Comportamento & Equilíbrio

Por que tem gente que odeia brigar ou discutir? Evitar conflitos faz mal?

Se por um lado tem quem goste de ver e encarar discussões, por outro há quem prefira manter distância de atritos ou interações que possam levar à discórdia. São aquelas pessoas que dificilmente reagem quando são provocadas para debater determinado assunto, que choram ou então saem do ambiente antes mesmo que o desentendimento se estabeleça. Essa ação de esquiva e de evitar o perigo pode ser considerada uma inibição comportamental, que tem como objetivo não se expor a nenhuma ameaça.
As origens para atitudes de fuga e evitação podem variar muito, indo desde a vontade de não desagradar o outro (por precisar sempre da sua aprovação) até não querer ser visto como alguém agressivo que não tem autocontrole. Outra razão bastante recorrente é o medo de ser julgado ou a percepção de ser avaliado, a ponto de preferir se calar, ainda que discorde do que foi dito.
Escolher não participar de discussões é extremamente legítimo e pode ser indicado quando existe um desejo ou necessidade de se poupar. Mas é preciso estar atento se esse comportamento é recorrente, se gera uma sensação de amedrontamento e de repressão que impede a pessoa de se posicionar diante das adversidades. Os debates fazem parte das relações humanas e são fundamentais para a expansão da consciência — individual e coletiva.

As vantagens do diálogo
Além de ser um jeito de ampliar a visão de mundo, participar de diálogos conflitantes é um importante caminho para conseguir diversificar o pensamento. Sem estímulos e reflexões que nos fazem entrar em contato com a diferença e a pluralidade, ficamos mais rígidos e limitados, com sérias dificuldades de negociar pontos de vista.
Faz parte inclusive de um avanço civilizatório, como pontua Vinícius Darriba, psicanalista e professor do Instituto de Psicologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). “Tanto pelo aspecto social quanto político, é saudável participar de interações em que haja a contraposição de posicionamentos. Mostra inclusive um amadurecimento da sociedade. Vemos hoje como a falta de condições em conseguir debater e entender o outro pode ser prejudicial para as relações nas mais diferentes esferas”.
O docente lembra que a fuga e a não defesa das próprias posições muitas vezes não são escolhas conscientes. “Na fantasia do sujeito, o embate é algo impossível de suportar, a ponto de não aguentar fazer parte da cena que envolve determinado tema ou interlocutor. Isso surge a partir de afetos e sentimentos que travam a pessoa. Só de imaginar, ela já sente ansiedade e angústia, e mesmo sem saber a razão, experimenta o desejo de querer fugir”, detalha.
Na avaliação do psicólogo e professor doutor do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da PUC-Campinas, Wanderlei Oliveira, o que tem dificultado o estabelecimento de discussões mais proveitosas é o foco excessivo nos aspectos emocionais.
“Considero que a análise dos fenômenos ou das experiências estão tendo menos importância, já que constantemente as falas e as ideias se voltam para questões pessoais. Sobram ataques aos indivíduos, suas subjetividades e singularidades, o que só agrava o medo de se colocar num debate.” Isso reforça a percepção de julgamento em relação às capacidades individuais, o que praticamente torna o sujeito como alvo principal de argumentação no embate.

Muitas vezes, o sujeito se antecipa e evita qualquer manifestação para não criar a chance de ser criticado ou virar motivo de chacota (Foto: iStock)

