Violência das Instituições e dos Profissionais — Parte VI
Crianças são mortas em meio a ruidosos tiroteios. Mortas no silêncio de seus lares, a pontapés. Ou de fome
Covardia. Este é o elemento constitutivo, e essencial, para a prática da violência contra vulneráveis. É a discrepância da força física entre um adulto e uma criança, ou um homem e uma mulher, que compõe este quadro. E, é dessa discrepância de força, a física e a de persuasão, que a Criança é empurrada para a exposição ao extremo estresse, condição da maior experiência de impotência a que é submetida.
A exposição de extremo estresse refere-se a duas formas de violência: a física e a sexual. São estas duas formas que levam à experiência de impotência, por excelência. E, para garantir a continuidade da prática destas duas formas de violência, que têm em comum a quase totalidade da incidência na condição intrafamiliar, porquanto espancar ou abusar de uma criança necessita dessa ascendência afetiva para que se mantenha em segredo.
Fica difícil saber onde começa a violência institucional, que adquire, por exemplo, teses sem amparo científico, incluindo seitas que demandam a crença no sobrenatural, ou onde termina a violência de profissionais que passaram a humilhar Crianças sob alegações, muitas vezes, narcisistas que massageiam seus egos com um odor do prazer de um Pequeno Poder. Pequeno, mas absoluto. A violência transparente, vicária, ou concreta que resulta em hematomas e fraturas, individual ou institucional, a Violência, silenciosa ou barulhenta, está no nosso dia a dia.
Crianças são mortas em meio a ruidosos tiroteios. Mortas no silêncio de seus lares, a pontapés. Ou de fome. Foram 24 crianças yanomamis, de menos de cinco anos, nos últimos meses. Ocupamos os cinco primeiros lugares nos rankings mundiais das mais diversas violências. Vergonha. Fracasso social. Falência da cidadania. Fiasco político.
Contra Crianças e Mulheres/Mães, a violência chega, também, vestida de legalidade. Uma lei, a 12.318/2010, que nasceu suja de sangue da Joanna Marcenal, seguida por inúmeras outras crianças, parece ter vindo para ressuscitar e legalizar o Infanticídio. Mas isso não é contabilizado como tal. E, se pensarmos em sequelas das Crianças que, apesar dos espancamentos, sobrevivem, não encontramos os números reais. E, ainda, se a Violência for Sexual, Intrafamiliar, essa lei, a lei de Alienação Parental, cumpre a função de edredom dos abusadores com toda a eficácia.
Sofismas são a garantia da impunidade. Se não há provas materiais da prática de abuso sexual incestuoso, então é alienação da mãe. Mas, quando há materialidade do crime, também é alienação parental da mãe. São milhares de Crianças sofrendo a mesma condenação. E, na sequência, promove-se a Privação Materna Judicial, já consagrada para que o abusador seja inocentado e ganha a posse da Criança, seu brinquedinho de se sentir poderoso. Tudo sob os auspícios de operadores de justiça.
Claudia Galiberne Ferreira e Romano José Enzweiler, advogada e Juiz, respectivamente, no Artigo “Duas Abordagens, a mesma arrogante ignorância: como a Síndrome da Alienação Parental (SAP) e a Violência Doméstica se tornaram irmãs siamesas”, in: “A Invisibilidade de Crianças e Mulheres Vítimas da Perversidade da Lei de Alienação Parental — Pedofilia, Violência e Barbarismo”, apresentam alarmantes dados estatísticos acerca do flagelo da Violência Doméstica e as estratégias jurídicas utilizadas para a proteção de agressores e abusadores, inclusive pelo manejo da litigância abusiva que não teve a devida consideração no Código de Processo Civil (CPC) juvenil. Lamentável.
No Artigo “Incesto e o Mito da Família Feliz”, de autoria de Maria Berenice Dias, in “Incesto e Alienação Parental — Realidades que a Justiça insiste em não ver”, ela escreve à pág. 172: “o incesto não dispõe sequer de tipificação penal própria, sendo dos crimes contra a liberdade sexual o menos punido. É tal o grau de rejeição ao incesto que o legislador dele não se ocupa, e, paradoxalmente, não existe expressa previsão no sistema jurídico”. Muito importante esta observação da Desembargadora.
A seguir, no mesmo capítulo, no subtítulo “A cegueira da Justiça”, Berenice Dias escreve: “Denunciado o abuso, a vítima é ouvida mais de uma vez, e em cada depoimento revive os fatos, sofrendo nova violência. É revitimizada cada vez que precisa relatar perante estranhos o que aconteceu. É ouvida por pessoas não capacitadas para esse tipo de escuta. No fim, cansada de repetir a mesma história, de ser sempre perguntada sobre o que quer esquecer, acaba caindo em contradições. Com isso, a prova torna-se praticamente impossível, e milhares de vítimas e abusadores deixam de existir. A Justiça acaba sendo conivente com o infrator, culpabilizando a vítima. E, de maneira surpreendente, a absolvição por falta de provas é o resultado da maioria dos processos”. Pág. 176.
A sensibilidade de precisão incontestável da Autora Berenice Dias lança luz na atitude de profissionais que ignoram a realidade vivida pela Criança: “As acusações da vítima através de representações, desenhos, comportamentos peculiares, marcas corporais, não são consideradas suficientes. São encaradas como fantasias infantis. Acredita-se que ela mente, inventa para chamar a atenção. A palavra do adulto, essa sim, é aceita como verdadeira — afinal adulto não mente, não engana, não esconde… O adulto sabe representar o ritual necessário, tem palavras adequadas e advogados competentes”. À pág. 177 do referido livro.
Este quadro, tão bem retratado por Berenice Dias, prosseguiu e constatamos que só piorou. Mais Crianças são vítimas do despreparo de profissionais que agravaram as inúmeras “avaliações” com a regra de submeter a Criança à acareação, quando deve fazer uma verdadeira sustentação oral diante daquele que ela apontou como sendo seu abusador. E tudo é alienação da mãe. Parece que acabou por completo o abuso sexual contra a Criança.
Como nos perdemos do simples bom senso, da obviedade do funcionamento de uma Criança, para cair no obscurantismo de teses acientíficas, inventadas por um médico pedófilo que se suicidou para evitar sua iminente prisão, teses de negação da realidade de desenvolvimento cognitivo, ou teses centradas em seitas que responsabilizam antepassados mortos há décadas ou séculos? Laudos “periciais” afirmam o invencionismo, atribuindo à Criança malabarismos cognitivos que mais se assemelham a afirmar que um menino de dois anos escalou sozinho o monte Everest, ou resolveu o teorema de Pitágoras.
Charadas e “pegadinhas” no lugar de Ciência. Basta inverter o sinal e os termos usados na contra argumentação, são os mesmos, como se igual fosse. E todos têm conhecimento de tudo. Uma ruptura da lógica. Sem nenhuma cerimônia.
Transformados em crentes, fiéis a dogmas, seguimos praticando toda sorte de Violência, explícita e ruidosa, ou dissimulada e escondida, inclusa as formas de corrupção, intelectuais e monetárias, humilhando mulheres e Crianças, e lhes retirando o Direito à Dignidade. Para onde caminhamos? Para onde queremos caminhar?