Comportamento & Equilíbrio

Direito de Ir e Vir. Se for Mulher, não tem. E Criança, piorou — Parte IV

Uma febre da criança, os vômitos provocados pela ansiedade e angústia em encontrar quem ela não quer, tem medo, tem raiva, e “tem que ir, e pronto”, como alardeia a Douta Psicóloga Judiciária

Volto a citar a afirmação da Douta Psicóloga Judiciária: “criança não tem querer! Tem que ir ficar com o pai, e pronto”. O Direito de Ir e Vir da Criança é ceifado por essa postura radical, espalhada aos quatro cantos judiciais. O sádico exercício de um Poder Ditatorial. Será que essa pessoa se sentiria confortável ao ser obrigada a conversar dentro de uma sala fechada com um agressor seu, com vistas e demanda judicial de que venha a amá-lo? Sabemos por inúmeros relatos que a vítima de estupro se perturba e se sente novamente violada ao se deparar com a figura de seu agressor, às vezes apenas gatilhos a desorganizam. Até mesmo quando ela está fazendo o reconhecimento do indivíduo na delegacia, em total esquema de proteção, sem que ele possa vê-la, muitas e muitas vezes fazer essa identificação lhe é impossível, se instalando um estado emocional, intensamente, perturbador. Esse estado emocional perturbador pode demorar a se dissipar, a revitimização acontece, e a vítima se sente encarcerada na violência sofrida. Todas as dores daquele momento terrível, todas, voltam.

Então, por que a criança é obrigada a ficar com seu agressor? Creem mesmo os agentes judiciários que essa exposição da criança a seu agressor irá produzir amor pelo genitor? O que, equivocadamente, chamam de “revinculação”. Não consigo acreditar que essa crença de “amor” se deva à ingenuidade ou ignorância de conhecimento condizente. Esta é uma das maiores maldades que têm sido cometidas contra crianças. Não sei como definir essa crença de obrigar a amar quem lhe maltratou ou violou. Se não há como provar, porque, é claro, a voz da criança não vale nada, mesmo que descreva com clareza, coerência, e espontaneidade, atos libidinosos praticados pelo genitor em seu corpo, o benefício da dúvida deveria cair sobre a parte mais vulnerável, a criança. Mas, em lugar disso, é o adulto agressor que recebe o benefício. E se recitarem o princípio, “em dúvida pró-réu”, a criança e sua mãe se tornaram, automaticamente, rés no momento em que denunciaram um homem. Que ousadia!

(Foto: Freepik)

Essa é uma situação em que o Direito de Ir e Vir é confiscado. A partir desse ousado momento, o Juízo ditará o Ir e Vir da Criança e da Mulher/Mãe. E sem tolerância ao menor imprevisto que possa vir a acontecer. Não são permitidos imprevistos, percalços naturais da vida. Uma febre da criança, os vômitos provocados pela ansiedade e angústia em encontrar quem ela não quer, tem medo, tem raiva, e “tem que ir, e pronto”, como alardeia a Douta Psicóloga Judiciária. Os atestados médicos são considerados suspeitos, como se todos os profissionais, que validam o estado da criança, fossem desonestos. Direito de Ir e Vir?

Faltas são atribuídas à mãe, sem que tenha recebido uma notificação da data de uma entrevista com uma psicóloga designada pelo juízo, conhecida pela unanimidade de laudos acusando as mães de alienação parental. Com essa armadilha, abre-se a “autoestrada” da, tão buscada, busca e prisão da Criança. Sim, não é apreensão como se fosse um carro que está em dívida com as parcelas, é um ato de prisão. É o ápice da morte do Direito de Ir e Vir. A casa é invadida por vários homens, às vezes há uma mulher entre os invasores, a porta pode ser arrombada, autorização judicial para a truculência, Policiais Militares de armas em punho, dedos nos gatilhos, vasculham até encontrar a criança, tantas vezes encontrada em seu berço ou caminha.

Essas ações acontecem, na sua maioria, à noite ou cedinho, nos finais de semana ou em véspera de feriadões, porque são autorizadas pelo Plantão Judiciário que não lê os Autos. Só escuta que a mãe é alienadora e o “pai’ tem direito de “conviver” com o filho. Amanhã é um grande dia de “busca e prisão de criança”. Um dos PMs pega a criança no colo, em pranto desesperada chamando pela mãe, e é carregada para fora, onde sempre está o genitor, para quem a criança é entregue pelo PM armado.

(Foto: Freepik)

Lembro sempre de uma avó que teve a casa invadida por uma “comissão judiciária” dessas. A guarda era compartilhada, e não era dia de estar com o genitor, mas o Plantão Judiciário não reparou nisso. A criança não estava com ela, mas o juiz de Plantão ouviu daquele genitor abusador que a mãe estava subtraindo a criança. Então, a avó materna era alvo por ter creditado o relato pormenorizado da criança. A avó morava sozinha. Os PMs com escopetas ou fuzis, ela não sabia distinguir, vasculharam todos os armários passando aquelas armas por entre as suas roupas de idosa, por entre as panelas, em todos os cantos. Ela me relatou a angústia ao ver que se seu neto estivesse escondido, teria sido achado pelo cano longo de uma arma, seria machucado ou baleado se o PM se assustasse e puxasse o gatilho em seu dedo. Havia também um PM que ficou na sala, entrincheirado guardando a porta, e o pet da senhora pulava no fuzil dele, estranhando aquele objeto. Teve medo de perder seu bichinho de estimação.

Não podemos esquecer que crime que não é provado não quer dizer que ele não existiu. Como exemplo, sempre pergunto: quem matou P.C. Farias e a namorada, que atiraram um contra o outro “no 3”. Se não foi provada a autoria quer dizer que não houve crime? P.C. Farias e a namorada, vivem?

Acompanhei também outra avó que foi condenada por “denunciação caluniosa” por ter denunciado o estupro de vulnerável do neto, e não ficar aceita a queixa. O menino planejava seu suicídio cada vez que o genitor, seu agressor, ameaçava fazer uma prisão dessas. Era muito amigo de agentes policiais. Mas acabou por fugir do país quando apertou a sua situação criminal. No entanto, a condenação criminal da avó a puniu em trabalhos sociais prestados numa creche no alto de um morro. Ela tinha sido operada de um tumor, um tempo antes da condenação, mas não foram aceitos seus atestados médicos, nem sequer as vezes que passou mal e desmaiou na escadaria do morro. Foi obrigada a cumprir toda a pena por mais de um ano. Era uma alienadora, segundo a sentença. Perdeu o Direito de Ir e Vir, assim como seu neto que ficou com fobia a barulhos de sirenes e com ataques de pânico por vários anos.
Afinal, o que vigora é “criança não tem querer”. Quanta barbárie!

Ana Maria Iencarelli

Ana Maria Iencarelli

Psicanalista Clínica, especializada no atendimento a Crianças e Adolescentes. Presidente da ONG Vozes de Anjos.

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