação de uma usina nuclear (de reprocessamento de urânio) no Espírito Santo, mais precisamente na Vila de Baiacu, balneário de Santa Cruz, município de Aracruz.
Este fato, após noticiado pela mídia local, gerou imediata e enorme repercussão contrária da sociedade capixaba, tendo sido oficialmente abortado em 1981 (ainda haveria uma nova especulação sobre esse assunto em 2010, imediatamente abandonada). Recomendo ao leitor interessado o sítio https://www.agazeta.com.br/capixapedia/voce-ja-imaginou-uma-usina-nuclear-no-espirito-santo-quase-aconteceu-0415.
Este tema desperta paixões, entretanto alguns aspectos técnicos devem ser conhecidos para um debate minimamente qualificado. Além disso, o recente conflito entre Israel e Irã tornou novamente este assunto em evidência. A seguir um breve resumo sobre esta forma de energia cujo ponto central é o enriquecimento do Urânio (U235) ou Plutônio (Pu239), de sua forma natural (que possui em torno de 0,7% de Urânio) para a físsil. Um infográfico elaborado pela professora do IFSC, Daiane Souza, doutora em tecnologia nuclear, ilustra o mecanismo básico.

A partir do percentual de enriquecimento de Urânio neste processamento, pode-se traçar duas rotas: uma que produz eletricidade (de forma “limpa”) outra, de uso militar, quando o teor de enriquecimento supera 90%. Na matriz energética brasileira, esta fonte representa cerca de 3% da eletricidade aqui produzida, em seus dois reatores em funcionamento. Este percentual é baixo no Brasil porque, em tese, essa forma de energia é apropriada para países que carecem de recursos hídricos (abundantes no Brasil), petróleo, gás natural e carvão.
Argumentos favoráveis para a produção de energia núcleo-elétrica são:
🔹 Previsão de esgotamento das fontes de combustíveis fósseis;
🔹 Fontes de energias renováveis como eólica e solar, têm característica de intermitência, o que as tornam elegíveis somente como fonte suplementar ou complementar;
🔹 Em comparação com fontes à base de combustíveis fósseis, emitem menor taxa de gás carbônico;
🔹 Aperfeiçoamento da tecnologia, com instalações cada vez mais eficientes e seguras.
Ainda assim alguns pontos devem ser considerados:
🔹 Custos de produção de energia ainda são mais elevadas do que a produzida em termoelétricas à base de óleo ou gás natural;
🔹 Necessidade da garantia de segurança para a população local, devido a memória recente do acidente de Chernobyl, quando a Ucrânia ainda fazia parte da URSS;
🔹 Desvios de propósitos, em virtude da facilidade de transição para uso militar;
🔹 Rejeitos radioativos, talvez o aspecto mais crucial da análise, em virtude da extrema dificuldade em armazenar com segurança estes resíduos. As soluções conhecidas (cavernas, aterros especiais, depósitos oceânicos) possuem altíssimo impacto ambiental. (Fonte: Grippi, 2009).
O Brasil se destaca nesta seara por ser um dos sete países com as maiores reservas de Urânio conhecidas atualmente, entretanto a conversão destas reservas em energia útil se daria a um custo muito elevado. Considerando a intensa necessidade de água disponível para resfriamento de seus sistemas de geração, temos restrições suficientes para não adotarmos esta tecnologia.

Este projeto foi previsto para o ES em função de duas características de nosso estado: a baixa densidade populacional e a impossibilidade de geração de energia em grande escala através de hidroelétricas. Atualmente, diversos investimentos aqui realizados permitiram equilíbrio com nossa demanda energética (p.ex., o “Linhão Ouro Preto-Vitória”).
A região de Santa Cruz foi selecionada em virtude de sua característica geográfica, pois é necessário a proximidade de grande disponibilidade de água para resfriamento do circuito de geração de vapor, conforme ilustração abaixo. Por este motivo, as três usinas nucleares do Brasil (uma em construção) são localizadas no município de Angra dos Reis, no RJ.

Um evento extraordinário ocorrido em 2015 teria paralisado o funcionamento desta usina em Aracruz, caso tal projeto tivesse seguido adiante. Trata-se do rompimento da barragem de Mariana, em MG, que contaminou as águas marinhas também na região de Aracruz. Em função da imprevisibilidade da composição físico-química desta água em poder provocar algum processo corrosivo ou incrustação nas tubulações do sistema, muito provavelmente tal usina seria paralisada preventivamente. Como este sistema possui funcionamento complexo, tal operação seria extremamente delicada e perigosa, em todos os sentidos.
A energia nuclear é limpa, razoavelmente segura e opção natural para os países da Europa, p.ex., que não possuem a diversidade de opções como a existente na matriz energética nacional. No ES da atualidade existem boas opções, como as pequenas centrais hidrelétricas (PCHs), energia de biomassa e complementares, como solar e eólica, além de termoelétricas que são acionadas para segurança do sistema. Desta forma, é possível afirmar que na paisagem de nosso litoral estaremos livres das icônicas torres de resfriamento destas usinas.
Robson Valle
Engenheiro químico, vice-presidente da Associação Profissional dos Químicos do ES (Aproquimes)
Página pessoal: https://rvalle.com.br/eqes/