Isolamento em casal é desafiador — e pode afetar funções biológicas
Psicóloga norte-americana explica que irritação de um parceiro pode fazer mal para o coração do outro, segundo pesquisas novas e antigas
Ao obedecer as recomendações de distanciamento social e de ficar em casa, jovens casais podem acabar passando mais tempo juntos do que nunca.
Como uma psicóloga de desenvolvimento que conduz pesquisas sobre relacionamentos de adolescentes e jovens adultos, tenho interesse em entender como as interações cotidianas de pessoas jovens contribuem para sua saúde. Pesquisas já feitas mostram que pessoas que têm amizades de maior qualidade e relacionamentos amorosos na adolescência e na faixa dos 20 anos têm menor risco de doenças na vida adulta. Por outro lado, indivíduos com relacionamentos precoces caracterizados por conflito ou violência têm maior risco de efeitos de saúde negativos. Por que talvez isso ocorra?
Problemas do coração podem afetar seu coração?
Eu e meus colegas imaginamos se as interações cotidianas dos jovens, aparentemente mundanas, com seus parceiros de relacionamento podem ter efeitos relevantes no funcionamento fisiológico. Essas conexões diretas entre funcionamento social e fisiologia podem se acumular ao longo tempo de maneiras que finalmente afetem a saúde no longo prazo.
Nós conduzimos um estudo para examinar se a experiência romântica do dia a dia dos jovens tinham relação com a fisiologia deles. Especificamente investigamos se os sentimentos de um em relação ao outro ao longo do dia poderiam acarretar em mudanças na frequência cardíaca quando fossem dormir.
Focamos na frequência cardíaca noturna porque outra pesquisa mostrou que ter frequência cardíaca cronicamente elevada pode reduzir os efeitos restauradores do sono essenciais e aumentar o risco de doenças cardiovasculares, a principal causa de morte de homens e mulheres nos Estados Unidos.
Para testar nossa pergunta, usamos pacientes de um estudo maior e que está sendo realizado em nosso laboratório na Universidade do Sul da Califórnia para capturar “um dia na vida” de casais jovens. Os casais, a maioria com pouco mais de 20 anos e namorando de um a dois anos, foram recrutados na região de Los Angeles.
24 horas juntos
Também pedimos a eles que escolhessem um dia em que planejassem passar a maior parte do tempo juntos e, no dia escolhido, os casais visitaram nosso laboratório de manhã cedo. Eles foram equipados com um monitor de coração wireless em um cinto preso no peito e com um celular que enviava perguntas a cada hora, até o momento de irem dormir. Quando saíram do laboratório, a recomendação foi de que continuassem o dia normalmente.
Nosso estudo focou em 63 casais heterossexuais com dados de frequência cardíaca válidos nas 24 horas (alguns casais retiraram os monitores para dormir ou os recolocaram errado após o banho).
A cada hora durante o dia, os participantes deram notas a duas coisas: quão incomodados ou irritados, e quão próximos e conectados se sentiram em relação ao parceiro. Eles também reportaram sobre seus comportamentos hora a hora, para garantir que soubéssemos sobre outras coisas que poderiam afetar a frequência cardíaca à noite — como se ingeriram bebidas alcoólicas, se exercitaram ou tomaram algum medicamento. Por 24 horas, o monitor acompanhou os batimentos cardíacos do casal por minuto, um indicador de atividade fisiológica.
Dos sentimentos à fisiologia
Mesmo depois de levar em consideração a frequência cardíaca do casal durante o dia, níveis de estresse, uso de álcool ou drogas e atividade física, descobrimos que a frequência cardíaca dos homens mudou dependendo de como as mulheres se sentiram em relação aos parceiros ao longo do dia.
Quando as mulheres se sentiam mais próximas e conectadas ao parceiro durante o dia, os homens tinham frequências cardíacas mais baixas. Quando se sentiam mais incomodadas ou irritadas, a frequência cardíaca dos homens durante a noite era mais alta. Em média, a frequência cardíaca dos homens era entre dois e quatro batimentos por minuto, exceto em casais nos quais as mulheres expressaram mais proximidade. Por outro lado, eram um,cinco a três batidas mais rápido se a expressão era de maior irritação.
Descobrimos que a irritação não representava aumento na frequência cardíaca se as mulheres também se sentissem próximas aos parceiros ao longo dia. Em outras palavras, os efeitos negativos da irritação se diluíram se também houvesse um carinho na combinação.
Não houve nenhum efeito da irritação ou proximidade dos homens na frequência cardíaca das mulheres — as respostas cardiovasculares dos homens pareceram ser particularmente sensíveis aos sentimentos das mulheres. Outra pesquisa identificou diferenças de gênero similares. Uma possibilidade é que as mulheres têm maior probabilidade de expressar seus sentimentos de irritação ou carinho, enquanto os homens talvez se sintam menos confortáveis em fazer tal comunicação.
É claro que todo relacionamento tem seus altos e baixos naturais, e nosso estudo só captura um pedaço da vida comum de um jovem casal. No entanto, as descobertas sugerem que a maneira como parceiros românticos se sentem em relação um ao outro, mesmo em um único dia, pode ter efeitos significativos em seus funcionamentos biológicos enquanto dormem.
Essas experiências cotidianas aparentemente triviais podem se acumular ao longo do tempo e explicar por que os relacionamentos acabam afetando a saúde das pessoas — para o bem ou para o mal.
Fonte: Revista Galileu