Seis por meia dúzia: as confusões do “novo” ministro de Lula em meio ao escândalo do INSS

O ministro Wolney Queiroz Maciel, que assume a Previdência sob supeita de omissão
Por Aline Rechmann
A troca no comando do Ministério da Previdência após o escândalo do INSS — em que aposentados e pensionistas tiveram descontos irregulares em seus benefícios por parte de sindicatos e associações — trouxe à tona também as ligações do novo ministro, Wolney Queiroz, com o caso. Ele era secretário executivo da pasta antes assumir o comando da mistério e teria participado e presidido reuniões em que alertas e até relatórios sobre as fraudes no INSS foram apresentados.
Mesmo assim, Queiroz não teria agido para coibir os desvios que geraram o desvio de valores de contas de aproximadamente seis bilhões de aposentados e pensionistas do INSS. O caso é semelhantes ao do ex-ministro Carlos Lupi, que foi demitido por Luiz Inácio Lula da Silva (PT) justamente por não ter tomado providências quando foi informado das irregularidades.
Os alertas sobre as fraudes foram feitos em junho de 2023, durante uma reunião do Conselho Nacional de Previdência Social (CNPS). Um mês depois, o agora ministro da Previdência Social se reuniu com três integrantes de uma das entidades que agora passaram a ser investigadas pelo escândalo do INSS. A Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) foi recebida por Queiroz no mesmo dia em que ocorreu a posse do ex-presidente do INSS, Alessandro Stefanutto. A informação foi registrada na agenda de autoridades divulgada pelo governo federal.
Além disso, sua atuação enquanto deputado federal na legislatura passada ajudou a adiar a fiscalização da cobrança de mensalidades associativas de aposentadorias e pensões do INSS. Isso enfraqueceu o controle sobre os descontos nas folhas de pagamentos. A Gazeta do Povo tentou contato com o novo ministro para falar sobre o caso, mas não recebeu retorno até o fechamento da matéria.
Após a indicação de Queiroz, a oposição tem destacado que, assim como o ex-ministro Carlos Lupi, ele também estava ciente das fraudes. Para o líder do Partido Liberal na Câmara, Sóstenes Cavalcante (RJ), Lula demitiu Lupi, mas não sanou as irregularidades. “Quem estava dentro do escândalo, agora assume o ministério”, criticou o deputado. No mesmo sentido, a deputada Adriana Ventura (Novo-SP) disse que a troca de ministros não convenceu. “Parece mais um teatro do que uma real intenção de resolver o problema”, afirmou.
Desde a troca no comando no Ministério da Previdência, a oposição já apresentou ações para impedir a posse e afastar Queiroz do cargo. Além disso, pedidos de convocação e esclarecimentos ao novo ministro foram apresentados. Recai sobre o novo ministro também a pressão pelos pedidos de criação de comissões para investigar as fraudes no INSS. Em uma das ações, a oposição reuniu assinaturas para a CPI do Roubo dos Aposentados e para uma CPMI com o mesmo tema.
Integrantes do governo foram alertados sobre fraudes no INSS em reuniões
Desde 2023, há relatos sobre denúncias de irregularidades em descontos aplicados a aposentadorias do INSS. Em reuniões do Conselho Nacional de Previdência Social (CNPS), o tema dos descontos foi levantado. Em junho de 2023, segundo a ata do Conselho, os Acordos de Cooperação Técnica (ACTs) das entidades que podem fazer desconto de mensalidade junto ao INSS foram mencionados pelas denúncias de fraudes verificadas.
Na oportunidade, o então ministro Carlos Lupi considerou o pedido relevante, mas informou que seria necessário levantar dados antes de pautar o assunto para um encontro posterior, o que não ocorreu. Ele depois disse que não determinou investigação pois a denúncia foi apresentada apenas de forma verbal na reunião, sem um documento oficial. Queiroz, na condição de secretário executivo da pasta — o número dois na hierarquia do ministério — participou da reunião e integrava o conselho.
O tema só entrou na pauta do Conselho em abril de 2024. Na reunião realizada no dia 24 daquele mês, Wolney Queiroz foi quem comandou uma parte dos trabalhos, após o agora ex-ministro Lupi se ausentar. Nesta reunião, houve o anúncio de que, a partir de agosto de 2024, o INSS começaria a checar 800 mil benefícios com algum indício de irregularidade, fraude ou que precisam de conferência da data de validade.
Queiroz assinou emenda adiando o controle dos descontos do INSS quando era deputado
Wolney Queiroz assumiu mandatos como deputado federal em seis legislaturas. Na mais recente passagem pela Câmara, o então deputado foi um dos que assinou uma emenda para modificar uma Medida Provisória (MP), apresentada pelo governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que originalmente tratava da margem de crédito consignado para beneficiários do INSS.
Em uma MP anterior, que buscava combater fraudes na Previdência Social, o governo Bolsonaro havia estabelecido que associações e sindicatos eram obrigados a comprovar todo ano a autorização dos descontos de mensalidades dos aposentados e pensionistas na folha de pagamento.
Por meio da emenda na MP que tratava dos consignados, Queiroz e outros quatro deputados da esquerda propuseram que a revalidação dos descontos de mensalidades fosse feita a cada três anos. Eles usaram a pandemia do coronavírus para justificar a ampliação do prazo. A prática de acrescentar um tema diferente da questão principal de um projeto de lei é apelidada de “emenda jabuti”.
