A cegueira da justiça e da Sociedade — Parte II

Como arregimentar quase todos os agentes de justiça nessa missão tão impossível, desamparar as crianças que sofrem violência física e violência sexual intrafamiliares?
A estupidez social pela cegueira generalizada que rege a proteção aos predadores é uma espécie de voz de colonizadores. A superioridade absoluta com que um predador e seus defensores olham para os vulneráveis demonstra essa postura de onipotência que massacra quem discorda do que vende como sendo suas “verdades dogmáticas”. Distorcendo conceitos das Ciências Humanas, predadores semânticos espalham equívocos em incríveis montagens.
As peças se encaixam porque o entorno escolhe fugir da crueldade das situações que o predador pratica, de modo que se alinha a ele. Ou seja, o mecanismo de defesa do ego que é mobilizado é a identificação com o agressor, que ganha legitimidade em tudo que fala.
Sempre que a mente se vê diante de uma situação excessiva para o que ela suporta, são mobilizados mecanismos de defesa para salvaguardar sua sobrevivência. Essa é a compreensão do conceito psicanalítico de trauma. O mecanismo de defesa escolhido que surge no momento do trauma, vem para cumprir a função de garantir a sobrevivência da mente.

Quando está em jogo o Impacto do Extremo Estresse, o conceito que abrange, exclusivamente, as duas formas de violência, quais sejam, a violência física e a violência sexual, aponta para danos que excedem as já conhecidas sequelas psicológicas. Sendo a criança uma criatura em desenvolvimento, pesquisas de diversos Centros de Pesquisa de Universidades como Harvard, por exemplo, mostram os efeitos dessa violência. É o que revela o estudo do Impacto de Extremo Estresse, que tem evidenciado, por imagens de Ressonância Magnética, que existe uma consequência traumática que ocorre no Sistema Nervoso, apontando para atrofias de nervos e sistemas e para disfuncionalidade de estruturas cerebrais, quando a criança é submetida a uma ou às duas formas de violência intrafamiliar, porquanto um trauma continuado, não episódico.
Mas, no nosso país, a única via é a de acusar a mãe com a falácia da “alienação parental” todas as vezes que uma mulher ousa, cumprindo a obrigação do Artigo 13 do ECA, fazer uma denúncia de suspeita de abuso sexual incestuoso ou de violência doméstica ou contra a criança. Sem comprovação científica, esse termo inventado por um médico generalista, nunca foi psiquiatra nem psicólogo, que se suicidou de maneira sangrenta, atentando até contra seu órgão sexual que dilacerou com vários golpes, impossível não achar um simbolismo nessa autofúria para não ser preso sob acusação de Pedofilia, pelo FBI, esse termo segue alojado dentro de uma lei, a lei de alienação parental, arrastando crianças violadas para serem entregues, judicialmente, a seus violadores. Aqui, concordo com a desembargadora, a justiça insiste em não ver essa realidade, parte do título de seu livro sobre o Incesto e a alienação Parental.

Nada consegue introduzir um traço de contraditório. É tudo absoluto, favorecendo a voz de testosterona. O dogmatismo é tamanho que temos a impressão que o abuso sexual acabou. Fica apenas o desencaixe dos números que apontam para um abuso sexual contra criança a cada oito minutos. Onde se passariam esses milhões de atos lascivos? Relatos são desprezados. Provas não são apreciadas. Até laudos do Instituto Médico Legal não são considerados. E tudo se torna “prova” de ato de alienação da mãe. Mas a ilusão do Princípio do Melhor Interesse da Criança é nutrida, fantasiosamente, nos autos. É, frequentemente, citado. Mas a voz da criança, o choro desesperado, os sintomas psicossomáticos que necessitam de idas à Emergência Pediátrica, nem são pensados, menos ainda respeitados.
Como arregimentar quase todos os agentes de justiça nessa missão tão impossível, desamparar as crianças que sofrem violência física e violência sexual intrafamiliares? E aqui encontramos o mecanismo de defesa da Identificação com o Agressor. Isso explicaria. Que a criança realize essa identificação com o seu agressor é mais evidente, considerando-se sua imaturidade emocional. O raciocínio dela percorre um caminho compatível com sua faixa etária, qual seja, “se meu pai faz uma coisa errada comigo e “ganha” da minha mãe, que é derrotada, e o juiz manda eu ficar com ele, ele é o forte, eu quero ser forte para sair disso”. Parece difícil a compreensão porque sai da situação traumática, incompreensiva, e escolhe o agressor. É esse raciocínio infantil, alimentado pelo medo, pela intimidação do agressor, que justifica a escolha, aos 12 anos, de ficar com o seu agressor. Todos escolhem. Não importa a luta empreendida pela mãe, ela fica no lugar de perdedora, de fraca. O máximo que a criança consegue é dizer que quer ficar com os dois, mãe e genitor, nunca expressa seu genuíno desejo.
Mas o agressor não fica limitado a ser escolhido pela criança intimidada. Os advogados se alinham a ele. É o modelo do forte, e para os adultos, vale mais aquela conhecida frase: se não se pode com um perigoso, junte-se a ele. E nesse lastro encontram-se os agentes de justiça, os magistrados e magistradas também incluídos. Um “Poderoso” fascina, seduz para que seja negado o medo que foi suscitado ao entrar em contato com tanta crueldade. Arrisco dizer que é muito provável que faça parte do passado recalcado ou lembrado de muitos.
Nessa escalada sequencial, a Identificação com o Agressor se derrama também na Sociedade, dando respaldo a decisões que fogem, completamente, ao bom senso.