Internacional

FIDESZ e a democracia húngara

Imagem do primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán, projetada em Budapeste, atrás do cordão de segurança, com manifestantes a insultá-lo

Após a queda do muro de Berlim, a empresa estadunidense “General Electric” veiculou um comercial onde uma mulher idosa dançava valsa em um grande baile e dizia sentir- se jovem novamente. A ideia era de que a Hungria, um país que desafiou os ocupantes soviéticos na Guerra Fria, estava pronta para abraçar a liberdade e a democracia. Tal comercial não seria cabível atualmente, 30 anos depois.

A revolução
Não seria coerente tentar compreender a situação da democracia húngara sem estudar a fundo a Revolução Húngara de 1956, a democratização da nação pós-Guerra Fria e o papel de Viktor Orbán e de seu partido FIDEZS em usurpar as instituições democráticas da Hungria em prol da tentativa (ainda em andamento) de criar um governo autocrático.
Popularizada no mundo pela canção anticomunista italiana “Avanti ragazzi di Buda”, a revolta, que durou de 23 de junho até 11 de novembro de 1956, foi importante para, após a dominação soviética, inserir valores democráticos na cultura húngara.

A revolta começou através de um processo estudantil, onde marcharam, conquistando milhares de pessoas no percurso do centro da capital Budapeste até o parlamento húngaro. Os pedestres eram convocados por uma van com autofalantes. Neste mesmo percurso, um grupo de estudantes foi detido enquanto tentava invadir uma rádio para veicular as demandas estudantis, que incluíam, dentre outras, eleições gerais com sufrágio universal, evacuação das tropas soviéticas, reexaminar a economia planificada e a remoção da estátua do ditador Joseph Stalin. Após essa detenção, delegações de estudantes, que protestavam pela libertação dos presos políticos, foram baleados pela Polícia de Proteção ao Estado. Enquanto as notícias se espalhavam, a revolta e a violência generalizadas seguiam o mesmo caminho.

Enquanto o governo colapsava, milícias eram formadas para lutar contra as tropas soviéticas, incidentes onde o exército vermelho praticou muitas atrocidades. O novo governo de Imre Nagy tinha o objetivo de deixar o Pacto de Varsóvia e estabelecer eleições livres.
Apesar de aparentemente estarem dispostos a negociar a paz, o Politburo mudou de ideia e decidiu esmagar a revolução, matando dois mil e quinhentos húngaros e fazendo outros duzentos mil se tornarem refugiados, terminando a guerra e mantendo o poder no país.

Em 1989 a Hungria fez sua transição para a democracia, após mais de quatro décadas de uma ditadura socialista. Os húngaros conseguiriam criar um governo que teria eleições livres e justas, focado em unir a população do país pela bandeira da democracia. Não há apenas um claro motivo pelo qual essa transição ocorreu, mas várias razões que contribuíram para ela. Sobre isso, Margit Williams escreve em 1997 que, “Na Hungria havia uma evolução gradual através de mais pluralismo nas esferas econômica, social e política, com nenhum evento obviamente identificável indicando o início desta transição”.

Nova democracia
Como a transição para a democracia neste país foi relativamente moderada em comparação com outros países do Pacto de Varsóvia, os fatores que contribuem para a transição tendem a ser sutis. Três grandes fatores são o enfraquecimento da União Soviética, com o qual o declínio do comunismo se manifestou na Hungria por confusão sobre os cargos no Partido Comunista, que acabou com Kádár sendo substituído por Károly Grósz, que foi ineficaz para conter aqueles do partido que queriam uma sociedade mais liberalizada, o que permitiu que a oposição democrática pudesse crescer e eventualmente desafiar o governo; a influência de outras nações, da qual a Polônia teve um grande papel, não fornecendo assistência, mas tendo estabelecido um plano básico para uma transição democrática pacifica que a Hungria poderia emular e a negociação entre governo e oposição, onde, segundo Alan Renwick, os comunistas foram forçados pelo fim da mesa-redonda de negociações a aceitar uma instituição com poucos poderes.

