Política

Embate entre Poder Judiciário e Poder Legislativo: Direito x Política

Texto: Fernando Ribeiro da Silva Carvalho

Hodiernamente, é comum constatar embates sobre sistemas de linguagem completamente diferentes que, muitas vezes, não se relacionam, não podendo, portanto, serem comparados entre si. Para melhor exemplificar a introdução realizada, ratifica-se que não é possível colher maçãs se a árvore da colheita for um coqueiro, assim como não se logrará êxito na busca por uvas em uma bananeira.
Não é, e nem pode ser, diferente com as linguagens destinadas às atividades do Poder Legislativo e do Poder Judiciário. Além das suas funções distintas, basicamente voltadas à criação do direito e sua respectiva aplicação (a grosso modo falando), o meio de aplicá-las também é distinto.
O Poder Legislativo volta seus olhos ao que se convém chamar de Política sendo, nesse pequeno enxerto, conceituada como uma participação no poder. Em outras palavras, os agentes do jogo político dão suas opiniões sobre os mais variados temas tratados, com fins de que o que pensam acabem convencendo a maioria de seus pares (também agentes políticos) para que assim aquela matéria se torne direito.
Observa-se, antes de mais nada, que o direito criado será aquele que deva ser cumprido por todos, com exigibilidade e força normativa, revelando, portanto, que ao fazer política os agentes acabam participando da formação do poder constituído.
Por outro lado, com o direito criado, entra-se em uma outra seara, agora relativa ao Poder Judiciário que terá a função de aplicá-lo. E na seara da aplicação do direito, não se tem mais discussões a respeito do que deveria ter sido criado, mas tão somente o respeito ao que se criou. Com isso, não se tenta afastar a interpretação dos juristas (agentes do Poder Judiciário), mas apenas os limita na criação voluntária de um direito a partir de suas opiniões próprias. Aqui, nesse momento, deve-se aplicar o que a maioria do sistema criador (Poder Legislativo) acabou promulgando.
Esclarecidas e esmiuçadas as premissas básicas, podemos clarear os argumentos por meio da apresentação de um exemplo teórico e prático, o qual foi tema de muitas discussões de alto nível técnico, mas, muitas das vezes, estéreis, principalmente quando se confundiu o campo e a linguagem dos referidos sistemas distintos. Trata-se do tema: prisão em segunda instância.
Os legisladores constitucionais, após ampla discussão, participando da elaboração do Poder que viria a ser criado, estabeleceram por maioria que a prisão, consequência da cristalização da condenação de culpabilidade de determinado agente, só se daria após o trânsito em julgado da sentença.
A priori, parece que não há divergência quanto ao conceito de trânsito em julgado, mas uma convergência teórica de que significa imutabilidade decisória, isto é, quando não se tem mais a possibilidade de reformar a decisão prolatada. E esse trânsito em julgado pode se dar em primeira, em segunda e/ou em quaisquer instâncias. Dito isso, interpreta-se sem medo de errar que a prisão só seria viável, em regra, após a decisão condenatória ser imutável.
Perceba que o direito criado de natureza constitucional não remete a condicionantes relativas às instâncias do Judiciário. Não tem nada disso. Essa é uma interpretação forçada, de caráter político, pois visa mudar o direito, criando-o de forma diferente, por meio de participação no poder.
E, perceba, que a mudança é completamente compreensível, por quem quer que gostaria que assim fosse. Somente estás se ressaltando que tal mudança deveria ser feita no plano do Poder Legislativo, mediante o devido processo legal de criação do direito nas Casas Legislativas por meio do convencimento da maioria dos seus integrantes, conforme disposto no Corpo Constitucional.
Os intérpretes do Poder Judiciário, em contrapartida, se limitariam a apenas aplicar o direito da forma que ele foi criado. E, se porventura, o Magistrado não concordar com o que foi promulgado pelos legisladores, teria duas saídas corretas: a) se mostrar um juiz democrático aplicando o direito conforme os representantes do povo assim o fizeram, independentemente das suas concordâncias pessoais; b) pedir exoneração do cargo, se elegerem no âmbito do Poder Legislativo para participar da formação do direito, e tentar modificar aquilo que não concordam.
Não há outra alternativa viável. Quaisquer outras ferem os mais basilares princípios democráticos do ordenamento jurídico brasileiro, assim como está disposto hoje.
Não adianta, portanto, perseguir objetivos esperados (planejar) por meio de instrumentos que não nos levarão a ele. Não é porque não concorda com determinada norma jurídica que não irá cumpri-la ou dar a ela interpretações diversas, com ares de jurídico para aquilo que é essencialmente político, ou vice-versa.
Esse pequeno relato foi motivado pela percepção de que as pessoas hoje, sejam representantes dos Poderes citados, sejam as pessoas que acabam analisando o que é feito nesses Poderes em relação, principalmente, a temas polêmicos e sensíveis como o aqui exemplificado, querem ter razão jurídica quando seus argumentos são essencialmente políticos, ou querem ter unanimidade legislativa quando a formação do poder marca exatamente a diversidade de opinião. O reflexo na sociedade é imediato, abastecendo discussões e brigas quando uma pessoa está a falar sobre morangos enquanto a outra discorda, mesmo tendo como pano de fundo sua noção sobre abacaxis. Não dá.

Advogado. Mestre em Direito Processual pela Universidade Federal do Espírito Santo
Professor universitário

Related Posts

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

EnglishPortugueseSpanish