Alienação Parental, a lei emboscada — Parte III

A alienação parental é uma espécie de seita, uma doutrina contra vulneráveis, mulher e criança. Não é científica, mas inventam uma escala de alienação parental, um checklist, que se autointitula científica, para lhe emprestar uma cientificidade inexistente
Montada em cima de preconceitos e estereótipos femininos, e muita estupidez sobre o desenvolvimento da criança, o termo “alienação parental” se tornou lei no Brasil, em 2010, caminhando ao lado do assassinato de uma menina de cinco anos, Joanna Marcenal. Lei que nasce com a morte de uma criança que foi apartada de sua mãe, por uma juíza, entregue a seu genitor e madrasta, sob alegação de sofrer alienação parental praticada por sua mãe. Se a mãe a afastava desse genitor, o que foi considerado de altíssima periculosidade, ilação sem fundamento, nem científico, nem empírico. Joanna foi torturada até a morte, mas foi dito que morreu de meningite. A que se deve todas as marcas no seu pequeno corpo, não se sabe. Hematomas, marcas de queimaduras, assaduras em locais específicos, que são indícios de outra coisa. Segundo uma funcionária da casa, era amarrada na cama. Interessante notar que até hoje não houve julgamento. Ninguém foi julgado, ninguém foi preso.
Mas, a prescrição já deve ter contemplado quem foi de alta periculosidade letal. E Joanna, como outras 17, 30, 45, 72 crianças, ficou na poeira dos ventos. Não temos acesso aos números, fazem parte do “imaculado segredo de justiça”. Esse instituto protege o adulto, o genitor. Para a criança não há como proteger, o mundo social dela todo fica sabendo, ela vai ter a ausência da mãe em todas as ocasiões, todas as comemorações, todas as festinhas escolares. E seus coleguinhas, todos, vão lhe perguntar por que a mãe nunca aparece? Para a mãe também não há proteção alguma que venha do segredo de justiça. A começar pelos próprios advogados, juízes e desembargadores, o “caso” é divulgado por todo lado, sem nenhum respeito à Ética. A família e o grupo social julga e aproveita para culpá-la.

Os irmãos Lucas e Mariah, ou o João Victor na chamada chacina de Campinas, fazem parte dessa vergonhosa lista de crianças vítimas desse termo que se fez lei dogmática no Brasil, o único país no mundo que mantém essa seita de que toda mãe que denuncia o genitor do filho ou filha, é louca, mentirosa, ressentida, quer ganhar mais pensão. A criança que queixa é um mamulengo nas mãos da diabólica mãe que implanta “falsas memórias”, outra mentira consagrada no judiciário. Não importa se a Ciência diz que o desenvolvimento cognitivo se dá por raciocínio concreto na infância, que a memória, portanto, funciona por experiência. Apenas, e tão somente, o que é vivenciado, que passa pelos canais da percepção da criança, é passível de memorização.
Há alguns dias, recebi o vídeo que registrou um ataque de fúria do genitor de três meninas, que ficaram órfãs de mãe, uma Juíza, assassinada por esse furioso com 16 facadas. Na frente das três crianças. O vídeo mostrava um homem, o genitor, esbravejando, jogando as roupas e malas, e objetos, contra a grade de um prédio, espalhando pela calçada, gritando xingamentos, em explícita e inequívoca atitude de severa violência. Essa Juíza, Viviane, apresentou o vídeo ao juízo que manteve o Regime de Guarda Compartilhada das crianças. Negou-se a seguir a Lei, que deveria garantir a Proteção dessa mulher/juíza. A Lei Maria da Penha daria proteção à Juíza Viviane, que tinha deferida Medida Protetiva, com o devido afastamento. No entanto, a Guarda Compartilhada é um vício dos juízes e juízas que põe em risco, eles creem que, ao obrigarem o contato entre os pais, estes vão “fazer as pazes”. Assim, os crimes previstos no ECA e na Lei Maria da Penha, são reduzidos a “desavenças”, meros conflitos. Criança e Mãe ficam desamparados, perdem a Proteção da lei, e tornam-se os criminosos, mentirosos, caluniadores, maliciosos.
Ao negar a modificação do Regime de Guarda Compartilhada com obrigação de aproximação da mãe para “promover as pazes”, a Justiça expõe a mãe e a criança à violência de um predador. Quando ocorre o óbito, dramático, cena de grande violência que escorreu daquele predador, fica por isso mesmo. Não há responsabilização pelo erro jurídico.

A alienação parental é uma espécie de seita, uma doutrina contra vulneráveis, mulher e criança. Não é científica, mas inventam uma escala de alienação parental, um checklist, que se autointitula científica, para lhe emprestar uma cientificidade inexistente. Se a Escuta Especial foi uma proposta que se tornou Lei, com estudo de Metodologia e Pesquisa, e que veio para escutar a vítima, e não para inquiri-la, constrangendo-a e revitimizando-a, rapidamente, é desqualificada a Voz da Criança, entrando com as tais “falsas memórias”, de impossível comprovação na infância, por causa do desenvolvimento cognitivo.
Mas os dribles e as jogadas ensaiadas são eficazes. Logo se transfigura o princípio da Escuta Especial, transformando em inquérito disfarçado. A Escuta passou a ser uma versão do criticado “depoimento sem dano”, um arranjo da antiga “gaiola de Gesel”. A composição desse depoimento tem na enganação, ou seja, no modelo original era uma parede de espelho unilateral, a criança não vê mas sabe que existem pessoas atrás da parede que a estão vendo. Uma situação para quem está com medo, está ameaçada, completamente perturbadora. Assim, para disfarçar, não se colocou mais a parede de espelho, mas essa situação persecutória, ser visto e não poder ver, foi amparada na tecnologia. Um ponto de áudio liga o juiz/a ao entrevistador/a, que fala de volta. Só a criança fica como bobo da corte, sem saber como está sendo julgada pelas pessoas ocultas para ela. Mas na sala repleta de adultos, ela é vista, e manipulada pelos interesses dos advogados. É assim que se desqualifica sua Voz, usando uma pontinha do princípio da Escuta, que já foi transfigurado. E, evidentemente, ela se nega a falar dos abusos. Claro.
Essa atitude de inverter princípios e critérios em nome da manutenção de uma lei inconstitucional, mas que também não é permitida a ADI, Ação de Inconstitucionalidade, já tentada várias vezes, está sempre à frente, negando o sofrimento causado pela Privação Materna Judicial. O PL 2812/22, Projeto de Lei da Revogação da Lei de Alienação Parental, vem sofrendo “lindos” dribles para ser retirado de Pauta. Nessa sequência de jogadas ensaiadas, escuto a frase de uma adoradora dessa lei, que era a favor, depois foi contra, em seguida voltou a ser a favor da lei, e que explicou: “depois da Reforma do Código Civil, pode revogar à vontade”.
O Código Civil, em surdina, tendo no grupo de trabalho apenas pessoas que defendem que só existe a figura de mãe alienadora, vem com proposta de criminalização severa, com aprisionamento, para mães que denunciarem abuso sexual. O processo de naturalização do estupro de vulnerável, parece, está em curso. E o ataque à Mulher/Mãe, à Maternidade, vem no pacote. Será regulamentado.