Voto de Fux pode abrir margem para recursos e até anulação do julgamento de Bolsonaro no STF

Luiz Fux divergiu de Alexandre de Moraes no recebimento da denúncia contra Jair Bolsonaro
Por Renan Ramalho
O voto do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luiz Fux é um dos mais aguardados nesta semana no julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) que apura a suposta tentativa de golpe de Estado. O motivo é que o ministro tem se mostrado um dos únicos a apresentar divergências no processo. Caso ele abra divergência em algum ponto, as defesas dos réus podem pedir para levar a matéria para plenário, para mais ministros votarem, ou entrar com recursos mais fundamentados. Um eventual voto divergente de Fux pode até mesmo ajudar a sustentar um pedido de anulação do julgamento em cenário político mais favorável no futuro.
Além das medidas jurídicas que podem ser adotadas no processo, a possível divergência também tende a ser utilizada politicamente, para embasar argumentos de perseguição e falhas do julgamento. Com a ação penal se encaminhando para os últimos passos, a atenção se volta para as ponderações que serão feitas pelo ministro. Ainda que não seja relator do caso nem ocupe a posição de decano, Fux se encontra no centro das expectativas quanto ao andamento da análise.
Fux foi o único a divergir, por exemplo, ao considerar que não caberia ao STF analisar a denúncia, sustentando que ex-presidentes, como Bolsonaro, não mantêm foro privilegiado após deixarem o cargo. Assim, ele entendeu que o julgamento deveria ocorrer em instâncias inferiores — ou no plenário, onde todos os ministros podem votar, e não apenas os integrantes da Primeira Turma. Além disso, ainda que tenha participado da aceitação da denúncia, Fux fez críticas à delação premiada do ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, o tenente-coronel Mauro Cid, apontando omissões relevantes e sugerindo cautela ao STF na consideração dos depoimentos.
Mais recentemente, Fux foi contra a medidas como o uso de tornozeleira eletrônica e restrição do uso das redes sociais impostos a Bolsonaro. Para o ministro, faltariam provas concretas de risco de fuga e a proibição de utilizar redes sociais era excessiva e atentava à liberdade de expressão. Na prática, o voto do ministro Fux não tem o poder de mudar o resultado do julgamento, mas pode indicar pontos que podem ser explorados pelas defesas de Bolsonaro e dos demais réus. Assim, as defesas poderão buscar no voto do ministro espaços para reforçar a perspectiva de que há controvérsias jurídicas em torno das acusações.
Divergência de Fux pode gerar argumento para recursos e sustentação política
Dentre os cenários que podem se desenhar, se o ministro Luiz Fux optar por divergir do relator e dos demais ministros, por exemplo, a consequência imediata será a abertura de uma fissura no julgamento. Mas, na prática, uma divergência isolada dificilmente muda o resultado final, já que a definição se dá por maioria.
O professor de Direito Penal do Ibmec-DF, Tedney Moreira, explica que votos divergentes são manifestações legítimas de ministros que discordam, em parte ou no todo, da decisão majoritária, mas que só ganham força em determinadas situações. “Apenas se houvesse a apresentação de dois votos divergentes o caso seria levado ao plenário, isto é, o caso passaria a ser julgado por 11 ministros. No entanto, essa hipótese parece vaga, a partir da análise do posicionamento dos demais ministros”, avalia Moreira.
Segundo o professor, uma divergência isolada não significa necessariamente absolvição, podendo se restringir a aspectos técnicos, como a definição do tamanho da pena ou a análise de detalhes que poderiam ser usados para pleitear a anulação do processo.
O mais provável, na avaliação do advogado e livre-docente da USP Cristiano Carvalho, é que, se houver voto divergente, ele seja sobre o mérito do caso — por exemplo, apontando ausência de elementos materiais que configurem o crime. Nesse cenário, os advogados de defesa poderiam usar a manifestação como base para tentar levar a discussão ao plenário do STF.
A defesa pode tentar usar esse voto vencido como argumento em embargos ou outros recursos, mas a remessa ao plenário só ocorre quando há questão constitucional relevante, conflito entre turmas ou decisão expressa dos próprios ministros. Ou seja, o voto divergente fortalece a estratégia recursal, mas não abre, por si só, uma porta automática para o plenário”, explica Carvalho.
Do ponto de vista processual, uma divergência dá munição para a apresentação de recursos, especialmente embargos de declaração. Ainda que esses instrumentos dificilmente revertam a decisão do Supremo, eles podem servir para prolongar o processo, discutir detalhes técnicos ou questionar supostas omissões no acórdão, que é o documento final do processo.
No campo político, a divergência de um ministro com trajetória consolidada como a de Fux teria também um peso simbólico. O advogado criminalista Marcos Mejia também avalia que a posição do ministro Fux deve ser isolada. “Entendo que pode ser usado como matéria recursal, mas é uma posição isolada que vai exigir merecimento se ela for de uma excelência muito grande. Se for um voto sóbrio e justo, que destoe dos demais, será capaz de fazer com que a população brasileira entenda e os meios jurídicos compreendam a importância do voto”, pontuou Mejia.
Divergência de Fux pode abrir possibilidade de questionar a validade do julgamento
Um dos caminhos que a defesa ainda pode explorar no julgamento é a apresentação de pedidos de nulidade. Esse tipo de recurso busca anular, total ou parcialmente, um julgamento sob a alegação de irregularidades processuais, como cerceamento de defesa, falhas na coleta de provas ou vícios formais na condução do processo.
