Política

A Cesan e os mananciais da Serra — Parte 1

Secretário de Meio Ambiente do município da Serra, Cláudio Denicoli, engenheiro civil com especialização em meio ambiente, em entrevista à Coluna Olhar de Uma Lente (Fatos & Notícias), denunciou o descaso da Companhia Espírito-Santense de Saneamento (Cesan) e a falta de respeito com a bacia hidrográfica do município, desde que ganhou a concessão para coletar e tratar o esgoto da cidade serrana.
Segundo Cláudio, a Cesan cobra 80% de taxa de esgoto sobre o valor de consumo da água, ou seja, taxa de retorno, sem prestar o serviço adequado. “Fui secretário de Meio Ambiente aqui na Serra, entre 2009 e 2012, e conheço razoavelmente o município. Apesar de ser de Vitória, tenho casa em Manguinhos. Tenho um carinho especial pela lagoa Maringá que, apesar de ser artificial, sempre a achei deslumbrante. Porém, ao assumir, vi que aquela beleza estava sofrendo com a poluição e quanto todo mundo cobrou uma atitude. Na época, a Antolini, empresa de mármore e granito, que está instalada ao lado da Maringá, para não ficar mal diante dos seus compradores estrangeiros, pediu que a prefeitura limpasse, já que estava coberta de gigoga, vegetação proveniente de poluentes orgânicos. Limpamos, mesmo sabendo que o problema persistiria. Naquele tempo, convenci à Antolini que bancasse um estudo ambiental sobre a lagoa e, assim, eles fizeram. Na época, contrataram a CTA Projetos Ambientais que concluíram que quem poluía aquela lagoa era a estação de Tratamento de Esgoto (ETE), da Companhia Espírito-Santense de Saneamento (Cesan). A partir desse momento, ligou o alerta em mim. Mas, como assim? A Cesan, justamente ela que tem a obrigação contratual de tratar o esgoto e não poluir? Daí em diante pesquisei e tive a surpresa de saber que todas as ETEs trabalham em desacordo com a legislação ambiental até hoje, isso é fato. Acionei o Ministério Público (MP), mas por questões políticas, que envolviam as esferas estadual e municipal, nada foi feito”, reclama Cláudio.
O secretário diz que é vergonhoso uma empresa cobrar do consumidor uma taxa altíssima e não entregar um produto de acordo. “Como posso cobrar uma taxa que representa 80% do valor total da água consumida (taxa de retorno), do cidadão, se eu não presto o serviço adequado? Relatei esses fatos porque, quero deixar claro, que assumi o cargo de secretário com independência. Não sou filiado a nenhum partido político e muito menos estou aqui por indicação de nenhum deles… Sou técnico, engenheiro sanitário ambiental, questões políticas não me dizem respeito”, esclarece.
Como prova de que os problemas em relação à Cesan são recorrentes de longas datas, Cláudio explica que desde 2010, “com o boom imobiliário e o Programa Minha Casa Minha Vida, MRV, Morar e outras, eu não aceitava o tratamento da Cesan no projeto, cada um tinha que ter a sua própria estação de tratamento, com um padrão que a gente exigia, com tratamento terciário, com os parâmetro exigidos pela secretaria, que tem competência para tal. Eram estações de tratamento com 30m² de área, só licenciava se tivesse a ETE própria, não aceitava ETE da Cesan. Isso provocou um problema político e aí começou a surgir a Parceria Público-Privada (PPP) no saneamento, na época do governo Paulo Hartung”, diz.
Cláudio não é contra o modelo PPP, pelo contrário, acha que é uma alternativa viável e válida, mas as empresas precisam estar em conformidade com as normas e a tecnologia vigentes. “Eu acredito nas PPPs, é uma solução plausível, tem viabilidade econômica. Mas com uma ressalva, as regras devem ser colocadas por quem trabalha com saneamento. Atualmente as coisas não funcionam, as regras contratuais são colocadas pela Cesan. Ela tem uma tecnologia ultrapassada, obsoleta, seu sistema funciona com lagos de estabilização, que são lagoas grandes e que ocupam áreas enormes, não removem o nitrogênio e o fósforo, que são os agentes poluidores do espelho d’água, não só da Serra, como também, de outros municípios onde a empresa atua no {tratamento} do esgoto. Se o município contrata uma empresa para prestar um determinado serviço ela tem que exigir que o serviço seja feito com excelência”, afirma.

Cláudio acrescenta ainda que “a Cesan insiste nessa mentalidade de 50 anos atrás, por isso que as coisas não funcionam e não funcionarão. Se fizermos um apanhado nos últimos sete anos e perguntarmos se houve melhora, eu diria que melhorou na instalação de rede de coleta em mais de 90% do município, mas isso é apenas uma estratégia para poder cobrar a taxa, mas cadê os investimentos nas estações de tratamento, na recuperação dos mananciais? Está muito claro, o poluidor é o pagador na legislação ambiental. Quem vem poluindo a bacia hidrográfica da Serra é a Cesan, ela tem que ser responsabilizada e tem a obrigação legal de recuperar o mananciais. As lagoas Jacuném, do Juara e do Baú estão impróprias para contato primário, não se pode tocar na água em função da quantidade de bactérias. Em 2012, quando deixei a secretaria até os dias atuais, não houve nenhuma melhora significativa de benefícios para a sociedade”, pontua.
“Rede coletora sem tratamento, no meu entender, não funciona para o meio ambiente, se tivesse participado desse modelo de PPP, teria exigido, primeiramente, um tratamento perfeito do esgoto e só depois interligaria. Nesse molde, sugeriria uma concessão de até cem anos, agora, com esse modelo arcaico e ultrapassado, nunca! Olha que eu disse nunca, nunca iremos recuperar os mananciais do município da Serra”, critica.
Como secretário e conhecedor do assunto, Cláudio diz que se não fizer o que deve ser feito, quem vai fazer? “Busco a realidade… não estou batendo na Cesan, vou ao problema para resolvê-lo, sou técnico, ninguém tinha aberto essa caixa-preta, mas, anos atrás, eu fiz. Existe um resultado da própria Cesan de que algumas ETEs sujam o esgoto, ou seja, o esgoto entra mais limpo do que sai, isso é uma análise que é da própria Cesan, e tenho documentos que provam isso”, destaca.

Foto de capa: Penha Albuquerque

Haroldo Filho

Haroldo Filho

Jornalista – DRT: 0003818/ES Coordenador-geral da ONG Educar para Crescer

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