Saúde

Desde 1990, pessoas vivem mais e pior, aponta estudo global de saúde

Documento publicado no “The Lancet” revela que indivíduos em diversos países estão ficando doentes mais cedo. No Brasil, violência doméstica é fator determinante

Em todo o mundo, o aumento contínuo de doenças crônicas e fatores de risco relacionados, como maus hábitos e exposição à poluição, criou a “tempestade perfeita” para o número de mortes durante a pandemia de Covid-19. Essas são as palavras usadas em um levantamento publicado nesta quinta-feira (15) no The Lancet. O Estudo Global de Carga de Doenças (GBD, na sigla em inglês) traz reflexões sobre como os problemas e sistemas de saúde em diversos países antes da pandemia podem ter contribuído para a disseminação do novo coronavírus.
“A maioria desses fatores de risco é evitável e tratável, e combatê-los trará enormes benefícios sociais e econômicos”, disse Christopher Murray, líder do estudo, em declaração à imprensa. “Não estamos conseguindo mudar comportamentos prejudiciais à saúde, especialmente aqueles relacionados à qualidade da dieta, ingestão calórica e atividade física, em parte devido à política inadequada de atenção e financiamento para saúde pública e pesquisa comportamental”.

Expectativa x realidade

A expectativa de vida saudável — ou seja, o número de anos que uma pessoa pode esperar ter boa saúde — tem aumentado continuamente: cerca de 6,5 anos entre 1990 e 2019. Isso não significa, entretanto, um crescimento na expectativa de vida em geral: durante o mesmo período, esses índices não aumentaram na mesma proporção em 198 dos 204 países avaliados. Portanto, as pessoas estão vivendo mais anos com problemas de saúde.
Por outro lado, os esforços para combater doenças infecciosas e abordar os cuidados pré-natais tiveram sucesso na melhoria da saúde de crianças com menos de 10 anos nas últimas décadas. No geral, a carga de doenças relacionadas a gestantes e crianças diminuiu 55%.
Já entre os mais velhos, os resultados não são tão animadores. Das dez principais causas para o aumento da chamada perda de saúde nos últimos 30 anos, seis afetam amplamente os idosos — são elas doença cardíaca isquêmica, diabetes, acidente vascular cerebral, doença renal crônica, câncer de pulmão e perda auditiva relacionada à idade.

Taxa anos saudáveis perdidos por doenças não transmissíveis em 1990. Média global estimada de 43 (Foto: Global Burden of Disease 2019/The Lancet)

Diferenças regionais

Os progressos em saúde foram diferentes ao redor do mundo nos últimos dez anos. Países de baixa e média renda evoluíram muito graças a esforços bem-sucedidos contra doenças infecciosas, maternas e neonatais. Etiópia, Sudão e Bangladesh viram 2% ou mais de redução anual nas taxas de perda de saúde padronizadas por idade.
Em contraste, as melhorias começaram a estagnar na maioria dos países de renda mais alta e até mesmo diminuíram em algumas nações. Nos Estados Unidos, por exemplo, a perda de saúde padronizada por idade aumentou quase 3% na última década. Para os cientistas, uma possível explicação é o aumento das taxas de obesidade, bem como a diminuição nos esforços focados em reduzir o tabagismo e em promover melhorias na cobertura de tratamentos para hipertensão.
Os autores alertam, entretanto, que os sistemas de saúde em países mais pobres não estão bem equipados para lidar com a crescente carga de doenças não transmissíveis. No Uzbequistão, o diabetes passou da 21ª para a quinta causa de morte (um aumento de 600% no número de óbitos) entre 1990 e 2019.
“Com uma população global que envelhece rapidamente, as demandas de serviços de saúde para lidar com resultados incapacitantes e condições crônicas, que aumentam com a idade, exigirão maiores níveis de financiamento, forte compromisso político, responsabilidade apoiada por melhores dados e um esforço global coordenado que prioriza o mais vulnerável”, disse Murray em coletiva de imprensa virtual nesta quarta-feira (14).
Em grande parte da América Latina, Ásia e Europa, pressão alta, acúmulo de açúcar no sangue, índice de massa corporal elevado e uso de tabaco são os principais contribuintes para problemas de saúde. Já na Oceania, a desnutrição e a poluição do ar estão entre os principais riscos. As diferenças mais marcantes, entretanto, estão na África Subsaariana. Por lá, os fatores mais relevantes são desnutrição, falta de saneamento básico, poluição e sexo desprotegido.

