Comportamento & Equilíbrio

As Macroviolências Sociais contra Crianças e Mulheres — Parte I

Se temos uma boa lei que combate cinco tipos de violência contra a mulher, a Lei Maria da Penha, elogiada e copiada por vários países como de excelência, por que será que ocorrem quatro feminicídios a cada 24 horas?

Temos nos dedicado à observação da inundação de violência intrafamiliar contra a Criança e a Mulher. Os índices são estarrecedores. E crescentes. Parece que caminhamos rumo à banalização, apesar de termos boas leis de Proteção. Este é um primeiro ponto muito interessante para uma reflexão.
Se temos uma boa lei que combate cinco tipos de violência contra a mulher, a Lei Maria da Penha, lei 11.230/2006, elogiada e copiada por vários países como de excelência, por que será que ocorrem quatro Feminicídios a cada 24 horas? Por que Crianças continuam na cena do crime, assistindo e acompanhando toda a escalada da violência contra suas mães? Onde se esconde o ECA?

E o que diríamos da mortandade de Crianças e Adolescentes, assassinados pelas “balas achadas”, nos combates de guerras entre facções, entre facções e milicianos, entre forças policiais e milicianos e facções. É uma espécie de tabuleiro de xadrez, mas com a diferença que é altamente letal. Mas, se tem tanta bala para todos esses exércitos das diversas organizações criminosas, aliás muito bem organizadas, verdadeiros conglomerados produtores de horrores hediondos, não tem lei para esta guerra urbana?

Violência contra crianças e adolescentes (Foto: Redes da Maré)

Leis de controle e rastreamento de armamento foram afrouxadas. Uma curiosidade de difícil compreensão é a definição para a permissão de compra de armas variadas pelos “CACs”. “Caçadores” quando a caça é proibida. Como é isso? São caçadores de quem? E “colecionadores” que têm permissão para comprar os últimos modelitos de metralhadoras, fuzis, e lança-foguetes. Colecionadores, de qualquer tipo de objeto, garimpam as antiguidades, as raridades perdidas e esquecidas nos baús. Uma arma .50 não é um objeto de colecionador.

Mas qualquer pessoa com pouquíssima, ou nenhuma dificuldade adquire um fuzil, o matador, por exemplo, precisa só se definir como “CAC”. No entanto, para além da enorme periculosidade dessa arma, alguém que seja preso com um exemplar, só responderá por porte de arma, com pena máxima de um ano, lembrando que só vale um sexto disso, não havendo conexão com a penalização de organização criminosa. É avulso. Por que será? Quantas Crianças e Adolescentes já foram assassinados por um tiro de fuzil? Quantos? Nem sabemos. Há um acréscimo de dificuldade na responsabilização desses crimes. Eles ocorrem, principalmente, nas comunidades, na região do apartheid das cidades brasileiras.

Essa macroviolência fica a cargo de todos nós, mesmo que não tenham sido nossos dedos que apertaram esses gatilhos. Um congresso, o legislador que consegue noticiar que o Senado aprovou uma lei que dá direito à pensão especial para as Crianças e Adolescentes, de baixa renda, que ficaram órfãos por feminicídio de suas mães, lei 14.717/2023. Proteção para esses órfãos que, além da miséria afetiva de restar sem mãe, assassinada pelo pai/padrasto, caem em maior miséria financeira. Pelo menos, garantir um alimento para o estômago. O alimento psíquico, nem pensar. E, será que vai ser efetivada a lei 14.717/23? Ou será mais uma “bandeira’ de algum parlamentar para uma próxima candidatura à reeleição?

(Foto: Anuário Brasileiro de Segurança Pública)

Se temos a Lei Maria da Penha que combate a violência contra a Mulher, protegendo por extensão a Maternidade, é, no mínimo, incongruente que uma apresentadora, pessoa pública, tenha sido condenada a pagar uma pensão de 15 mil reais ao seu ex, genitor de seu filho, por tê-lo denunciado por violência doméstica, com concessão de Medida Protetiva, prerrogativa da Lei Maria da Penha. Os agentes judiciais não percebem que essa é uma comunicação coletiva de que não vale a pena denunciar violência doméstica? Um detalhe desse caso, que é muito frequente, é que o ex usou, como de praxe, a acusação de alienação parental praticada pela mãe.

Não raro, encontramos sentenças de “guarda compartilhada” em desfavor de bebês recém-nascidos. A mãe no puerpério, com as mamas entumecidas de leite porque o juiz determinou que o genitor, que tinha histórico de violência doméstica, deveria ficar com o bebezinho todas as tardes, das 12 às 18h. À mãe cabia as manhãs e as dores do leite empedrado durante as tardes. Qual a lógica de uma decisão desse tipo? E o bom senso não existe mais?

Não é difícil perceber como a legislação é manipulada e serve a pequenos grupos que detêm o Poder, e fazem “representantes” em bancadas da bala, da bíblia, do agro, funcionando em lobbies. Mas não existe uma bancada da Criança. Certamente porque criança não vota.

Ana Maria Iencarelli

Ana Maria Iencarelli

Psicanalista Clínica, especializada no atendimento a Crianças e Adolescentes. Presidente da ONG Vozes de Anjos.

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