Reforma Tributária, um risco silencioso para o consumidor e o setor de serviços no Brasil

Por Ohana Albuquerque

A tão aguardada Reforma Tributária, em fase avançada de tramitação, promete um sistema mais simples, transparente e eficiente para o Brasil. Porém, como consumidora atenta à realidade econômica do país e observadora dos impactos sociais que as grandes reformas geram, não posso deixar de expressar minha preocupação com o efeito devastador que essa proposta pode trazer sobre o setor de serviços e sobre a vida do cidadão comum.
O Brasil é um país essencialmente movido a serviços. Salões de beleza, academias, escolas de idiomas, cursos livres, pequenos comércios e prestadores autônomos fazem parte do cotidiano de milhões de brasileiros. Um setor que, segundo o IBGE, representa mais de 70% do PIB nacional e é o principal gerador de empregos formais e informais. No entanto, com a criação do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), previstos pela Reforma, o setor de serviços pode sofrer um aumento de carga tributária sem precedentes.
Enquanto hoje um salão de beleza ou uma escola de idiomas paga alíquotas entre 2% e 5% de ISS, a nova proposta sugere uma alíquota efetiva que pode variar entre 25% e 30% sobre o consumo. Em um país onde grande parte da população sobrevive com salários entre R$ 1.500,00 e R$ 2.000,00, esse aumento pode significar a simples inviabilidade do acesso a serviços básicos de bem-estar, educação e lazer.
O argumento de que o novo modelo é mais justo e transparente esbarra em uma dura realidade social: a maioria dos legisladores que aprovam essas medidas não vive com o salário mínimo, não frequenta salões de bairro e tampouco precisa optar entre pagar um curso de inglês ou comprar alimentos básicos. Eles estão distantes do cotidiano de quem luta para manter o mínimo de qualidade de vida.

A consequência lógica e previsível desse cenário será a migração em massa para soluções caseiras e alternativas gratuitas. Plataformas como o YouTube e redes sociais já ensinam a cortar o próprio cabelo, a fazer tintura em casa e até a aprender idiomas de forma autodidata. O efeito colateral será a queda na demanda por serviços formais, o fechamento de pequenas empresas e o aumento do desemprego em um dos setores mais importantes da economia brasileira.
Do ponto de vista constitucional, esse movimento levanta sérias discussões. O princípio da capacidade contributiva (art. 145, § 1.º da Constituição Federal de 1988) exige que os tributos respeitem a condição econômica do contribuinte. Além disso, o princípio da isonomia tributária (art. 150, II da CF/88) veda tratamento desigual entre contribuintes em situação equivalente. O aumento abrupto da tributação sobre serviços, sem um estudo de impacto social eficaz e sem medidas de proteção efetiva para a população mais vulnerável, pode ser visto como afronta direta a esses princípios.
Ainda que a proposta preveja um mecanismo de “cashback tributário” para famílias de baixa renda, essa solução soa mais como um paliativo insuficiente e, provavelmente, de difícil operacionalização. Na prática, os mais pobres continuarão sendo os mais afetados.
Uma Reforma Tributária é, de fato, necessária. O sistema atual é confuso, ineficiente e favorece a sonegação. No entanto, não podemos fechar os olhos para os efeitos que essa mudança trará para o dia a dia do consumidor brasileiro. Se a Reforma avançar da forma como está sendo desenhada, poderá transformar serviços básicos e cotidianos em um luxo reservado apenas a quem pode pagar. O Brasil precisa de um sistema tributário mais justo, sim, mas essa justiça não pode ser apenas técnica, ela precisa ser social.
Ohana Albuquerque
Bacharel em Direito e pós-graduada em Advocacia Tributária pela Universidade Curitiba- UniCuritiba
Pós-graduanda em Direito Administrativo pela Escola Paranaense de Direito