Comportamento & Equilíbrio

Estragos Permanentes da Privação Materna Judicial pela acusação de alienação parental — Parte VIII

Estamos remarcando, há sete semanas, os estragos permanentes da Privação Materna Judicial, invocada pela acusação de alienação parental, para acobertar denúncia de abuso sexual intrafamiliar contra a Criança. O Rito Jurídico que executa o Sofisma, “se não provou abuso, então é alienação”, vem sendo, amplamente, praticado, cego, surdo e mudo para a Voz da Criança.
Sendo a Infância o período do investimento fundamental da aquisição de conhecimentos, começando pela comunicação oral, a fala, e escrita, os conhecimentos da língua familiar e de seu ambiente, os conhecimentos rudimentares da matemática, essenciais para a vida toda, e os conhecimentos dos códigos sociais, os legais, os Éticos, os Morais, também para a vida toda, não é difícil raciocinar que esta imposição, convívio exclusivo com seu abusador e Privação Materna Judiciais, causa uma enorme desorganização nos processos de aquisição. Não é à toa que os distúrbios de escolaridade são tão exuberantes em condições adversas de desenvolvimento.
A começar pela fala, o abuso sexual intrafamiliar, que é sempre continuado, associado à Privação Materna Judicial, por razões de fácil compreensão, é muito afetada em sua articulação e no significado das palavras. Os altos níveis de ansiedade podem atingir a respiração durante a fala e proporcionar uma tendência fragmentação das palavras, a gagueira de início ou meio de fala, como resultado desta vivência de medo e ansiedade crônicos. Não estou dizendo que toda gagueira tem o abuso sexual como etiologia. Como quase todas as alterações do desenvolvimento infantil, são vários os fatores etiológicos, claro. A semântica também atrapalha a aquisição dos significados das palavras. Se o que é errado passa a ser “certo”, “permitido o que é proibido”, com a prática dos abusos como alojar dois pesos e duas medidas numa fase do desenvolvimento cognitivo que ainda está procurando organizar a mente, e só consegue raciocinar por uma única lei: pode ou não pode, certo ou errado. Esta dificuldade é, também, levada para a aprendizagem da matemática que tem rigor de certo e errado. O esforço para pensar esta duplicidade de quando o errado fica certo, mas só com uma única pessoa, a situação do abuso incestuoso, muitas vezes, leva ao fracasso escolar pela ausência de recursos cognitivos que permitam esta relativização precoce, que contraria os ainda rudimentares Códigos de Ética e Moral.
Já falei dos diversos estragos causados pela Privação Materna Judicial, Condenação e Pena estipuladas pelo “incômodo” da denúncia de violência física e/ou sexual, assim também com algumas outras defesas de pais faltosos. O motivo, “o ex não se conformou com o término da relação”, hoje consagrado em explicações policiais para o crescente Feminicídio, coloca, sutilmente, o “pobre assassino’ como um sofredor/vítima da Mulher/Mãe. “Perdeu a cabeça”. Será que algum dia vai achá-la? Vale ressaltar que cerca de 30% destes Feminicídios ocorrem na presença das crianças, dentro de casa, assim como cerca de 75% das agressões físicas é praticada também na presença física visual ou audível das crianças. E, para operadores de justiça, a garantia do convívio com estes pais violentos está baseado no Direito deles, pais, porque o “pai bate na mãe, mas ainda não bate na criança”. Ainda?
Discordo desta noção de proteção por exposição, por experimento, até que aconteça. Porque, mesmo se não vier a acontecer a agressão física à criança, há que se considerar o estresse a que a criança é obrigada a passar pela exposição desprotegida ao agressor de sua mãe. Ou será que alguém pensa que a Criança separa muito bem os níveis e personagens do conflito dos adultos, e é insensível às dores e marcas no corpo de sua mãe?
A Criança que assiste ao vivo e a cores a violência física contra sua mãe, também está sentindo o espancamento, e a consequente impotência, em si mesma. O Processo de Identificação, fundamental na infância e que é formador de sua mente, a deixa diante de duas opções: ou se identifica com a mãe, ou se identifica com o pai. Se escolhe se identificar com a mãe, ela sofre, por identificação, as dores, as vergonhas, os medos, a opressão, que são sentidos pela mãe. Se ela se identifica com o pai, ela vai tender a dar uma “justificativa” para a agressão desferida, vai naturalizar a resposta violenta à frustração, vai tomar este comportamento como padrão, tendendo a repeti-lo.

Mãe e filhos no abrigo (Foto: Pritty Reis/ASN)

Vale ressaltar que esta opção de modelo para a identificação, tem motivos conscientes e motivos inconscientes, estes baseados no Princípio da Economia Psíquica, menor gasto para maior eficiência. Na vigência deste Princípio Econômico, há pouca ou nenhuma consideração à qualidade, ficando mais centrado no gasto da energia psíquica. Portanto, o que observamos é que estas identificações são dinâmicas, mudando muitas vezes, na maioria dos casos, ao longo do desenvolvimento. Se a Criança se sente mais fortalecida, ela pode trocar a figura identificatória, ou seja, se ela consegue suportar a empatia pelo sofrimento da mãe, ela pode voltar a ser sensível às suas dores, conseguindo assim, também, uma melhor coerência com suas próprias emoções e sentimentos. Mas, ao menor sinal de ameaça pelo agressor, ela pode voltar a se identificar com ele. O medo é um elemento muito bem manipulado por agressores. Afinal, é sua maior e mais incômoda sensação, e, por isso precisa imprimi-lo nos mais vulneráveis, para, negando este medo, se sentir poderoso.
Este Processo das Identificações permeia toda a Infância, e é constitutivo da personalidade em formação. Portanto, permitir que a Criança tenha como modelo um agressor físico ou sexual, é desampará-la, abandonando-a em sua vulnerabilidade.
A Cegueira Deliberada, título de um artigo meu, (encontrado no meu blog www.anamariaiencarelli.blogspot.com), está acompanhada da surdez intencional e do mutismo conivente, quando se trata dos Direitos das Crianças. É Direito da Natureza o direito à Mãe. A Privação Materna Judicial é uma anomalia opressora a Crianças. Mais agravada pela associação com o abuso sexual incestuoso e a violência doméstica.
Pretendia fechar, por enquanto este tema, mas não me foi possível. Os estragos são muito extensos. Teremos mais um artigo na próxima semana, onde vou tentar pensar sobre as perguntas que lancei na Parte VII deste título.

Ana Maria Iencarelli

Ana Maria Iencarelli

Psicanalista Clínica, especializada no atendimento a Crianças e Adolescentes. Presidente da ONG Vozes de Anjos.

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