Vitória


Após a triste notícia do acidente de trabalho, em uma das áreas da qual sou responsável, senti o desequilíbrio do cortisol e da adrenalina em meu corpo, retornei, sentei à mesa e comecei a assinar a documentação necessária para o andamento da investigação. Diante de algo tão inusitado e grave, eu simplesmente me perdi em um único pensamento sobre o meu passado, um pensamento que jamais quis recordar, contudo, com o olhar perdido para parede, revivi cada sensação daquela época.

Tudo começou com uma paixão avassaladora, daquelas que nos fazem acreditar em almas gêmeas. Ele era perfeito, divertido e bonito, tudo que eu precisava encontrar, para deixar para trás de uma vez aquela vida boêmia de solteira, sem compromissos. Nossos encontros eram cercados de humor e um amor que parecia infinito. Nos casamos, tivemos um filho lindo. Foi a realização de um sonho, nos apoiávamos em tudo.

Diante da traição mais cruel que sofri, eu recordei o dia que estava sentada como hoje, diante de uma parede branca, ao olhar para o nada, ainda elaborando uma estratégia para sair daquela situação terrível. Perdas na empresa e perdas na vida, apenas um imenso pesar.

Fiquei dilacerada, por ter que olhar nos olhos do meu filho e explicar o inaceitável. Eu estava ferida, com o coração partido ao vê-lo feliz ao lado da amante, uma jovem de dezessete anos, ambos foram viver perto da nossa casa, e ela ficou grávida, como eu estava, quando recebi a notícia do divórcio. Como explicar para uma criança que o seu pai foi embora e não voltaria mais? Como explicar que eu era culpada por amar e acreditar demais, talvez de forma exagerada? Como dizer a uma criança que perdi o seu irmão ou irmã por causa da dor e da falta de responsabilidade do seu pai? Enfim, como contar para uma criança que o seu pai, o seu herói, aquele homem que sempre foi o exemplo, deixou de amar a família?

Confesso que tive várias recaídas, noites sem dormir, lágrimas infinitas, sem comentar a insegurança, que me fazia duvidar do meu potencial. A casa em que morávamos não era nossa, passamos por dificuldades financeiras. Após tocar o fundo do poço, eu decidi parar de me ver como uma vítima. Escolhi lutar com unhas e dentes pelo que eu poderia ser e ter de melhor nessa vida. Consegui um emprego, voltei a estudar, fiz faculdade. Não posso dizer que eu estava feliz ou que foi fácil, pelo contrário, sobrevivi com pedaços de dignidade, passei por uma reconstrução gradativa. Precisei me descontruir, para então me criar de novo, com novas perspectivas e valores.

Trabalhei dia e noite, por várias vezes, não consegui colocar o meu filho para dormir. Persisti, e, os resultados vieram, a gratidão que senti foi imensurável. Comprei um apartamento, consegui um cargo em uma multinacional. Recuperei a paz e o meu valor, conquistei uma fé inabalável. Eu me tornei segura, obstinada e confiante. Conquistei o que parecia impossível quando estava presa na depressão. Descobri que nada para Deus é impossível.

Hoje, eu me coloquei em prova com tudo que já vivi, as sensações de impotência, os medos e a insegurança. Sinto que coisas boas virão, que tudo vai ficar bem. Aprendi a me amar de uma maneira única, suave e respeitosa. Aprendi que o tempo cura feridas e nos traz a oportunidade de sermos, o que precisamos ser, depende apenas do nosso posicionamento diante dos obstáculos. Sofrer é humano, mas vencer também é, e eu escolhi a vitória.

Autora: Silvia Vanderss
Livro: “Lances & Amor” (2022)
Título: Vitória
Arte: Thais Alves