Concessionárias viram verdadeiros cemitérios de carros

Lojas fecham às pressas e revendedores pedem socorro diante de guerra de preços na China
Por Alisson Ficher
O setor automotivo chinês enfrenta um cenário alarmante, marcado pelo acúmulo de veículos nas concessionárias, fechamento abrupto de lojas e apelos urgentes de revendedores por mudanças no modelo de negócios.
Uma intensa guerra de preços, que se intensificou nos últimos anos, levou a uma oferta desenfreada de carros elétricos no país, causando sérios impactos em toda a cadeia automotiva. O fenômeno transformou diversas concessionárias em verdadeiros depósitos de veículos, enquanto a pressão por metas de vendas empurra lojistas à beira do colapso financeiro.
Guerra de preços na China e excesso de oferta
A disputa por fatias cada vez maiores do mercado chinês de veículos elétricos levou as montadoras a ampliarem, de forma acelerada, suas linhas de produção.
O resultado foi um excesso de automóveis, principalmente modelos elétricos, que lotam os pátios das concessionárias. Diante da impossibilidade de absorver toda essa oferta, muitas lojas passaram a funcionar como verdadeiros armazéns.
O fenômeno é potencializado por práticas como o chamado “registro próprio”, em que concessionárias e montadoras registram veículos como vendidos apenas para cumprir metas de fim de trimestre ou ano, embora esses carros não tenham sido adquiridos por consumidores finais.
Em consequência, esses modelos acabam alimentando o estoque de seminovos nas chamadas concessionárias de “km 0”, sem encontrar demanda suficiente no mercado.
Fechamento de lojas e impacto financeiro
Relatórios de julho de 2025 apontam que, somente na província de Shandong, ao menos 20 lojas da BYD — uma das maiores fabricantes de veículos elétricos da China — foram fechadas ou se encontram praticamente desertas. A situação já se espalha para outras regiões, mostrando o tamanho do desequilíbrio enfrentado por diferentes marcas e revendedores.
Conforme informações divulgadas pela imprensa local, o excesso de carros armazenados pressiona o fluxo de caixa das lojas, prejudica a liquidez das empresas e reduz drasticamente a rentabilidade dos negócios, levando a demissões e fechamento de estabelecimentos.

Pressão sobre concessionárias e consequências para o setor
As consequências da guerra de preços na China atingem tanto grandes grupos automotivos quanto pequenas concessionárias independentes. Muitas empresas do setor relatam dificuldades para suportar o volume de veículos repassados pelas montadoras, que continuam priorizando a produção em escala, mesmo diante do enfraquecimento da demanda.
De acordo com a Câmara de Comércio da China de Concessionárias de Automóveis, o ambiente de negócios tornou-se ainda mais severo em 2025. A entidade enfatiza que as fabricantes precisam rever suas metas anuais de produção e vendas, ajustando-as à realidade do mercado e evitando a transferência indiscriminada de estoques para os pontos de venda. O alerta do setor também inclui críticas à prática de forçar concessionárias a permanecerem com grandes estoques, situação que compromete a sustentabilidade financeira das lojas e limita a capacidade de negociação.
Segundo representantes da categoria, não se pode exigir que os revendedores mantenham estoques elevados ou fechem suas portas sob o pretexto de reestruturação dos canais de distribuição. A pressão por parte das montadoras, com exigências de desempenho acima da capacidade real de absorção do mercado, contribui para o cenário de instabilidade.
Alerta das entidades e riscos das guerras de preços
Entidades oficiais, como a Associação Chinesa de Fabricantes de Automóveis e o Ministério da Indústria e Tecnologia da Informação, também se manifestaram sobre o tema, alertando para os riscos das chamadas “guerras de preços desordenadas”.
Em notas públicas, as instituições ressaltam que a intensificação da competição levou à redução das margens de lucro em todo o setor automotivo chinês, sinalizando que a busca por participação de mercado, sem o devido equilíbrio entre oferta e demanda, pode causar efeitos duradouros e prejudiciais para todos os elos da cadeia.
Sustentabilidade e desafios do mercado de veículos elétricos
Além do impacto imediato no fechamento de lojas e no aumento dos estoques de carros, a situação atual desperta preocupação quanto à sustentabilidade do crescimento acelerado do mercado de veículos elétricos no país. O volume de vendas, embora ainda expressivo, já apresenta sinais de desaceleração em algumas regiões. Para especialistas do setor automotivo, o desequilíbrio causado pelo excesso de oferta pode prejudicar a imagem das marcas e desestimular novos investimentos.
Repercussão global e necessidade de ajustes
O contexto da guerra de preços entre as montadoras não se restringe à competição doméstica. O mercado chinês, reconhecido como o maior do mundo para veículos elétricos, enfrenta também pressões de exportação e busca ampliar sua presença internacional, o que agrava ainda mais a necessidade de repensar estratégias de produção e comercialização. A dificuldade em escoar o estoque interno pode gerar impactos globais, afetando parceiros comerciais e a dinâmica de preços em outros mercados, como a Europa e a América Latina.
Futuro das concessionárias e adaptação das estratégias
A transformação das concessionárias em verdadeiros “cemitérios de carros” evidencia a urgência de rever políticas de metas e incentivos, que até então impulsionaram a expansão rápida do setor. Representantes das concessionárias reforçam a necessidade de maior diálogo entre fabricantes e revendedores, de modo a adequar a oferta à real demanda do consumidor chinês.
O objetivo é evitar que práticas como o “registro próprio” e o envio massivo de veículos às lojas continuem distorcendo os resultados e provocando rupturas na cadeia automotiva. O futuro do setor dependerá, cada vez mais, da adoção de modelos de gestão mais equilibrados, capazes de alinhar produção, vendas e interesse dos consumidores. Para especialistas, o ajuste dessas práticas pode definir o ritmo da recuperação do mercado automotivo chinês nos próximos anos.
Fonte: Click Petróleo e Gás