Nesse caso, uma divergência de Fux poderia reforçar os argumentos a serem adotados pela defesa. Ou seja, a existência de um voto divergente pode fornecer à defesa elementos para sustentar que houve dúvidas jurídicas relevantes, reforçando a argumentação de que o processo estaria marcado por controvérsias. Em termos práticos, a defesa afirma que o julgamento não respeitou regras processuais básicas ou direitos fundamentais, e por isso a decisão deveria ser revista ou até mesmo descartada.
Isso pode acontecer, por exemplo, em um momento futuro, quando condições políticas sejam mais favoráveis aos réus ou quando a composição do STF mudar. O advogado criminalista Matheus Herren Falivene aponta que um pedido de anulação pode ser feito a qualquer tempo, seja via habeas corpus, seja via revisão criminal. Isso possibilitaria, por exemplo, um cenário em que ministros do STF indicados em um eventual governo de direita tenham maior representação e a Corte decida admitir recursos pedindo a anulação do julgamento.
Mas no cenário atual uma divergência singular de um ministro não tem o poder de anular o julgamento. “Uma divergência de voto, como a do ministro Fux, não anula o julgamento: ela faz parte do funcionamento normal do colegiado. A anulação só seria possível em casos de vícios processuais graves, como falta de quórum ou descumprimento do devido processo legal, não pela mera existência de opiniões diferentes entre os ministros”, explica o advogado e livre-docente da USP, Cristiano Carvalho.
Assim, um voto divergente não é determinante para que pedidos de anulação sejam apresentados. “A divergência facilitaria [a apresentação de recursos]. Mesmo que não tenha divergência, podem recorrer”, afirma o advogado criminalista Matheus Herren Falivene.
Pedido de vista: suspensão e novo calendário no STF
Outra possibilidade, considerada menos provável, é que Fux peça vista do processo. Essa hipótese teria efeito imediato e concreto: a suspensão do julgamento. Na prática, um pedido de vista de Fux empurraria a conclusão do julgamento para o final do ano ou até para 2026, dependendo da agenda da Corte e da proximidade com o calendário eleitoral.
Esse adiamento abriria margem para a defesa de Bolsonaro explorar o tempo extra em outras frentes, inclusive em articulações políticas e estratégicas. Desde a alteração regimental feita pelo Supremo em 2022, os pedidos de vista têm prazo máximo de 90 dias. Ou seja, se o ministro optar por retirar o processo da pauta, ele terá três meses para devolver o caso ao plenário. Durante esse período, todos os prazos ficam congelados e a decisão final é adiada. A ideia dessa mudança foi justamente conter o uso de vistas como ferramenta de protelação, que já chegou a segurar casos por anos.
O professor Tedney Moreira explica que a solicitação de vista ocorre quando o julgador entende que precisa de mais tempo para examinar provas e teses da defesa. “Se solicitada a vista, isso atrasaria o julgamento”, acrescenta. Contudo, apesar da possibilidade de um eventual pedido de vistas, os demais ministros poderiam antecipar seus votos. Na avaliação de Moreira, esse pedido causaria um constrangimento de apresentação do resultado final, já que todos saberiam os posicionamentos dos demais.
Apesar da possibilidade não estar descartada, o ministro Fux já sustentou que não atrasaria o julgamento. Além disso, o ministro Alexandre de Moraes, sinalizou ao ministro Luiz Fux que não há razões para um pedido de vista. Ao ler o relatório do caso, Moraes disse que contou com a “honrosa presença” de Fux ao longo de todas as fases da investigação, já que o colega participou da oitiva das testemunhas e do interrogatório dos réus.
Se Fux acompanhar a maioria selará um julgamento célere
O cenário mais esperado, no entanto, é que Fux siga a maioria. Esse movimento, além de acelerar a conclusão do julgamento, reduz consideravelmente as chances de a defesa criar obstáculos processuais de maior impacto. Ao acompanhar a maioria, Fux contribuiria para que o processo avance de forma célere e previsível. Nesse caso, a expectativa é de que a decisão seja finalizada até sexta-feira (12) sem grandes alterações de ritmo.
Para o professor de Direito Penal do Ibmec-DF, Tedney Moreira, essa decisão daria previsibilidade ao processo. “Se o ministro Fux concordar, segue-se à leitura dos demais votos e encerra-se o julgamento. Em caso de condenação, não haverá — ou não deveria haver — uma prisão imediata, tendo em vista que é preciso, primeiro, a publicação do acórdão decisório, o que leva em média 60 dias para acontecer”, explica. A leitura dos votos começa na terça-feira (9) pelo voto de Moraes, que é o relator.
Moreira acrescenta que, mesmo nesse cenário, a defesa ainda teria espaço para apresentar embargos de declaração. O recurso, no entanto, é considerado limitado e voltado a esclarecer ambiguidades, omissões ou contradições da decisão. “Esse pedido é revisto pela própria Turma, não pelo Plenário. Talvez haja a apresentação dos embargos para fins de reavaliar a pena a ser fixada — seu montante, seu regime ou o local de cumprimento”, ressalta o professor do Ibmec-DF.
Do ponto de vista simbólico, a adesão plena à maioria reforçaria a imagem de unidade do Supremo. Em julgamentos de grande repercussão política, esse tipo de alinhamento costuma ser interpretado como uma tentativa da Corte de dar respostas firmes e coesas diante de pressões externas.
Fonte: Gazeta do Povo