Moraes distorce postagens de Flávio e Eduardo ao decretar prisão domiciliar de Bolsonaro

Moraes determinou a prisão domiciliar de Bolsonaro
Por Renan Ramalho/Juliet Manfrin/Vinícius Sales
Na decisão que decretou a prisão domiciliar do ex-presidente Jair Bolsonaro, o ministro Alexandre de Moraes ampliou, sem apresentar as provas, o significado de postagens do senador Flávio Bolsonaro (PL-PL) e do deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) nas manifestações deste domingo (3), em protesto contra a atuação do magistrado no Supremo Tribunal Federal (STF).
A prisão domiciliar do ex-presidente foi decretada na investigação aberta recentemente por Moraes contra o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), depois estendida ao ex-presidente, em razão da pressão feita junto aos Estados Unidos para sancionar Moraes — o presidente Donald Trump incluiu o ministro na Lei Magnitsky. O inquérito foi aberto a pedido do deputado Lindbergh Farias (PT-RJ), líder do PT na Câmara, e imputa a Eduardo os crimes de atentado à soberania nacional, abolição do Estado Democrático de Direito, coação no curso do processo e obstrução de investigação sobre organização criminosa.
Durante a manifestação em Copacabana, no Rio de Janeiro, Flávio Bolsonaro ligou para Jair Bolsonaro, que cumprimentou a multidão. O senador publicou o vídeo no Instagram, mas depois apagou a postagem. No vídeo, Bolsonaro aparecia sentado, usando tornozeleira eletrônica, falando pelo telefone: “boa tarde, Copacabana, boa tarde, Brasil. Um abraço a todos, é pela nossa liberdade. Estamos juntos”. O conteúdo foi citado pelo ministro do STF para embasar a decisão sobre a prisão domiciliar.
Moraes reproduziu também outro vídeo publicado por Flávio no Instagram em que ele, no caminhão de som em Copacabana, agradecia aos Estados Unidos “por nos ajudar a resgatar a nossa democracia”. Na postagem, ele também escreveu, em inglês: “thank you, America, for helping us to rescue our democracy”.
O magistrado escreveu, na decisão, que a postagem de Flávio seria “uma clara manifestação de apoio às sanções econômicas impostas à população”. A publicação do senador, contudo, ainda disponível no Instagram, não faz nenhuma referência à sobretaxa de 50% anunciada pelo presidente americano, Donald Trump.
O vídeo não tem outra fala de Flávio, que depois mostra imagens da manifestação do Rio, com destaque para cartazes que pedem anistia para os condenados do 8 de janeiro de 2023, frases como “Fora Lula” e “Fora Moraes”, além de uma faixa com a foto de Bolsonaro e seu slogan “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”.
As manifestações deste domingo, realizadas em várias capitais, concentraram-se nas críticas à atuação de Moraes, mas não em apoio ao tarifaço de Trump.
Moraes também destacou, na decisão, uma breve fala de Eduardo Bolsonaro durante a manifestação na Avenida Paulista, em São Paulo. O deputado publicou vídeo do momento no qual recebeu uma chamada de vídeo do deputado estadual Paulo Mansur (PL-SP), realizada durante o ato, e na qual disse aos manifestantes: “só meu muito obrigado. Sozinho a gente não faz nada, mas com fé em Deus nós venceremos!”.
Moraes considerou, na decisão, que a declaração corroboraria uma “atuação coordenada dos filhos de Jair Messias Bolsonaro a partir de mensagens de ataques ao Supremo Tribunal Federal com o evidente intuito de interferir no julgamento da AP 2.668/DF”. Na fala, porém, Eduardo não fez menção ao processo criminal contra Bolsonaro que tramita no STF.
Essas postagens foram apontadas por Moraes como violações à proibição, que impôs a Bolsonaro, de usar redes sociais, inclusive por meio de outras pessoas, para tentar coagir o STF a livrar Bolsonaro no processo sobre a suposta tentativa de golpe ou ainda obstruir a investigação sobre a suposta organização criminosa que daria o golpe.