“É bem de ver-se que esse prazo destina-se àqueles com maiores dificuldades de locomoção e com menores condições tecnológicas. Ademais, o seu cumprimento somente se efetiva de forma presencial, que pode representar a tênue linha que separa a incolumidade física da contaminação e até de óbito, pela covid-19″, aponta a justificativa da emenda assinada por Queiroz.
A emenda acabou sendo aprovada pelo Congresso e sancionada pelo ex-presidente Bolsonaro, mas foi revogada em 2022.
Desde março de 2024, os descontos de mensalidades associativas têm que seguir os critérios e procedimentos previstos em uma instrução normativa assinada pelo ex-presidente do INSS, Alessandro Stefanutto. A regra determina que o desconto na folha de pagamento tem de ser formalizado por meio de um termo de adesão, com assinatura eletrônica e biometria, apresentação do documento de identificação oficial válido e com foto, e número do CPF. Mas, mesmo com a determinação, as associações investigadas tiveram um salto no recebimento de mensalidades. O valor recebido passou de R$ 1,2 bilhão em 2023 para R$ 2,8 bilhões em 2024.
Oposição mira novo ministro com convocação, CPI e tentativas de barrar a posse
O novo ministro da Previdência, Wolney Queiroz, vem sendo criticado pela oposição que o acusa de ter sido “omisso e inerte” diante das fraudes no INSS. As críticas apontam que não haverá mudanças no comando da pasta com a troca. “Ele já era o braço direito do ministro e fazia parte da mesma engrenagem. Isso não muda nada”, afirmou o deputado Rodolfo Nogueira (PL-MS).
Em documentos apresentados à Justiça Federal e à Procuradoria-Geral da República (PGR), a senadora Damares Alves (Republicanos-DF) e o líder do PL na Câmara, deputado Sóstenes Cavalcante (RJ), afirmam que Queiroz participou de reuniões em que foram feitos alertas sobre os desvios do INSS.
Eles enfatizam que Queiroz teria ainda presidido uma reunião realizada em abril de 2024, na qual foi lido um relatório sobre a fraude.
Mesmo diante de provas contundentes de irregularidades, [Wolney Queiroz] não tomou providências para proteger as vítimas”, afirma a senadora.
Damares apresentou uma ação popular na Justiça Federal de Brasília para tentar impedir a posse do novo ministro. Sóstenes, por sua vez, pediu a investigação e o afastamento de Wolney Queiroz. Para ambos, Queiroz não cumpriu com as suas atribuições, já que ele era secretário executivo da pasta, ou seja, o número dois do ministério.
A nomeação de Wolney para o cargo de ministro de Estado é capaz de fazer permanecer no comando da Previdência Social a mesma estrutura que foi condescendente com os descontos ilegais de mais de R$ 6 bilhões dos bolsos dos segurados do INSS”, argumenta a senadora na ação.
Além disso, o líder da oposição, deputado Luciano Zucco (PL-RS), apresentou um requerimento de convocação do novo ministro para prestar esclarecimentos à Comissão de Fiscalização Financeira e Controle da Câmara. Além da convocação, os deputados Evair Vieira de Melo (PP-ES), Carlos Jordy (PL-RJ) e Nikolas Ferreira (PL-MG) também apresentaram uma série de requerimentos relacionadas às fraudes no INSS na mesma comissão.
A pressão sobre Queiroz é ampliada ainda com um pedido de criação de Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) e uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI). A oposição conseguiu as assinaturas necessárias para a criação das duas comissões que têm como objetivo investigar o escândalo no INSS. A instalação e o efetivo funcionamento de ambas depende agora dos presidentes da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), e do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP).
No intuito de buscar apoio na Câmara contra as investidas da oposição, Wolney Queiroz já esteve com deputados. Além disso, sob o pretexto de abrir canais de informação e colocar o Ministério da Previdência Social à disposição, o novo ministro esteve com o presidente da Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa Idosa, deputado Zé Silva (Solidariedade-MG). O encontro foi registrado nas redes sociais. Apesar da parceria anunciada com o novo ministro, o deputado mineiro afirmou que assinou a CPI do INSS. “Sigo na busca por justiça”, afirmou Zé Silva.
Lula tenta usar nomeação de Queiroz para segurar base aliada
A nomeação de Queiroz foi uma resposta às sinalizações do PDT de desembarque do governo Lula após a demissão de Lupi e Stefanutto. Apesar disso, na terça-feira (6), o líder da bancada do PDT na Câmara, Mário Heringer, anunciou que os 17 deputados do partido decidiram deixar a base aliada ao governo. Tanto o ex-ministro Carlos Lupi como o novo, Wolney Queiroz, são filiados ao PDT. Além deles, o ex-presidente do INSS, Alessandro Stefanutto, indicado ao cargo por Lupi, também é filiado ao partido.
Antes da troca, Heringer já havia demonstrado a insatisfação e afirmou que o Ministério da Previdência só “traz ônus” e que o PDT precisaria ocupar outras funções para apoiar “fielmente” o governo. Essas afirmações foram feitas pelo líder do PDT em entrevista ao Poder360, em 27 de abril.
No Senado, no entanto, o líder da bancada do PDT, senador Weverton Rocha, anunciou que ele e as senadoras Ana Paula Lobato (MA) e Leila Barros (DF) permanecem na base de Lula. “A bancada do Senado respeita a posição da bancada na Câmara dos Deputados e, embora tenha um posicionamento diferente, reitera que o partido segue unido em defesa dos ideais trabalhistas”, afirmou Rocha em nota enviada à imprensa.
Fonte: Gazeta do Povo