Cultura

A Casa de Pedra — Parte I

Naquele sábado, além do cinza, que foi unânime no amanhecer, havia uma pitada de mistério no ar. As crianças saíram e restaram apenas nós dois em casa, com um final de semana inteiro pela frente. Após alguns minutos admirando o frescor daquele dia de inverno, decidimos sair para passear, sem um destino certo. Aliás, não pensamos no destino, sul ou norte. Isso não importava, desde que estivéssemos juntos.
Sem rumo certo e com apenas uma muda de roupa na mochila, escolhemos o caminho que nos levaria ao oeste. Duas horas depois, chegamos às belas paisagens das montanhas. Visitamos vinhedos, provamos vinhos e queijos. Fomos felizes às margens de lagos emoldurados por folhagens deslumbrantes. Almoçamos em um restaurante rústico, à beira da estrada. Suas peças antigas chamavam a atenção, pela impecável conservação. Contudo, algum tempo depois, uma chuva nos surpreendeu em algum lugar da estrada. O tempo escureceu e uma densa neblina logo se formou.

O relógio marcava 17 horas. Estávamos a uma distância aproximada de mais de quatro horas de nossa casa. O tempo alterou os nossos planos e acabou de vez com as possibilidades de novos passeios. Pensamos em retornar, mas, devido à forte chuva e ao engarrafamento na estrada, o sinuoso caminho de volta se tornou realmente perigoso para uma direção noturna. Reduzimos a velocidade e começamos a procurar um hotel para ficarmos.
A visibilidade estava escassa e, após algum tempo dirigindo a 50km por hora, encontramos uma casa de pedra, bem na beira da estrada. Ela até parecia um castelo antigo. Porém, não possuía as mesmas dimensões. Não pensamos duas vezes e paramos o carro no estacionamento. Quando coloquei os meus pés no chão e olhei para cima, senti um arrepio a correr pelo meu corpo. E não foi o frio, pois eu estava bem agasalhada. Havia algo naquelas paredes, além das histórias presenciadas por elas.

— Amor, será que não teria outro lugar sem ser esse? — perguntei.
— Acho bom ficarmos aqui. Está arriscado dirigir nesta neblina, sem visibilidade alguma na estrada. Graças a Deus que encontramos este lugar. — disse ele, ao pôr nossa mochila na cabeça para nos proteger da chuva fina que caía.
— Tudo bem. Então, vamos lá. — Minha intuição quis me prender naquele carro.
Na recepção, um simpático senhor de cabelos brancos nos recebeu, com um sorriso acolhedor. Pedro ficou com ele para resolver a burocracia do cadastro. Sem perceber, e distraída com a decoração bucólica do local, eu me afastei deles, viajando no tempo em meio às peças antigas. Eram quadros, estátuas, tapetes, enfim, uma infinidade de objetos intrigantes. Era como se nós tivéssemos viajado alguns séculos no tempo, no mínimo uns 300 anos atrás. Fiquei maravilhada. Apesar da simplicidade, havia vida em cada peça. Histórias perdidas, que se contavam sozinhas.

Na escada, um tapete vermelho cobria do chão até o andar mais alto. Os quartos eram no andar superior. Embaixo havia apenas a recepção e um grande salão, que se assemelhava a um museu. O senhor nos avisou que não havia funcionários no local. Apenas ele e a esposa cuidavam de tudo. Por isso não havia nem mesmo um restaurante, apenas quartos para pernoite. Diante das circunstâncias climáticas, não reclamamos, afinal, até tínhamos alimentos na mochila. Eu e Pedro subimos para o nosso quarto.
Quando terminamos de subir a escada, nós dois olhamos à frente e soltamos um suspiro profundo. Era um corredor imenso, com mais de 50 quartos de um lado a outro. O tapete vermelho seguia por todo o comprimento do corredor. Castiçais antigos e estátuas de seres humanos e de animais enfeitavam cada metro do local.

Autora: Silvia Vanderss
Palavras: 768
Livro: O Medo
Conto: A Casa de Pedra — Parte I
Arte: Thaís Alves

O vento soprava e causava um ruído desagradável. O lugar parecia vazio, não havia outros hóspedes. Seguimos para o nosso quarto, o de número 19. Cada detalhe da decoração nos causava medo. E dentro do quarto não foi diferente: diante de nós, surgiram móveis antigos e um quadro que retratava uma paisagem do campo. Fui ver o banheiro, e dentro dele havia um pequeno corredor, com uma estátua de um homem nu, próxima ao lavabo. Nunca fui supersticiosa, mas, diante de tudo aquilo, eu me senti incomodada. Tinha a nítida impressão de que estávamos sendo vigiados.

— Amor, está confortável aqui? — indaguei, com um semblante nada agradável.
— Sim. É estranho, mas é só por uma noite. Amanhã cedo partimos e tomamos café na estrada.
— Amor, não gostei daqui. Acho que não vou conseguir dormir! — respondi com um tom de voz amedrontado.
— Bobeira sua. Estamos cansados, vai dormir rapidinho.
Ele me abraçou com tanta ternura, que me fez esquecer os meus medos. Pressenti que a minha noite não seria tão agradável quanto a dele.

Silvia Vanderss

Silvia Vanderss

Autora capixaba, com formação em Administração e Letras Seis obras publicadas que abrangem os gêneros, romance, suspense e poesia Blog literário: www.silviavanderss.com.br

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