Em 24 de julho, Moraes proibiu que Bolsonaro usasse as redes sociais para “induzir e instigar chefe de Estado estrangeiro a tomar medidas para interferir ilicitamente no regular curso do processo judicial, de modo a resultar em pressão social em face das autoridades brasileiras”. A decisão levou a defesa de Bolsonaro a vetar que concedesse entrevistas ou fizesse novos pronunciamentos públicos sobre seu processo criminal.
Numa visita à Câmara, diante de câmeras, Bolsonaro exibiu a tornozeleira eletrônica, afirmou que se tratava de “máxima humilhação” e que era inocente, e disse ainda que o vale para ele é a “lei de Deus”. Eduardo Bolsonaro publicou o vídeo nas redes com críticas a Moraes — o ministro considerou que essa postagem já burlava sua decisão, mas não decretou a prisão preventiva do ex-presidente por considerar que se tratava de “irregularidade isolada”.
Na nova decisão, em que decretou prisão domiciliar, Moraes considerou que as novas postagens de Flávio e Eduardo burlaram novamente sua proibição. “O réu [Jair Bolsonaro] produziu material publicado nas redes sociais de seus três filhos e de todos os seus seguidores e apoiadores políticos, com claro conteúdo de incentivo e instigação a ataques ao SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL e apoio, ostensivo, a intervenção estrangeira no Poder Judiciário brasileiro”, escreveu o ministro.
O ministro também reproduziu postagem do vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ) com uma foto de Bolsonaro segurando o celular, acompanhada da mensagem: “Te amo, pai! E o Brasil também te ama. Hoje, o povo demonstrou mais uma vez que não esqueceu quem sempre esteve ao seu lado. Mesmo calado à força, mesmo injustiçado, sua imagem segue inspirando milhões. E nós vamos seguir lutando até o fim. Pela liberdade do nosso povo e por justiça a quem nunca traiu o Brasil. Alexandre de Moraes pode tentar, mas não vai conseguir calar um país inteiro. Sigam @jairbolsonaro”.
Moraes destacou o final, com pedido para seguirem o perfil de Bolsonaro, mas não demonstrou como a mensagem influenciaria Trump a sancionar o Brasil.
De acordo com o ministro, outro exemplo da burla à restrição foi o ato do deputado Nikolas Ferreira (PL-MG), em mostrar para Bolsonaro a multidão reunida na Avenida Paulista, por chamada de vídeo. “Bolsonaro não pode falar, mas pode ver”, disse o deputado ao exibir a multidão para o ex-presidente.
Analistas criticam decisão
Para o advogado André Marsiglia, a nova decisão de Moraes é ainda mais grave do que a decisão que vetou o uso das redes sociais por Bolsonaro.
A medida cautelar original já era inconstitucional — a nova decisão é ainda mais grave. Se, como o próprio Moraes afirmou, dar entrevistas ou se manifestar publicamente é lícito, punir o ex-presidente por atos de terceiros que apenas republicaram conteúdos seus é frontalmente ilegal. Viola o artigo 5.º, inciso XLV, da Constituição”.
Além disso, Marsiglia criticou o caráter das novas medidas, que classificou como uma “fishing expedition” — expressão usada para descrever investigações genéricas em busca de provas sem foco definido.
Não se trata de proteger o processo, mas de vasculhar em busca de elementos que possam justificar futuras acusações”, disse.
O jurista também sugeriu que a decisão pode ter motivações políticas. “A medida parece servir como cortina de fumaça para desviar o foco da Vaza Toga 2, revelada hoje pelo jornalista Michael Shellenberger”, afirmou, referindo-se à nova série de denúncias envolvendo o Judiciário. O advogado e comentarista político Luiz Augusto Módolo vê na medida um exemplo de “microgerenciamento judicial” e possível desvio de finalidade.
Com todo respeito, o STF se rebaixou. Está sempre num modo de microgerenciamento: verifica se uma presa do 8 de janeiro pode fazer pilates, se Bolsonaro deu uma entrevista proibida ou se Daniel Silveira pode fazer tratamento de saúde”, critica.
Ele também questiona a indefinição quanto às visitas permitidas na prisão domiciliar. “Se Michele mora com ele, não é visita. Mas virá o microgerenciamento do STF, apertando ainda mais o cerco, sufocando cada vez mais Bolsonaro, até que venha de vez a prisão comum”, afirma.
Fonte: Gazeta do Povo