Richard Strauss, o controverso compositor que assumiu cargo na Alemanha nazista

Embora tivesse nora e netos judeus, Strauss exerceu cargo de destaque na Alemanha nazista a convite de Goebbels
Por Giovanna Gomes
“Para Richard Strauss, o compositor, eu tiro o chapéu. Para Richard Strauss, o homem, eu o coloco de novo”, disse, certa vez, o maestro italiano Arturo Toscanini, sobre um dos mais influentes compositores da história da música alemã. Figura controversa, o compositor de obras famosas como as óperas Salomé e Der Rosenkavalier, chegou a exercer cargo de destaque na Alemanha Nazista. No entanto, assistiu horrorizado à perseguição contra sua nora judia e ao familiares dela durante o regime.
Chamado de “compositor hitleriano” pelo escritor Thomas Mann, o rótulo tornaria qualquer celebração da vida de Strauss impensável para muitos. Embora um conselho alemão de desnazificação o tenha liberado em 1948, seu nome ainda vinha carregado de estigma, tanto que, no centenário de seu nascimento, em 1964, as homenagens ao músico foram discretas. Além disso, sua música, assim como a de Wagner, foi banida em Israel e evitada em muitos lugares.
O cenário viria a mudar em 2014, ano que marcou o 150.º aniversário de Strauss. Na data, seus poemas sinfônicos, óperas, sinfonias e canções foram interpretados por grandes orquestras, com transmissões especiais na BBC e uma programação extensa dedicada à sua obra. No entanto, o debate sobre o quanto os detalhes da biografia de um artista poderiam impactar na apreciação de sua arte permanece.
Um dilema
Conforme afirma o biógrafo Michael Kennedy, após a ascensão de Hitler em 1933, Strauss enfrentou um dilema moral e profissional. Ambicioso e pragmático, o músico dizia-se acima da política: “eu apenas sento aqui em Garmisch [sua casa, nos arredores de Munique] e componho. Todo o resto é irrelevante para mim”.
Se isso soa contraditório — especialmente considerando que aceitou, em 15 de novembro de 1933, o convite de Goebbels para assumir a presidência da Reichsmusikkammer, a Câmara de Música do Reich — Strauss insistia que sua intenção era usar o cargo para fazer o bem. “Eu esperava ser capaz de fazer algo de bom e evitar infortúnios piores”, diria mais tarde.
Segundo a BBC, embora sua prioridade parecesse ser melhorar a situação econômica dos músicos, ampliar sua estabilidade no emprego, conquistar mais subsídios estatais e, sobretudo, proteger os direitos autorais — chegando a pressionar intensamente para que a Alemanha aderisse à Convenção de Berna — ele também se negou a colocar compositores judeus na lista proibida. Além disso, manteve-se publicamente leal a amigos e colegas judeus que entraram em choque com as políticas “arianizantes” do regime, entre eles o escritor austríaco-judeu Stefan Zweig, autor do libreto de sua ópera Die Schweigsame Frau (A Mulher Silenciosa), de 1934.

Carta interceptada
Mas uma carta a Zweig, na qual insinuava que sua função era uma forma de encenação, foi interceptada pela Gestapo em junho de 1935, resultando em sua demissão e na proibição da ópera. Numa tentativa de se preservar, Strauss enviou a Hitler uma retratação, dizendo que a carta não refletia sua visão de mundo. Hitler, porém, ignorou. Nos bastidores, Goebbels o chamava de “neurótico decadente”, enquanto Strauss, em anotações privadas, considerava a perseguição aos judeus “uma desgraça para a honra alemã”.
Nora e netos judeus
E, de certa forma, também Strauss foi impactado por essa perseguição. Afinal, ele nutria profundo afeto por sua nora judia, Alice, e por seus netos, também judeus. Ficou estarrecido quando, no fim da Segunda Guerra, Alice foi presa.
Embora tenha sido libertada, seus familiares acabaram sendo enviados para Terezín, na atual República Tcheca. O compositor enviou cartas, suplicando por sua libertação, mas não obteve resposta. Desesperado, ele mesmo dirigiu-se até o campo, tentando usar sua influência para salvá-los. Foi em vão — nenhum deles sobreviveu ao campo de concentração.
Fonte: Aventuras na História