Comportamento & Equilíbrio

Pai, genitor, padrasto, avô, tio, e suas Crianças — Parte I

Não é o título dado por uma convenção de regras sociais. É o exercício da Função de Pai que importa para a Criança e para seu desenvolvimento saudável

A figura masculina com laços afetivos tem uma enorme importância na Formação da identidade e do caráter de uma Criança. As funções que ela deve exercer são fundamentais para essa Formação. Funções são diferentes de títulos. Receber um título pela ordem genealógica é tão somente um esboço da organização social. A função é alimentada pelo afeto, independente da localização daquela figura na árvore genealógica.
Na já costumeira confusão de línguas, conceito do psicanalista Ferenczi que joga luz sobre as distorções semânticas que causam confusão e, por vezes, inversão de significado. Intencionais para a obtenção de uma manipulação de terminologia, ela é constatada, frequentemente, na tentativa, muitas vezes, exitosa do acobertamento da prática do incesto com Crianças. Essa é uma explicação simplificada desse interessante conceito psicanalítico que muito nos auxilia na compreensão de fenômenos afetivos de comunicação em quadros psicopatológicos mais difíceis de lidar.

Em Psicanálise, muito vem sendo estudado sobre o Pai. Esse conceito de “pai” faz parte, inclusive, de uma Teoria Psicanalítica de muita repercussão e consequência. “O Nome do Pai”, definido por Lacan, trouxe uma compreensão muito interessante para as questões dos imagos parentais.
Muitos são os teóricos que se debruçaram sobre o “pai” enquanto Função. Não é o título dado por uma convenção de regras sociais. É o exercício da Função de Pai que importa para a Criança e para seu desenvolvimento saudável.

Enquanto o Título de Pai traz a autoridade, a posse, o “eu sou seu pai”, a Função traz muitos verbos de ação recheados de afeto: cuidar, respeitar, ajudar, amar, amparar, proteger, garantir o bem-estar, respaldar a mãe, etc., etc., etc. O Título de Pai vem de fora para dentro, mas a Função de Pai vem da construção interna em sintonia com a Criança e a Mãe, incluída na busca pelas melhores condições de crescimento do bebê.

Com importâncias distintas, tanto quantitativa quanto qualitativamente, Mãe e Pai são fundamentais para o crescimento da Criança. No entanto, é preciso entender que, por título, não adianta nada. Ou seja, tanto a mãe quanto o pai têm que exercer suas respectivas funções junto à Criança. Função mãe é diferente de função pai. O cuidar da mãe é distinto do cuidar do pai. Isso não é um problema, é uma extensão de cuidado.

(Foto: Pixabay)

Mas nem todos os pais são capazes de exercer a Função Paterna. A relação pai-bebê precisa ser construída dia a dia. A mãe tem como facilitador a relação estabelecida durante todo o período de vida intrauterina. No entanto, sabemos, porque constatamos, que nem todas as mulheres deveriam se tornar mães. Existem mulheres que fazem da maternidade um instrumento de comportamentos inadequados para a Maternagem. Dedicaremos, a seguir, uma série de artigos sobre a Função Materna.

Para pensar no termo pai, derivados e correlatos, faz-se necessário refletir sobre o fato que o pai é apenas o genitor. Quando esse indivíduo não consegue construir e praticar os verbos cuidar, amparar, proteger, se doar, respeitar, respaldar a mãe, e usa o título como uma reivindicação de posse e direitos seus, atropelando os direitos do filho, da filha. E mais, esse indivíduo vê na vulnerabilidade do filho ou filha, a oportunidade de sentir o prazer de um Poder que lhe parece absoluto. Esvazia a possibilidade de doar afeto em suas diversas formas, objetificando o bebê para exercer Poder. Encontramos nessa área os comportamentos abusivos, a violência física, o abuso sexual.

É espantoso que não se compreenda que genitor não é pai. Aquele que abusa sexualmente do filho ou filha, ou que espanca a Criança e/ou a mãe, está na classificação de genitor, mas Operadores de Justiça fazem uma confusão de línguas e insistem em obrigar a Criança a conviver com seu agressor. É genitor aquele que pratica violência doméstica contra a mãe. Bater na mãe é bater na família. Quantas Crianças já foram assassinadas por esses genitores? Quantas Crianças estão sendo esmagadas a cada visita obrigatória? Por que seguir um dogma sem fundamentação e predador de que “pai é pai” se não são pais?
Quantas vezes já foi escrito “batia na mãe, mas ainda não bateu na Criança”.

Quantas vezes esses mesmos indivíduos passaram a bater na Criança. Não é muito difícil raciocinar que, pela incapacidade afetiva, os filhos são vistos e tratados por genitores como “extensões” da ex-mulher.
Para alguém que só contribuiu com um gene e que transforma o bebê em objeto de prazer por uma sensação secreta de onipotência, falta responsabilidade social a quem decide entregar, sob um manto de uma lei viciada em sua essência, essa Criança a esse predador.

Para a Criança que é judicialmente oprimida resta a desesperança, o descrédito nos adultos, o desprezo pelas instituições que ela acreditou que iriam protegê-la. O choro de Crianças que sentem essa dor da desesperança no outro precisaria ser escutado por todos. Mas, o segredo de justiça oculta agressores de Crianças. Ninguém imagina que essas Crianças estão totalmente expostas ao olhar social e aos comentários maldosos relativos à ausência de sua mãe em todas as ocasiões. “Se o juiz tirou a mãe, alguma coisa muito grave ela fez”. Sim, ela denunciou abuso sexual praticado pelo genitor. As mães que são alcunhadas de “alienadoras” são completamente alienadas da vida de seus filhos. Sem ter uma explicação, eles passam a infância, publicamente envergonhados e humilhados, por um aparente abandono da mãe. Isso importa para você?

Ana Maria Iencarelli

Ana Maria Iencarelli

Psicanalista Clínica, especializada no atendimento a Crianças e Adolescentes. Presidente da ONG Vozes de Anjos.

Related Posts

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

EnglishPortugueseSpanish