Inventário

E aqui vai um pedido sincero vindo do coração, que eu deixo registrado como vontade de última disposição, quando eu me for e é certo que eu irei, aliás todos um dia também irão, não fique triste, cabisbaixo ou reclamão. Antes de qualquer coisa, desânimo, descuido ou desatenção, tente lembrar de mim com um sorriso no lábio, um livro aberto, um poema na mente, um copo de cerveja na mão ou uma bela canção. Não perca tempo com luto, velas ou velhos rituais ultrapassados e sem sentido, no máximo, faça-me uma oração sincera e pronto.
Pode até me julgar, reclamar, fazer ironia ou dizer palavrão, eu não estarei nem aí para isto não. Mas, se não for pedir muito, tente lembrar de mim com alegria e leveza, sem culpa ou rancor, tais ódios e ressentimentos não valem a pena carregar, são pesos inúteis que só fazem mal ao portador. Pense no futebol, no futevôlei, no dominó, nas viagens que fizemos, na resenha com os amigos e num samba-canção. Mas, mesmo assim, cuidado! Se a tristeza insistir em chegar não a maltrate e nem a despreze, não seja indiferente, pois ela faz parte da vida.

Receba-a com respeito, sirva-lhe uma xícara de chá, um copo de café bem amargo, uma dose de pinga ou uma taça de vinho tinto e logo em seguida peça-lhe uma moratória e mande-a embora, não a deixe ficar. Pense no Maracanã lotado, na charanga do Mengão, no Zico, ouça um samba do Chico Buarque, pense no amor e nos amores, lembre-se das paixões, pense nos romances, nos livros e na literatura, pense na vã filosofia, pense em Jesus e na pureza das crianças. Se puder enfim, conte um caso engraçado, uma anedota picante, uma bravata ou uma mentira inocente, lembre-se de uma piada rápida, pode ser de salão, seja grato pela vida que é rica, mas é breve. Então, faça um brinde imaginário em homenagem a nossa amizade e, por favor, pelo amor de Deus, volte logo a sorrir novamente.