Cultura

Memórias de Nelson Rodrigues sobre a gripe espanhola mostram que nada mudou

Em 1967, Nelson Rodrigues escreveu um livro de memórias no qual tratou sobre diversos momentos que vivenciou, entre eles, a triste pandemia

No ano de 1918, o famoso escritor, jornalista e dramaturgo Nelson Rodrigues, tinha apenas seis anos de idade e vivia na Aldeia Campista, na Zona Norte do Rio de Janeiro. Porém, apesar da pouca idade, suas memórias daquele tempo jamais foram esquecidas.
Foi numa época sombria, um cenário assim como o que vivemos no presente momento, repleto de mortes em decorrência de um vírus que se espalhou pelo mundo, que o pequeno Nelson vivenciou no início do século 20.
Ele cresceu e, 49 anos depois, escreveu o livro ‘A Menina Sem Estrela’, por meio do qual compartilhou com o público suas principais recordações. Uma delas, referente à pandemia de gripe espanhola, chama muito a nossa atenção.

O passado e o presente

Enfermeira e paciente infectado, durante surto da gripe espanhola (Foto: Wikimedia Commons)

Conforme documentado pela Biblioteca Nacional, em determinado trecho de seu livro, o carioca diz que “morrer na cama era um privilégio abusivo e aristocrático. O sujeito morria nos lugares mais impróprios, insuspeitados: “na varanda, na janela, na calçada, na esquina, no botequim”.
Portanto, muita gente morria sem ao menos ter atendimento médico. Eram muitos contaminados com o vírus e poucos que tinham a oportunidade de ter um leito de hospital.
Em seguida, Rodrigues afirma: “Normalmente, o agonizante põe-se a imaginar a reação dos parentes, amigos e desafetos. Na Espanhola não havia reação nenhuma. Muitos caíam, rente ao meio-fio, com a cara enfiada no ralo. E ficavam, lá, estendidos, não como mortos, mas como bêbados. Ninguém os chorava, ninguém…”

Em 1918, o mundo passou por uma pandemia semelhante à que vivemos hoje (Foto: Wikimedia Commons)

“Ora, a gripe foi, justamente, a morte sem velório. Morria-se em massa. E foi de repente. De um dia para o outro, todo mundo começou a morrer. Os primeiros ainda foram chorados, velados e floridos. Mas, quando a cidade sentiu que era mesmo a peste, ninguém chorou mais nem velou, nem floriu. O velório seria um luxo insuportável para os outros defuntos”.
De maneira muito semelhante, mais de um século depois, o mundo vive novamente um momento sombrio. Com seus primeiros casos notificados no final de 2019 na China, o novo coronavírus logo se espalhou pelo mundo, infectando e matando milhões de pessoas.
Infelizmente, o Brasil logo tornou-se um dos protagonistas dessa enorme mortandade. Conforme dados divulgados pelos órgãos de saúde, o País registrou, até a presente data, 12.047.526 casos de pessoas infectadas. Já o número de mortes em decorrência da doença já chega a 295.425 no País.

O escritor Nelson Rodrigues (Foto: Divulgação)

A morte torna-se trivial

“Era em 1918. A morte estava no ar e repito: “difusa, volatizada, atmosférica; todos a respiravam….”, recorda o autor do livro. “De repente, passou a gripe. Ninguém pensava nos mortos atirados nas valas, uns por cima dos outros. Lá estavam, humilhados e ofendidos, numa promiscuidade abjecta”.
Por fim, Nelson ressalta que, devido ao fato da morte ter se tornado cotidiana na vida dos brasileiros, a “peste deixara nos sobreviventes, não o medo, não o espanto, não o ressentimento, mas o puro tédio da morte”.

Foto de capa: Wikimedia Commons/Arquivo Nacional

Fonte: Aventuras na História

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