Cultura

Primeiro Passo — Parte I

— Livi, acorde, ou irá se atrasar para a cerimônia na igreja! — gritou a minha avó, da cozinha.
Após ouvir os seus gritos, abri os meus olhos com dificuldade. Minha mente estava em um sonho tranquilo, que foi cortado. Aos poucos, a realidade me despertou para algo terrível, pois aquele seria o pior dia da minha vida, o dia do meu casamento. Não havia solução, qualquer caminho que eu seguisse iria ao encontro da infelicidade. Olhando para as telhas que cobriam o teto do quarto, refleti sobre quais possibilidades eu poderia ter, afinal, talvez tivessem consequências menos ruins.

A primeira delas, e a mais forte, a meu ver, era a minha idade. Como alguém poderia ser feliz se casando com 14 anos? Havia sonhos a realizar, pessoas para conhecer, amores para despertar, e descobrir, acima de tudo, quem eu realmente era. Meus pensamentos vagavam sem direção exata. Só de pensar em uma gravidez, eu sentia calafrios.
Quando criança, sonhei com um príncipe encantado vindo me buscar em seu cavalo branco. Mas jamais quis isso aos 14 anos. Passando pelo primeiro problema, havia o segundo, que dentro de mim feria como um punhal. O meu noivo era um homem de 28 anos. Sem o mínimo de educação, tratava a própria mãe com indiferença e ignorância. Se ele a tratava assim, imagine o que seria de mim? O tempo passava e o momento para a “forca” se aproximava. Enquanto isso, a minha avó não desistiu de gritar na cozinha, para que eu me apressasse.
Como se comportar nas núpcias com um homem de 28 anos, que vivia bêbado pelos bares, e cada semana ficava com uma mulher diferente? A única palavra gentil que eu ouvi dele foi a expressão “Dá para casar, é ajeitadinha”. Eis o segundo problema, mas tenho que expressar principalmente o terceiro, e acredito que este irá me perseguir para sempre.

É que estou loucamente apaixonada pelo irmão do meu noivo, e ele também gosta de mim. Pensamos em fugir, mas as ameaças são letais contra o nosso amor, a verdade é que não quero me casar, nem com um e nem com o outro, só queria ter a chance de viver um pouco mais livre e tomar decisões com amadurecimento. Entretanto, devo me levantar e seguir o curso normal da vida que me impuseram.
O meu vestido de noiva está aqui, ao lado da minha cama, diante dos meus olhos incrédulos. Ele é perfeito para uma noiva ansiosa em estar nos braços do seu amado. No entanto, eu não quero me levantar, eu não quero me vestir, nem mesmo me arrumar. Hoje eu só quero morrer, de verdade. Morrer no auge dos meus 14 anos.

Em minutos, alguém virá me chamar de novo. Em poucas horas, eu estarei na igreja, diante de uma cidade estagnada no século XVIII, seguindo para o altar, com lágrimas nos olhos e uma vasta escuridão em meu íntimo. Não vou culpar a Deus pelos devaneios humanos. Porém, como não proclamar a tristeza diante do fardo que será a minha vida?
— O que foi, vó? Já estou me levantando! — disse assustada, quando ela entrou no quarto, pois no lugar da porta existia somente um pano pendurado pelo barbante.
— Suas amigas estão aqui, Livi! Vieram ajudar você a se preparar para o grande dia da sua vida.

— Sério isso? Vó, eu não quero ajuda, pede… — Fui interrompida pelas minhas três melhores amigas, que invadiram o quarto e pularam na minha cama. Elas estavam eufóricas, como se o casamento fossem delas. Cantaram felizes, com um estado de ânimo que eu gostaria de ter. Levantei e mantive o silêncio da insatisfação. Não comi nada. Apenas permiti que me arrumassem. Entre maquiagem, cabelos e inúmeros grampos, imaginei aquele homem nojento me tocando, na noite de núpcias, justamente na noite que toda mulher projeta como sendo a mais importante. Para mim, seria nada mais do que o meu fim.

Quando terminaram, eu me olhei no espelho. Estava perfeita para um casamento perfeito. No entanto, o meu não era nada perfeito. O sentimento era de que meu coração me conduzia a um funeral. A minha avó e as minhas amigas cantavam alegremente ao me conduzir até a rua. Subi na charrete enfeitada por flores coloridas. A igreja era próxima da minha casa, e os meus familiares me acompanharam a pé pelas ruas de barro, com os seus melhores trajes.
O sol tocou o meu rosto, como um consolo. O incrível é que todos sabiam da minha tristeza e eles a negavam, como se fosse algo insignificante, como eu era. Abandonada pelos meus pais, fui criada pelos meus avós. Por isso, deram um jeito de conseguir um casamento arranjado, para se livrarem do estorvo que eu era. Na verdade, estavam convictos de que aquilo era o melhor. No caso, o melhor para eles.

Autor: Silvia Vanderss
Conto: Primeiro Passo — I
Palavras: 801
Livro: Lances & Amor
Arte: Thaís Alves
Silvia Vanderss

Silvia Vanderss

Autora capixaba, com formação em Administração e Letras Seis obras publicadas que abrangem os gêneros, romance, suspense e poesia Blog literário: www.silviavanderss.com.br

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