Como cresce uma Criança? — Parte IV
A aprendizagem da língua falada, da leitura e da escrita seguirá rigores semelhantes aos critérios científicos
Prosseguindo no tema dos quatro principais vetores do desenvolvimento infantil, a aquisição da linguagem dependerá, diretamente, da maturação motora do aparelho fonador associada à boa audição, acrescida ao afeto acolhedor a cada progresso conseguido.
Aconchegar com afeto os sons ainda rudimentares que vêm do esforço de imitar os sons escutados, faz parte do Cuidado, conceito já considerado como dentro do ordenamento jurídico. O bebê necessita desse estímulo para continuar o esforço de coordenar a respiração e a articulação dos fonemas que vão tomando forma de comunicação a partir da interpretação feita pelo ambiente, principalmente pela mãe, que irá lhe atribuir um sentido. Tudo por aproximação sonora.
Nesse momento, o mais importante é o que se passa entre a dupla mãe-bebê. A tentativa de “falar” feita pelo bebê, será recebida com uma emoção de prazer alegre explícito no rosto da mãe, e que, ato contínuo, convocará o bebê à repetição daquele som que acabou de emitir. Conjugar dois fonemas simples pode formar um esboço de primeira palavra. A interpretação desses sons segue sempre o critério dos afetos primários, sendo, preferencialmente, ligados à mãe e ao pai, seguindo-se de outras pessoas da casa.
As primeiras palavras, ainda mal pronunciadas, têm forte conteúdo afetivo. O esforço é grande para dizer “aua” que sintetiza “estou com sede e quero água”, ou “quero beber água”. “Cabô”, “imbora”, “mais”, são algumas das expressões fonéticas que dizem todo um pensamento, na maioria das vezes, traduzindo um desejo e sempre com uma boa dose de dramaticidade. Por ensaio e erro e com muita repetição, a articulação vai evoluindo até que quase todos os fonemas da língua materna são pronunciados, razoavelmente. Alguns deles só são adquiridos em quatro ou cinco anos, mas isso não chega a comprometer a comunicação com as outras pessoas.
O vocabulário tem uma grande explosão entre dois e quatro anos, passando de 100/200 palavras para 800/1000 palavras, mesmo que ainda não haja uma compreensão exata do significado dessas palavras. É nesse período que adquirimos quase todo o vocabulário que iremos utilizar por toda a vida. A ambiência linguística, assim como a ambiência comunicativa, facilitará ou dificultará a riqueza da fluência verbal do adulto. Núcleos familiares onde a comunicação é bem valorizada, mesmo que não tenha uma excelência linguística, estimularão a comunicação. Neste mesmo sentido, a boa incidência de leitura entre as pessoas da família, também é fator facilitador para um bom raciocínio linguístico, para a emoção que se expressa na boa comunicação.
A língua falada vai se multiplicando e se sofisticando, os termos de ligação, artigos, preposições, conjunções, a conjugação dos verbos, tudo isso ganha uma precisão maior com a aquisição da noção do tempo, o ontem e o amanhã do desenvolvimento cognitivo, que acontece, concomitantemente. A riqueza da linguagem vem com os detalhes, com as nuances. Os detalhes contam histórias completas. Os eletrônicos não ajudaram no desenvolvimento da linguagem, ou talvez, tenham ajudado um pouco com os mais velhos que descobriram como usufruir da presteza do Tio Google, nem sempre confiável.
A aprendizagem da língua falada, da leitura e da escrita seguirá rigores semelhantes aos critérios científicos. É preciso repetir e afinar a pronúncia, reproduzir o “desenho” das letras que correspondem ao desenho de uma uva, buscando copiar o mais fiel possível. Letras e algarismos são “rabiscos” convencionados, mas que partiram de uma concepção aleatória. Coordenar esses signos com os objetos a que correspondem e os sons ao serem falados, é tarefa muito complexa. Por isso, seguindo a determinação do raciocínio que rege o pensamento na infância, o raciocínio concreto, é preciso que a alfabetização se dê sobre palavras concretas, passíveis da experiência vivida pela Criança. Ou seja, a Criança só conseguirá perfazer o processo de aquisição da língua se as palavras faladas e depois, escritas e lidas, fizerem parte de seu mundo real.
Para adquirir uma nova competência, a Criança precisa aprimorar um sistema de armazenamento e resgate, a memória. É da precisão do arquivamento que dependerá a disponibilidade e a presteza dos dados, quando isso se fizer necessário. Portanto, uma imagem mnêmica, qualquer que seja sua ordem, só será bem guardada e bem recuperada se corresponder ao acervo concreto da Criança. E, é por isso que as situações traumáticas vividas pela Criança, não são esquecidas. Podem ser recalcadas, sair das luzes, mas continuam fermentando como pequenos ou grandes vulcões afetivos.
Mas, como a precisão da palavra saiu de moda, a verdade foi relativizada e apareceu a invenção da “pós-verdade”, acrescida de uma diplomação da mentira, a internet foi matriculada muitas escolas, acentuando mais ainda a desigualdade de oportunidades. A entrada da internet na Escola se tornou um ponto de políticos e políticas, ou a ausência delas, formatando uma espécie de discriminação que passou a ser atribuída às escolas que não possuem computadores. Com a Pandemia da Covid-19, este ponto, a escola à distância com a exigência da conectividade da computação, expôs as vísceras apartadas de uma sociedade cenográfica. A escolaridade já era de faz de conta, foi sonegada por dois anos de numeroso grupo de Crianças da sociedade partida. Um prejuízo que ceifou anos, talvez décadas de toda uma geração.