Por que evitar conflitos?
Muitas pessoas não conseguem se expor por medo ou falta de habilidades sociais. Mas a causa para evitar conflitos pode estar ligada com a ansiedade. Como explicava Freud, um dos principais sintomas dessa emoção, que se manifesta frente ao perigo potencial, é a inibição comportamental. “No caso da espécie humana, frequentemente se traduz em uma esquiva, que não permite ao indivíduo nem experienciar a ameaça”, afirma Milena de Barros Viana, psicóloga e professora associada, livre docente, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
Essa defensiva está ligada com um pensamento de “e se”: e se eu for mal avaliado, reprovado, julgado etc. “O sujeito se antecipa e evita qualquer manifestação para não criar a chance de ser criticado ou virar motivo de chacota. Dentre as experiências de vida, é um comportamento comum àqueles que foram muito protegidos e não aprenderam a lidar com contextos desafiadores ou estressantes”, declara a docente.
Lucia Novaes, professora do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), lista outras possibilidades que levam alguém a querer distância de embates. “Existem casos nos quais a pessoa catastrofiza as consequências de um conflito e não se expõe para minimizar os riscos. Pode acontecer também de filhos que crescem com pais verbalizando que discutir é feio e arriscado, ou então, que aprendem por modelação e imitam comportamentos de esquiva que presenciaram desde a infância”.
Ainda é possível que a origem para fugir de conflitos esteja em situações traumáticas vividas ou assistidas pela pessoa em determinado momento da vida, ou simplesmente seja uma questão de temperamento. “Abrange uma tendência inata a ser mais passivo, ao aceitar a opinião ou decisão do outro sem questionar, e depois até sentir raiva de si mesmo por não ter se posicionado. Ou então de ser agressivo, e por não ter controle dos impulsos e saber que pode haver consequências negativas, preferir não se envolver”, complementa a professora da UFRJ.

Intolerância favorece o afastamento dos atritos
A psicóloga Lucia Novaes lembra que a empatia é fundamental em qualquer relação e deve ser praticada pelos interlocutores interessados em construir um debate proveitoso. “Você pode mostrar sua opinião começando a dizer que entende o pensamento do outro, mas que possui uma visão diferente.” Os desentendimentos geralmente ocorrem quando alguém é muito rígido em suas convicções e deseja convencer a todos de que suas ideias são as únicas corretas.
Não é raro que essa postura seja acompanhada de palavras ofensivas e críticas desnecessárias devido à dificuldade em lidar com as diferenças, o que atrapalha qualquer tentativa de compreensão do próximo. Dessa forma, o tom agressivo costuma gerar reações de defesa ou ataque, e afasta as chances de novas visões ou interpretações serem alcançadas. O ideal é que seja uma fala assertiva, firme no posicionamento e respeitosa.
“Se eu avalio que o interlocutor é alguém receptivo a ideias, aberto a pensar e a ouvir, e não responde com agressividade, justamente porque entende que discussões fazem parte do crescimento individual e coletivo, não há motivos para fugir dessa circunstância”, reforça Wanderlei Oliveira.
O professor da PUC-Campinas recomenda que além de analisar as posturas dos participantes, outro passo importante antes de iniciar qualquer argumentação é reconhecer qual o repertório que possuo sobre o tema e se tenho a contribuir com o debate. “É tentar identificar se você tem familiaridade com as bases ou fundamentos científicos que constituem determinado assunto, ou se a sua participação será apoiada somente em achismos ou em frases de efeito”, destaca.

A terapia pode ajudar a entender os motivos por trás desse estado de defensiva e a superá-los (Foto: iStock)

Não é vergonha buscar ajuda
O processo terapêutico pode ajudar a pessoa a melhorar essa competência de mapear o contexto e avaliar se é propício para semear suas reflexões. “Consiste numa observação que exige preparo e passa pelo autoconhecimento”, resume o psicólogo.
Já Viana aconselha que a situação seja encarada de modo gradativo. “Não é vergonha nenhuma procurar ajuda de um psicólogo ou profissional treinado para conquistar mais estabilidade emocional e lidar melhor com a situação ansiogênica (inibição e evitação) ao se expor diante dos outros. Existem recursos terapêuticos como técnicas de relaxamento e de biofeedback que ensinam a diminuir as alterações fisiológicas que acompanham a ansiedade”. Quando entendemos as razões e conseguimos amenizar ou até dominar essas reações, nos sentimos mais atuantes sobre nossas emoções. “No final das contas, a grande questão é: temos que agir e enfrentar nossa ansiedade e não se deixar ser controlado por ela”, diz.
A professora Lucia Novaes diz que a terapia cognitivo-comportamental tem apresentado excelentes resultados para o treino da assertividade, desenvolvimento de habilidades sociais, de resolução de problemas e domínio cognitivo de controle da raiva. A ideia é deixar de se afastar por causa de interpretações trágicas ou falta de confiança em si mesmo, e saber os meios de se colocar positivamente numa discussão.

Fonte: UOL

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