Relações Internacionais

Lula tenta costurar oposição a Trump e candidatura para a ONU, mas Argentina vira entrave

Lula e o presidente da Argentina, Javier Milei

Por Wesley Oliveira

Luiz Inácio Lula da Silva (PT) participa nesta quarta-feira (9) da Cúpula de Chefes de Estado e de Governo da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac), em Tegucigalpa (Honduras). O petista chega ao evento com duas pautas tidas como prioritárias: uma resposta conjunta dos países do bloco ao tarifaço imposto pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e uma tentativa de apresentar uma candidatura unificada para a secretaria-geral da Organização das Nações Unidas (ONU). 
Apesar do otimismo de integrantes do Palácio do Planalto, a expectativa é de que a cúpula deste ano seja esvaziada, tendo em vista que apenas 11 dos 33 líderes do bloco confirmaram presença. Além de Lula, estão confirmados os presidentes da Bolívia, Luis Arce; do México, Claudia Sheinbaum; e da Colômbia, Gustavo Petro, que vai receber a presidência da Celac da anfitriã, Xiomara Castro, durante o evento. Tradicionalmente, a Celac é um organismo controlado por governos de esquerda e até o momento não é lembrada por qualquer grande realização.

Além disso, o presidente da Argentina, Javier Milei, virou um dos principais entraves para que haja consenso sobre a declaração conjunta da Celac. A tentativa de acordo vinha sendo feita há pelo menos duas semanas pelos diplomatas de todos os países, mas existe o risco de que o evento termine sem uma declaração conjunta.

O evento acontece em meio à pressão dos anúncios das tarifas internacionais dos Estados Unidos ao longo das últimas semanas. O Brasil, por exemplo, teve uma taxação de 10% sobre seus produtos exportados aos norte-americanos, anunciada no começo deste mês.

Em março, a Casa Branca já havia decretado uma tarifa de 25% sobre todas as importações de alumínio e aço, sendo o Brasil um dos principais exportadores desse tipo de matéria-prima para os norte-americanos. Junto aos países da Celac, o presidente brasileiro pretende seguir criticando Trump e propor um acordo do bloco latino-americano contra as taxas dos EUA. 

“O mundo deu um cavalo de pau. O cidadão sozinho acha que é capaz de ditar as regras para tudo que acontece no mundo. Tendo a dizer para vocês que pode não dar certo”, disse Lula antes de embarcar para Honduras. Integrantes do Itamaraty ouvidos pela reportagem, no entanto, são mais cautelosos em relação a uma ação conjunta do bloco. A avaliação é de que existem diferentes situações econômicas entre os países do grupo e diplomatas preveem dificuldade para que saia posição conjunta sobre o tema. 

Milei trava planos de Lula dentro da Celac 
Além das dificuldades para chegar a um consenso sobre a questão das tarifas impostas por Trump, o governo do presidente da Argentina, Javier Milei, tem imposto dificuldades para um acordo dentro da cúpula da Celac. O grupo, criado em 2010, impõe que as declarações presidenciais e ministeriais sejam aprovadas por consenso entre todos os países.

Em janeiro, por exemplo, países como Argentina, Paraguai e Costa Rica, todos governados por políticos de direita, opuseram-se a uma reunião da Celac para tratar das deportações em massa de Trump. Agora, a avaliação dentro do Ministério das Relações Exteriores é de que a reunião será importante para que os países possam, juntos, fazer uma avaliação sobre essa nova política dos EUA na América Latina.

Milei não participa do encontro em Honduras, mas seu corpo diplomático segue impondo restrições ao texto final do evento. Até o final desta manhã de quarta-feira (9) os países ainda divergiam sobre encerrar o evento sem uma declaração conjunta ou a assinatura de uma declaração muito menor do que se esperava, e com países como a Argentina deixando registrada, nas chamadas notas de pé de página, suas divergências sobre pontos do documento.

Entre outros pontos, o governo da Argentina se opôs a propostas sobre temas relacionados aos direitos das mulheres, políticas de gênero e aos chamados Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), estabelecidos pelas Nações Unidas (ONU). Alguns desses objetivos são erradicar a pobreza extrema e a fome, promover a igualdade entre os sexos e a autonomia das mulheres, reduzir a mortalidade infantil e melhorar a saúde materna.

Brasil quer candidatura unificada para cargo da ONU 
Em outra frente, o presidente Lula articula para que os países da Celac apoiem uma candidatura unificada para a secretaria-geral da Organização das Nações Unidas (ONU). Embora ainda não haja uma candidata definida, nomes como a ex-presidente do Chile, Michelle Bachelet, e a primeira-ministra de Barbados, Mia Mottley, estão sendo cogitados.

O governo brasileiro acredita que este é o momento ideal para que uma representante da América Latina assuma a posição, seguindo um rodízio informal entre as regiões. “Nós estamos propondo que os países se unam para começar a trabalhar em torno de uma candidatura única, que nos dá maiores chances de fazer valer esse princípio da rotatividade”, disse a embaixadora Gisela Padovan, secretária de América Latina e Caribe do Itamaraty. 

O mandato do atual secretário-geral da ONU, António Guterres, termina no ano que vem, quando deverá ser escolhida uma nova pessoa para o cargo. “O Brasil gostaria de ver além de um candidato regional, também uma mulher. Mas está tudo em aberto. É um processo absolutamente preliminar”, completou Padovan. 
A escolha de um nome de consenso entre os países do bloco latino-americano virou uma alternativa para Lula tentar ampliar a sua influência dentro da ONU. A manobra acontece depois das diversas tentativas de acordo com outros países para mudanças no Conselho de Segurança da ONU. 

A reforma do Conselho de Segurança e a defesa de mudanças nos mecanismos de governança global são pleitos históricos do Brasil. Pala regra atual, cinco países são membros permanentes: China, Estados Unidos, França, Reino Unido e Rússia. O Conselho é o principal órgão da ONU com competência para lidar com temas para a paz e a segurança internacional. O órgão pode impor sanções ou recomendar, em último recurso, intervenção militar, além de autorizar operações de paz e segurança. 

Os cinco membros permanentes têm poder de veto. Se algum deles, por exemplo, votar contra alguma resolução, ela não é aprovada, não importa quantos votos tenha a favor. Ao longo dos últimos anos, Lula tentou emplacar uma reforma no Conselho com a entrada de outros países. A movimentação, no entanto, não teve sucesso. Agora, a candidatura latino-americana de consenso para o cargo de secretário-geral da ONU virou uma das alternativas para o governo petista.

A dificuldade para viabilizar a pretensão brasileira é encontrar um nome de consenso em uma região com governos de posições políticas divergentes. “A gente decidiu começar a discutir na região porque a gente entende que compete a nós. Então, se a gente apresentar um candidato unidos, isso dá mais peso. Mas está bem em aberto ainda”, completou Padovan.  

Fonte: Gazeta do Povo

Related Posts

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

EnglishPortugueseSpanish