Taxa anos saudáveis perdidos por doenças não transmissíveis em 2019. Média global estimada de 64 (Foto: Global Burden of Disease 2019/The Lancet)

Realidade brasileira

Focando na América Latina especificamente, os estudiosos constataram que as pessoas estão vivendo mais em geral. Entretanto, a região enfrenta um aumento preocupante na incidência de doenças crônicas — as não transmissíveis passaram de 48% em 1990 para 70,5% em 2019. Os maiores contribuintes para a diminuição da taxa de perda de saúde na região nos últimos 30 anos foram diabetes, doença cardíaca isquêmica e doença renal crônica
Outro dado que chamou a atenção dos cientistas diz respeito à violência doméstica. Segundo o estudo, no Brasil e na Colômbia, essa forma de violência foi a principal causa de perda total de saúde (morte prematura e problemas de saúde relacionados) em 2019.
Para Richard Horton, editor-chefe do The Lancet, um dos pontos mais importantes do estudo é apontar a contribuição de outros setores da sociedade para a manutenção da saúde. “Por mais que devamos, sim, focar em problemas do sistema de saúde, também precisamos prestar atenção em desafios de outras áreas que afetam o bem-estar das pessoas”, afirmou na coletiva de imprensa. Para os cientistas, a pandemia não escancara apenas uma crise de saúde pública, mas também de pobreza e desigualdade.
“Dado o impacto avassalador do desenvolvimento social e econômico sobre o progresso da saúde, dobrar as políticas e estratégias que estimulam o crescimento econômico, ampliam o acesso à escolaridade e melhoram a condição da mulher deve ser nossa prioridade coletiva”, afirmou Murray. “A menos que as desigualdades estruturais profundamente enraizadas na sociedade sejam combatidas, e a menos que uma abordagem mais liberal para as políticas de imigração seja adotada, as comunidades não estarão protegidas de futuros surtos infecciosos e a saúde da população não alcançará os ganhos que os defensores da saúde global buscam”.

O índice de desenvolvimento social (SDI) considera fatores econômicos, educacionais e a taxa de fertilidade para medir o desenvoldimento social dos países. A taxa está intimamente ligada com o sistema de saúde da área analisada. Na escala acima é possível (Foto: Global Burden of Disease 2019/The Lancet)

Importância das políticas públicas de saúde

Na última década, em todo o mundo, houve um aumento de ao menos 0,5% ao ano na exposição a condições evitáveis, como obesidade, diabetes tipo 2, uso de álcool e de drogas. O único fator causador de doenças não transmissíveis que diminuiu substancialmente nos últimos dez anos foi o tabagismo. Segundo os pesquisadores, os principais esforços para implementar políticas internacionais de controle do cigarro reduziram a exposição em 10%. Mesmo assim, o tabaco (fumado, passivo e mascado) é a principal causa de morte em muitos países de alta renda, incluindo Reino Unido, Japão, Bélgica e Dinamarca.
“Simplesmente fornecer informações sobre os malefícios desses riscos não é suficiente”, ressaltou a coautora Emmanuela Gakidou. “Visto que as escolhas individuais são influenciadas por considerações financeiras, educação e disponibilidade de alternativas, os governos devem colaborar globalmente em iniciativas para tornar possível um comportamento mais saudável para todos”.

Fonte: Revista Galileu

Related Posts

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

EnglishPortugueseSpanish