Religião

A Igreja Católica e a pena de morte

Por Oswaldo Viana Jr.

Segundo uma fonte bem posicionada no Vaticano, um dos maiores dramas do pontificado do papa Francisco envolveu a determinação do pontífice de alterar o Catecismo da Igreja Católica, tornando a pena de morte um ato intrinsecamente maligno — uma coisa que, em hipótese alguma, pode ser tolerada.
Após longas discussões, em agosto de 2018, o parágrafo 2267 do Catecismo passou a declarar a “inadmissibilidade” da pena de morte — um termo forte, mas sem significado teológico preciso. Finalmente, em abril de 2024, o Dicastério para a Doutrina da Fé publicou a Declaração Dignitas Infinita, na qual se lê que a pena de morte “viola a dignidade inalienável de cada pessoa”.
A Dignitas Infinita menciona o documento Gaudium et Spes, do Concílio Vaticano II, que nomeia os crimes contra a dignidade humana: “todas as ofensas contra a própria vida, como assassinato, genocídio, aborto, eutanásia e suicídio deliberado; todas as violações da integridade da pessoa humana, como mutilação, tortura física e mental […]”.

Então, quando a Dignitas Infinita afirma que a pena de morte é um ato intrinsecamente mau, estaria ela fazendo um movimento furtivo, visando atingir o objetivo que o Papa não conseguiu em sua proposta de revisão do Catecismo?
Eu não sou nem um pouco fã da pena de morte. Mas afirmar que ela é “intrinsecamente má” é afirmar que toda a Tradição da Igreja, desde pelo menos Santo Agostinho (354-430) até ontem, errou em algo de tão grave significado moral.

É também afirmar que a Bíblia ensina falsamente, por exemplo, em Romanos 13:3-4: “porque os governantes não são um terror para os bons, mas para os maus… pois [o governante] não traz a espada em vão; é servo de Deus para executar a sua ira sobre o malfeitor”.

Essas mudanças recentes parecem constituir aquilo que o grande teórico do desenvolvimento doutrinário, o cardeal S. John Henry Newman (1801-1890), chamou de “corrupção doutrinária” — um perigo onipresente na Igreja. Uma vez que a Dignitas Infinita resultou de um processo editorial um tanto instável (como reconheceu no prefácio do documento o cardeal Victor Fernández), não está claro se a nova abordagem doutrinária é resultado de um desleixo editorial ou se é uma ruptura intencional — ainda que furtiva — com a Revelação e a Tradição.

Esta última opção é sugerida pelo fato de que, na última década, certas ambiguidades foram empregadas para atingir alguns fins que o atual pontificado não poderia atingir por outros meios, como a Sagrada Comunhão para católicos em uniões irregulares, ou bênçãos para católicos em uniões homossexuais. Tudo isso ressalta a questão fundamental na Igreja em nossos dias: a Revelação divina, incorporada nas Escrituras e na Tradição, é real e tem autoridade vinculativa ao longo do tempo? Ou as verdades da Revelação, mediadas por dois milênios de tradição, podem ser modificadas pela experiência e sensibilidade humanas contemporâneas?

*Tradução adaptada do texto original por George Weigel, publicado em:
https://www.firstthings.com/web-exclusives/2024/06/rupture-by-stealth

Oswaldo Viana Jr.
Historiador formado pela Universidade Federal Fluminense (UFF), autor do livro “Deus na escola pública: a polêmica do ensino religioso no Brasil (2024, 2ª ed.)

https://oswaldoviana.substack.com

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