Não se pode cometer uma ilegalidade para reprimir outra
Hoje eu quero falar da situação envolvendo o ministro Alexandre de Moraes, que foi vítima de ofensas morais no Aeroporto de Roma, enquanto embarcava para o Brasil. Em primeiro lugar, quero externar meu sentimento de repúdio contra essa atitude praticada em desfavor do ministro, pois nem ele, nem seu familiar, nem qualquer ser humano merece ser vítima de violência moral ou física, ainda que o autor da agressão discorde da atuação da vítima, enquanto juiz da Suprema Corte.
Nos últimos tempos muitas pessoas têm reclamado da atuação do Supremo Tribunal Federal, alegando arbitrariedades por parte dos ministros da Corte Maior. Se existe razão ou não para esse descontentamento, não emitirei juízo de valor.
Ainda que os atos praticados pelos manifestantes consistam em hostilidades graves e reprováveis, os fatos devem ser estudados à luz do Direito vigente, sob pena de se cometer ilegalidades.
Ademais, não se pode cometer uma ilegalidade para reprimir outra, pois isso torna criminoso tanto o autor, quanto o repressor da agressão. Inicialmente, cabe citar que os fatos ocorreram no Aeroporto de Roma, portanto, fora do território nacional.
Se o local dos fatos não está compreendido como parte do território nacional, a Lei Brasileira só poderá ser aplicada através do Princípio da Extraterritorialidade.
A Extraterritorialidade da Lei Penal Brasileira está prevista no Código Penal, que diz: “Extraterritorialidade”
Art. 7º – Ficam sujeitos à lei brasileira, embora cometidos no estrangeiro:
II – os crimes:
b) praticados por brasileiro;
§ 2º – Nos casos do inciso II, a aplicação da lei brasileira depende do concurso das seguintes condições:
a) entrar o agente no território nacional;
b) ser o fato punível também no país em que foi praticado;
c) estar o crime incluído entre aqueles pelos quais a lei brasileira autoriza a extradição …”.
No caso em análise não resta dúvida de que os atos foram praticados no Aeroporto de Roma, portanto, foram cometidos no estrangeiro, por brasileiros. O § 2º do art. 7º, fala que nos casos do inciso II, é necessário o concurso, ou seja, a soma, das condições elencadas nas alíneas do referido parágrafo. Nesse ponto eu quero chamar a atenção para a condicionante descrita na alínea c, que descreve ser necessário: “estar o crime incluído entre aqueles pelos quais a lei brasileira autoriza a extradição”, princípio da não extradição de estrangeiro por crime político e de opinião está previsto na Constituição Federal, Artigo 5º, que externa: “LII – não será concedida extradição de estrangeiro por crime político ou de opinião”.
Portanto, ao contrário sensu, se o crime, em tese, praticado no exterior, estiver incluído entre aqueles que a Lei Brasileira proíbe a extradição, não será possível aplicar a Lei Brasileira para punir o autor, nem mesmo para apurar o fato, pois, quem não pode o mais, que é punir, não pode o menos, que é investigar.
Com a explanação feita acima, fica evidente a necessidade de se investigar quais crimes a Lei Brasileira não autoriza a extradição. Essa resposta pode ser encontrada na novíssima Lei n.º 13.445/2017 – Lei de Imigração, que estabelece:
“Art. 82. Não se concederá a extradição quando:
VII – o fato constituir crime político ou de opinião;
IV – a lei brasileira impuser ao crime pena de prisão inferior a 2 (dois) anos;”
A Lei n.º 13.445/2017 foi regulamentada pelo Decreto n.º 9.199/2017, que na mesma linha, declara:“Art. 267. A extradição não será concedida quando: VII – o fato constituir crime político ou de opinião”.
O CERS CUROS ON LINE classifica o crime de opinião ou de palavra como sendo aquele praticado por meio de abuso da liberdade de expressão (injúria, calúnia, difamação, apologia de crime ou criminoso).
Pelos relatos obtidos através da imprensa nacional, parece que nem mesmo crime de calúnia foi praticado, pois esse delito está previsto no Código Penal:
“Art. 138 – Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime:
Pena – detenção, de seis meses a dois anos, e multa”.
Este é o único crime de palavra que poderia ser atribuído aos pretensos autores, que tem pena máxima de 2 (dois) anos de prisão, já que Difamação e Injúria têm penas menores do que 2 (dois) anos. Portanto, não atendem à exigência do art. 82, inciso IV, da Lei 13.445/2017.
Palavrões, xingamentos e insultos não constituem calúnia, e pelo que foi noticiado, nenhum fato criminoso específico foi imputado ao ilustre ministro do STF. Sendo assim, a instauração de qualquer expediente criminal é abusiva e não pode prosperar, porque o nosso Direito Penal não pode ser aplicado ao fato ocorrido em Roma, por não estarem presentes as condições necessárias para a extraterritorialidade da Lei Brasileira.
Na próxima edição vou falar sobre a ilegalidade da busca e apreensão expedida com base nas investigações do fato ocorrido no Aeroporto de Roma.