Cultura

Abaporu, o quadro que criou um movimento

Conheça a obra surrealista, que retrata a imaginação profunda

Em 1928, Tarsila do Amaral deu um quadro de presente de aniversário ao marido, Oswald de Andrade. O quadro não tinha nome. Impressionado pela imagem, Oswald foi atrás do poeta Raul Bopp, grande entendedor de tupi, para batizá-lo.
Saíram com Abaporu — de aba (homem), pora (gente) eu (comer): o homem que come gente. Depois de ser apresentada ao surrealismo, numa viagem a Paris, Tarsila muda seu estilo de forma radical: de imagens lúdicas, ela passa a, como os surrealistas europeus, tentar retratar o inconsciente, cenas de sonhos e pesadelos.
O Abaporu foi o primeiro quadro dessa fase e deve ser entendido como o que é: uma obra surrealista, retratando a imaginação profunda e, às vezes, mórbida, não o retrato de algo saído da vida real.
Não é feito para agradar os olhos, não num sentido convencional. O que não quer dizer que não há o que ser dito sobre seu significado. Oswald e Bopp criaram um movimento em torno do quadro.
Meses depois, o marido de Tarsila publicou seu Manifesto Antropofágico, contendo o eterno “Tupi, or not tupi, that is the question”. Em 1924, o escritor havia divulgado o Manifesto Pau-Brasil, que convocava os poetas a exaltarem as peculiaridades do Brasil.
Agora, ele dava um método para isso, que era “devorar” a cultura ocidental e transformá-la em nacional: “Absorção do inimigo sacro. Para transformá-lo em totem”.

A obra Abaporu (Foto: Malba/Museu de Arte Latino-Americano de Buenos Aires)

Pensando nisso, separamos cinco curiosidades sobre os detalhes presentes na obra. Confira!

  1. Aula prática
    Abaporu não é um estudo sobre a antropofagia, é ela em ação antes de sequer ganhar nome. O quadro é uma obra de inspiração surrealista — uma ideia europeia, radical e jovem — com temática brasileira.
    Também referencia a famosa escultura O Pensador, de Auguste Rodin, revestindo-a de um significado novo. Exatamente como pregaria o Manifesto Antropofágico.
  2. Homem nu
    A nudez aproxima a figura ao índio do Brasil pré-cabraliano, ainda que ele não tenha nem os adereços nem o tom de pele dos nativos — nem mesmo seu gênero está claro.
    Uma forma de representar um brasileiro atemporal. Há também algo de freudiano — a psicanálise era frequentemente citada pelo movimento antropofágico — nessa nudez, a negação das inibições de uma cultura europeia, a marca de uma escolha primitivista.
  3. O homem que trabalha
    A mão gigante, quando comparada com a cabeça minúscula, remete ao trabalhador braçal, que vende sua força, não pensamentos.
    Ele é retratado num momento de descanso. Notavelmente, a pintora retornaria ao tema dos trabalhadores, dessa vez urbanos, em Operários, de 1933, após sua visita à União Soviética, em outra fase de seu trabalho.
  4. Verde e amarelo
    Os críticos do exterior notaram as cores “tropicais” na obra da pintora. Mas a escolha não parece ser acidental. O amarelo da flor contrasta com o verde da planta, em tons quase idênticos aos da bandeira brasileira.
    Parece um sol, mas essa parte não está aberta a interpretações: a própria Tarsila chamou o objeto de “cacto explodindo em uma flor absurda”.
  5. Pé grande
    O pé, ainda mais exagerado que a mão, é a ligação entre o homem e o solo, uma conexão que os modernistas tentavam estabelecer com o Brasil. Tarsila e os outros modernistas tentavam superar a mania secular de copiar modelos europeus, mas de forma rebelde e cosmopolita, sem aderir ao provincianismo romântico.
  6. Sertão
    O cacto contextualiza a cena no sertão nordestino. Tarsila e os demais modernistas eram paulistas brancos, de famílias de classe alta, quando o estado já era o coração da economia nacional — na época, baseada em exportações de café.
    Uma obra do centro localizada na periferia era uma tentativa de englobar, abarcar um Brasil que não era só o dos paulistas.
Autorretrato (Manteau Rouge) (Foto: Tarsila do Amaral)

Foto de capa: Malba/Museu de Arte Latino-Americano de Buenos Aires

Fonte: Aventuras na História

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