Proposta de Reforma do Código Civil, copiar e colar — Parte IV
A impunidade dos infratores é o atestado da falência de toda uma sociedade
Essa proposta de Reforma do Código Civil, no que tange as questões de Família, em tom autoritário, ditatorial, em leito misógino, tem a lei de alienação parental embutida sem nomeá-la em nenhum momento, em camuflagem, criminalizando a maternidade. Não precisa de muito esforço para ler essa intenção contra a mulher, como uma marca d’água, em todos os artigos sugeridos na parte de Direito de Família.
Além do desprezo e desrespeito proposto às leis 10.241/1999 e 10.216/2001, que rezam a autodecisão por tratamentos em geral e pelo tratamento psiquiátrico, ambos considerados como sendo da ordem da decisão do juiz, sem que isso seja embasado em qualquer fundamentação teórica da Psicologia e da Psiquiatria, também as Exceções à lei 13.058/2014, ditatorial também, da obrigatoriedade total da Guarda Compartilhada, em qualquer, eu disse qualquer, tipo de situação resultante de separação. Diante de tantas injustiças com as Crianças, foram determinadas, em 2023, Exceções a essa lei, a violência doméstica e a violência sexual. O risco de continuidade de ocorrência é o suficiente para o impedimento da obrigatoriedade da Guarda Compartilhada, passando à Guarda Unilateral atribuída ao genitor/a não agressor. A lei 14.713/2023 regulamentou, portanto, essas exceções quando violência doméstica ou familiar, muito bem tipificadas, em suas cinco formas de violência, pela Lei Maria da Penha, 11.340/2006.
Essa proposta de reforma do Código Civil parece ressuscitar o conceito da Guarda Compartilhada em qualquer condição, sob qualquer regime imposto por um agressor, anulando a Voz da Criança, que deveria ser tratada como Sujeito de Direito que é, e a existência de Medida Protetiva por violência praticada. Essa prerrogativa trazida pela Lei Maria da Penha para proteger a Mulher/Mãe é, literalmente, atropelada pela crença de que será benéfico para a Criança ver os pais se encontrando nas entregas e recebimentos da Criança. Ou seja, enganando a Criança para que ela acredite que “os pais não brigam mais”. Já escutei isso de uma desembargadora, ao vivo. Não há a menor preocupação com o enorme custo emocional gasto nesse “teatrinho” de sofrimento. Alguém pensa que Criança não percebe, não sente, não entende? Por vezes, dá a impressão que alguns juízos acreditam que obrigando a Criança a conviver com um genitor agressor vai ser produzido amor do filho por esse genitor de quem ele tem medo, nojo, e, repulsa. Essa era a crença do médico que inventou a alienação parental, camuflada nessa proposta em pauta. Ele afirmava que a “naturalização” dos atos de abusos sexuais, por exposição repetida de vídeos desses atos, seria a essência do tratamento psicoterapêutico.
A desculpa para não escutar a Voz da Criança é que seria pesado para ela. Como se não fosse pesado assistir aos espancamentos da mãe pelo genitor, nem tampouco pesado ser alvo de abusos sexuais perpetrados pelo próprio genitor contra seu corpo infantil. O peso é somente quando a Criança, muitas vezes, já quase ou mesmo adolescente, relata as atrocidades sexuais vividas sob a autoridade daquele genitor, afirmando que não quer conviver com o genitor.
Quando escrevia esse texto, recebi a notícia da morte de um grande, e querido amigo. A morte, mesmo as anunciadas por doenças, nos sacodem. Vivemos diante dela momentos de intensa impotência. Nada podemos quando ela se impõe. Dói pensar que não vou mais sentar com ele e a esposa para jogar conversa fora, para rir, e falar sério, tudo regado a vinhos dourados que ele garimpava com excelência para mim. E tomávamos todos juntos. Momentos deliciosos. Findaram, mas ficaram em mim.
Coincidentemente, vi uma entrevista com a mãe e a avó da Isabella Nardoni. E a morte voltou a dançar em minha mente. O genitor está saindo da prisão por esses dias. A madrasta já cumpre pena domiciliar há bastante tempo. Os dois mataram a Isabella, na presença dos dois filhos menores, e a jogaram pela rede de proteção de uma janela do apartamento, para tentar enganar que tinha sido a própria Criança, com cinco anos à época, que teria cortado a rede de grossos fios e se jogado do 6º andar. Sempre tem alguém que vê a Criança como uma “debiloide”. Essas três mulheres, Isabella, sua mãe e sua avó, denunciavam um tempo partido, e, como que congelado na dor já esmaecida, mas dor permanente.
Então lembrei da mãe da Joanna, que até hoje não teve ao menos parte de sua dignidade restaurada com o julgamento do genitor e da madrasta. Foi em 2010. Lembrei também da mãe da Mariah e do Lucas, a mãe da Giovanna, a mãe do Miguel, a mãe do Pedro, a mãe da Paloma, e tantas outras Crianças, centenas, milhares, assassinadas dentro da família. As filhas da Viviane, Juíza assassinada pelo genitor de suas filhas, que a tudo assistiram. A impunidade desses autores é o atestado da falência de toda uma sociedade.
Como conceber um sistema punitivo de regramento jurídico, que só acontece se a comoção social for muito grande, que já prevê prêmios por “bom comportamento”, pela leitura de um livro, ou por uma ocupação dentro do presídio? O “bom comportamento” é obrigação, não? Só tem obrigação para mães acusadas de cometerem os falaciosos “atos de alienação”? Ler um livro é que tipo de critério nesse contexto?
Esses critérios de premiação para apenados permitem que os condenados por crimes hediondos, mesmo que ainda não sejam assim denominados, comecem a usufruir das saidinhas em dias comemorativos. Pergunto: um criminoso desse tipo que matou o próprio filho ou filha ganha o benefício de comemorar o dia das mães ou o dia da Criança. Mas as Crianças assassinadas não voltam para passar o dia das mães com suas mães. É justo?