Novo partido
O Partido, nomeado de Aliança de Jovens democratas, com a abreviação na língua húngara de FIDESZ, foi criado na primavera de 1988 por membros de movimentos liberais estudantis, que se opunham ao governo comunista.
Nas eleições de 1990 o partido ganhou aproximadamente 6% dos votos, se tornando um partido de oposição pequeno, se juntando a Internacional Liberal em 1992, se identificando como um partido de centro, o qual foi descrito por Florence La Bruyère como liberal de esquerda.

Em um congresso partidário feito em 1993, o partido mudou sua posição política para “centrismo cívico”, elegendo Viktor Orbán como líder do partido. E após um péssimo resultado eleitoral em 1994, o partido continuou na oposição, porém cada vez mais conservador.

O primeiro governo Orbán
Em 1998, Orbán teve sucesso em formar uma coalizão com o Fórum Democrático Húngaro e com o Partido Independente dos Pequenos Proprietários e ganhar as eleições com 42% dos votos, se tornando primeiro-ministro. A coalizão teve um governo considerado relativamente convencional, de ideologia conservadora europeia.

Atuando na oposição
Orbán perdeu as eleições de 2002 por uma pequena margem de 0.98% e imediatamente acusou os socialistas (partido que saiu vitorioso) de fraude eleitoral. O interregnum entre 2002 e 2010, quando o FIDESZ voltou ao poder, parece ter sido um período de aprendizagem para Orbán e seus aliados, porém as lições aprendidas foram sobre poder e não sobre política.

A Hungria sofreu muito com a crise de 2008, com a solução sendo procurar o Fundo Monetário Internacional, o que levou o país a implementar um programa de austeridade que foi bem impopular. Isso foi visto como uma oportunidade pelo FIDESZ, e tiveram sucesso em concorrer nas eleições de 2010 com uma plataforma crítica aos grandes negócios e à União Europeia. Orbán também já incorporava um discurso que ficaria conhecido na alt right surgida nesta década, um discurso onde dizia aos eleitores que os ajudaria a ter seu país de volta. Essa foi a primeira vez que o atual primeiro-ministro incorporou no discurso o que viria a ser sua marca: o populismo autocrático.

Dias atuais
Após a vitória em 2010, Orbán começou seus esforços para controlar a mídia. Seu governo estabeleceu uma comissão que multava jornalistas por vagos ataques na ‘dignidade humana’. O primeiro-ministro colocou membros leais do partido nas chefias dos meios de comunicação apoiados pelo governo. O FIDESZ impôs regulações na mídia crítica ao governo, enquanto dava regalias para aquela que o apoiava.

Não foi só na regulação da mídia que Orbán perseguiu seus desejos autoritários. Em 2012 ele empurrou ao parlamento uma nova constituição, que reformava o sistema eleitoral com um gerrymandering que pode ser considerado, no mínimo, criativo. Ele também, dentre outras coisas, revisou o sistema judicial, criando o Gabinete de Justiça Nacional, onde poderia indicar juízes leais a ele e ao partido.

A política do governante húngaro continuou com mais passos institucionais para consolidar seu poder. Ele começou a adotar os problemas apresentados pelo partido de extrema-direita Jobbik que, depois de 2014, resolveu se tornar moderado, entrando para a oposição ao governo Orbán, que tinha um foco antissemita, os considerando uma ameaça política. Em 2015, o primeiro-ministro declarou que iria construir um muro de 160 quilômetros na fronteira húngara para evitar os refugiados, se referindo a eles por termos xenofóbicos como estupradores, criminosos e terroristas.

Citando o jornalista William Danvers “A democracia só funciona se for apoiada pela população. Seu fim pode não vir por uma insurreição violenta ou guerra civil. Pode vir por uma forma gradual, minando as instituições mediante meios legais e constitucionais existentes”.

Destarte, fica claro como o protoditador Viktor Orbán, com seu partido FIDESZ, está matando a democracia por dentro, via censura e aparelhamento de instituições, enquanto mantém um apoio considerável da população.

Erik Zannon

Erik Zannon

Erik Zannon Graduando em Relações Internacionais, quinto período, Multivix

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