O Umbigo, a marca dada pela Mulher/Mãe, e, só por ela — Parte I
O umbigo é o começo e a sedimentação do dois, não do um. Olhar para o próprio umbigo é se remeter a essa experiência de diálogo direto, silencioso, mas contínuo e profundo
O Umbigo. Impressão concreta e incontestável da Humanidade. Sem nenhuma função depois que cicatriza. Sem nenhuma importância após a gestação daquela Mulher que começa a ser mãe através do cordão umbilical do filho. Não o conhece, nunca o viu, mas empresta, compulsoriamente, vida para ele.
É a Mulher que marca todos os corpos. Absolutamente, todos, mulheres, homens e todas as variações possíveis. Mesmo em se considerando que esse processo de construção de uma nova pessoa veio de uma conjunção homem-mulher, este é o sinal universal, e único, de que uma Mulher sustentou cada um de nós, para nos dar à luz. Interessante essa expressão: dar à luz. Saímos de um escuro, de uma subtração quase total de som e luz, que dura o tempo, pelo menos mínimo, para que possamos, com muito esforço, responder às luzes do mundo, que são muitas para um ser ainda tão precário, imerso em muitas incompletudes.
A dependência absoluta é um fato. A única comunicação para a sobrevivência durante esse primeiro tempo de crescimento intrauterino, era a nutrição ininterrupta pelo cordão. As demais condições que proporcionavam uma segurança eram mantidas estáveis ou, quando se alteravam, os processos adaptativos iam se desdobrando. Os demais estímulos, advindos das condições da gestante, medo, alteração de pressão arterial, falta de nutrição suficiente, também acionavam esses processos adaptativos. O medo sentido pela gestante é um patrocinador de instabilidades diversas do ser em formação.
Esta é a primeira relação afetiva com o outro que temos. E é assentada na sobrevivência, na vida ou na morte. Relação de conexão direta, anterior à linguagem porque tem uma linguagem intrínseca. Uma linguagem orgânica que só é compreendida pela dupla, de maneira não consciente, mas que concretiza as necessidades de cada momento.
A intimidade entre essas duas pessoas é de grau máximo. Não existirá na vida nem de uma, nem da outra, uma experiência de proximidade similar. E, menos ainda, uma proximidade maior com outra situação relacional. Dialogar sem falar, disponibilizar as melhores energias corporais para trocar com o ser em formação que retribuirá em progressos adquiridos.
No entanto, mesmo que a Ciência traga imagens, medidas precisas feitas através do ventre da Mulher, essas coisas inexplicáveis, diria, que beiram mistérios, não são alcançados. É, essencialmente, uma experiência secreta. Para a gestante, que se volta para dentro de sua barriga, o mundo perde um pouco a luminosidade, o interesse. Ficar alisando a barriga é bem melhor. Para o ser em formação é uma vivência que se perde em seu inconsciente corporal, seus registros são irrecuperáveis, porque não há sinapses em funcionamento que proporcionem um mínimo armazenamento resgatável. Arrisco dizer, entretanto, que devem estar lá.
Por que deformamos esta, que é a experiência prima por excelência de comunhão, para designar o egoísmo? Essa é uma experiência, totalmente, a dois. Denominamos pessoas extremamente egoístas como aquelas que “só olham para o próprio umbigo”. Quando, na verdade, estamos nos referindo a uma experiência de comunhão extensa entre duas pessoas. O Umbigo é o começo e a sedimentação do dois, não do um. Olhar para o próprio umbigo é se remeter a essa experiência de diálogo direto, silencioso, mas contínuo e profundo.
Entendo que esse desvio de rota está apoiado no que falaremos na próxima semana, na raiva, na inveja, no sentimento de exclusão daquela dupla, por ser esse um ponto inalcançável às pessoas não mulheres, a particularidade única que antecede a vivência da maternidade. Caracterizar essa grandeza da Natureza como uma coisa desvalorizante, um ponto negativo, desqualificante, o egoísmo, aponta para o negacionismo da experiência, única e universal, construída pelo cordão umbilical. Ele é a ligação, a mais forte e resistente, que permite dar à luz um novo Ser.
Sabemos que nem sempre é suportável, principalmente para alguns, tomarmos consciência dessa união única. E apenas admirarmos. Também tivemos. Ao olharmos para nosso próprio Umbigo deveríamos nos encher de bem estar pelo período em que ele tinha a função de nos manter vivos, deveríamos tentar imaginar a comunhão vivida de sermos dois, permitida pela capacidade de doação de uma Mulher.